Campinas, 24 de outubro de 2016 a 06 de novembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 673
Proteína derivada do casulo pode ser utilizada em processos de descontaminação
Além do fio de seda propriamente dito, o casulo do bicho-da-seda é formado, também, por um tipo de cola: uma proteína, chamada sericina, que une os fios de seda uns aos outros, cimenta o invólucro e protege o fio no casulo. No processo industrial atual, a sericina é separada da seda e descartada, tornando-se uma fonte de poluição das águas ou, caso a indústria trate seu efluente, gerando custos extras. Processo desenvolvido na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, no entanto, mostra que essa cola natural pode ter um destino mais nobre: em vez de poluir, ela pode limpar a água, removendo metais tóxicos dos efluentes.
O processo que transforma a sericina, de sujeira descartável em auxiliar do meio ambiente, é descrito na tese de doutorado “Desenvolvimento e avaliação de partículas à base de blendas entre sericina e alginato para aplicação ambiental”, defendida por Thiago Lopes da Silva e orientada pela professora Meuris Gurgel Carlos da Silva, na FEQ. Em seu trabalho, Thiago criou partículas feitas de uma combinação de sericina e alginato – um derivado de algas marinhas – que se mostraram capazes de retirar da água metais tóxicos como cromo, prata, cádmio, zinco ou chumbo, atingindo taxas de remoção que, dependendo do metal, podem chegar a mais de 99%. O processo também funciona com metais preciosos como a prata, o ouro, o paládio e a platina.
“O principal foco do nosso trabalho foi avaliar a remoção de prata, pois, além dela ser um metal nobre, e sua remoção de efluentes apresentar benefícios econômicos, ela é tóxica quando está na sua forma iônica, dissolvida em água”, explicou o autor da tese. “A prata é o metal nobre mais utilizado em processos industriais, e o crescente desenvolvimento de novos produtos que utilizam esse metal como agente bactericida, como por exemplo em materiais esportivos, faz com que a geração de efluentes que contêm o metal também aumente”.
O princípio do processo de descontaminação é semelhante à filtragem por carvão. A água contaminada com metais é colocada em contato com as partículas, de sericina e alginato, e sai purificada. Os metais, que ficam capturados nas partículas, podem ser depois concentrados e reaproveitados. As partículas, após a extração do metal, também podem ser reutilizadas em novos ciclos de purificação de água.
“Se a gente consegue pegar uma coisa que está extremamente diluída em água, porém ainda acima do limite legal para descarte, e concentrar numa forma que viabilize a recuperação desse metal, isso é algo de grande interesse, devido ao alto valor comercial. Então, além do lado ambiental, a remoção dessa parte tóxica da água tem uma etapa de alto valor econômico”, disse ele.
“Já existiam alguns poucos estudos usando apenas a sericina, em pó, para a recuperação de ouro da água e alguns metais”, disse a pesquisadora Melissa Gurgel Adeodato Vieira, coorientadora da tese. “Mas ainda não se havia trabalhado a aplicação, propriamente dita, na parte ambiental. A utilização da sericina pura, em pó, não permite a aplicação em processos de descontaminação em escala industrial. O desenvolvimento das partículas com alginato resolveu o problema. O nosso laboratório já tem o know-how de estudos para recuperação e tratamento de efluentes industriais, contaminados seja de metais, corantes ou compostos orgânicos”, prosseguiu.
“A incorporação da alginato trouxe uma maior estabilidade à partícula”, complementou ela. “Ele é um biopolímero extraído de algas marinhas que tem muitas aplicações na indústria farmacêutica, na indústria de alimentos, e já era utilizado em algumas pesquisas na área ambiental”.
Indústria da seda
Thiago veio do Paraná, Estado que concentra quase a totalidade da produção de seda no Brasil. “É uma cadeia produtiva dependente de pequenos produtores”, descreve. “A produção da seda é interessante porque o bicho-da-seda é uma lagarta que se alimenta apenas de folhas de amoreira. O agricultor recebe da indústria a lagarta já com um certo tamanho, e a mantém alimentada, crescendo, até formar o casulo. Só que ela é extremamente sensível: a produção não pode ter agrotóxico, por exemplo. É tudo muito manual. Essa produção depende muito de pequenas propriedades, de agricultura familiar”.
