sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Fragmentação e degradação de habitats reduz a diversidade de insetos polinizadores

Fragmentação e degradação de habitats reduz a diversidade de insetos polinizadores. Entrevista especial com Cássio Alencar Nunes

IHU

Apesar de a “crise de polinizadores” no Brasil ainda não ser comparável à situação desses insetos nos EUA e na Europa, “é preocupante que, ao longo de todo o país, adotemos práticas que são extremamente perigosas para esses insetos e que foram apontadas globalmente como as principais causas das crises de polinizadores”, adverte o biólogo Cássio Alencar Nunes, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ele, embora os estudos sobre a diminuição de insetos polinizadores ainda sejam “incipientes” no Brasil, as pesquisas realizadas até o momento já evidenciam a diminuição de colmeias em estados como Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia.

Entre os fatores que têm contribuído para a redução dos insetos polinizadores, Nunes explica que a “fragmentação e degradação de habitats nativos e mudanças no uso do solo” e o uso de agrotóxicos têm reduzido “consideravelmente a diversidade e abundância de insetos polinizadores”. E aconselha: “Ainda temos tempo para agir antes desse desastre ocorrer no nosso país. A tendência atual de desmatamento e degradação dos habitats nativos e uso indiscriminado de agrotóxicos nos leva a pensar que, além de possível, essa crise de polinizadores é potencial! Mas, se agirmos rápido e com planejamentos a longo prazo, podemos evitá-la”.

Cássio Alencar Nunes é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, mestre em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre pela UFMG. Atualmente é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aplicada da Universidade Federal de Lavras – UFLA.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – É possível identificar quais as causas relacionadas à diminuição da população de abelhas e insetos polinizadores no país?
Alguns estudos já mostraram que em alguns locais no Brasil a fragmentação dos habitats reduz consideravelmente a diversidade e abundância de insetos polinizadores

Cássio Alencar Nunes – No Brasil, ainda são incipientes os