O pesquisador acrescenta que, além de permitir que a indústria da seda aproveite um material antes descartado, o processo apresentado na tese pode agregar valor ao produto dos agricultores. “Costuma-se dizer que sericultura evita o êxodo rural, porque mantém a pessoa no campo, ao fornecer renda extra às famílias de agricultores. Poucas pessoas dão conta de uma boa produção”, disse. “Esse tipo de pesquisa é importante por isso também: ao valorizar o que é descartado há a valorização de todo o produto, e em consequência, os benefícios são estendidos a toda a cadeia produtiva. Com a valorização da sericina, o pequeno produtor vai receber um pagamento maior pelo casulo”.
“Associado ao processo de produção da seda, a fabricação da partícula tem um potencial muito grande”, acrescentou a coorientadora. “Sai a seda e já se recupera a sericina. A gente ainda não tem ideia do custo em escala industrial, porque tudo que temos feito foi em escala de laboratório, e isso aumenta muito o custo: o recorte do casulo, por exemplo, é feito manualmente no laboratório. Mas o custo da nossa matéria-prima é baixíssimo, porque na verdade é um resíduo da indústria. Então, você já está tratando o efluente industrial e dando um valor agregado àquilo”.
Dados citados na tese indicam que o Brasil é o quarto maior produtor mundial de casulos do bicho-da-seda. Relatório de 2013 da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná aponta que, na safra 2011-2012, o Estado foi responsável por 98% da produção de casulos no país. No mesmo período, o Paraná respondeu por 100% das exportações brasileiras de fio de seda, e atualmente o fio paranaense é considerado o de melhor qualidade do mundo.
A tese cita ainda um estudo, realizado em 2008 na Tailândia, sobre o impacto ambiental do lançamento dos efluentes do processo de degomagem – como é chamada a separação da sericina do fio da seda. A demanda biológica de oxigênio (DBO), uma medida do potencial poluidor do efluente lançado nas águas, do descarte contendo sericina é mais de dezesseis vezes superior à do esgoto doméstico.
“A estimativa mundial é de que 50 mil toneladas de sericina são descartadas anualmente”, disse Thiago. “É uma quantidade muito grande, e trata-se de um poluente orgânico”. Excesso de matéria orgânica em rios e lagos pode levar ao esgotamento do oxigênio disponível no local, levando ao colapso da vida ali presente. “Quando há o desenvolvimento de um material a partir do que se considera um resíduo, você obtém, além dessa diminuição no custo do tratamento de efluentes, outro produto para ser comercializado”.
Outras aplicações
A FEQ já estuda outras aplicações para a partícula de sericina com alginato desenvolvida na pesquisa, incluindo na indústria farmacêutica. “Ela pode ser a matriz que incorpora o fármaco”, relatou a coorientadora, destacando que tanto a sericina quanto o alginato são biocompatíveis, isto é, não danificam tecidos vivos. “A sericina tem a propriedade de retardar a liberação de um fármaco dentro do organismo, então eu consigo fazer uma liberação controlada de um medicamento, como um anti-inflamatório, sem agredir o aparelho digestivo e protegendo o medicamento do ácido estomacal”, apontou. “É outra linha de pesquisa que temos aqui no laboratório, que simula o meio corpóreo, tanto gástrico quanto entérico, e o perfil de liberação no organismo. Então são essas duas linhas, a área ambiental e a área farmacêutica, para uma mesma partícula”.
Assim que novos estudos e aperfeiçoamentos tenham sido concluídos, o grupo pretende solicitar patente do método de produção e das aplicações da partícula. “Ainda vamos efetuar melhorias, com outros agentes aditivos que são adicionados no processo de produção”, disse ela.
Publicação
Tese: “Desenvolvimento e avaliação de partículas à base de blendas entre sericina e alginato para aplicação ambiental”
Autor: Thiago Lopes da Silva
Orientadora: Meuris Gurgel Carlos da Silva
Coorientadora: Melissa Gurgel Adeodato VieirA
Unidade: Faculdade de Engenharia Química (FEQ)
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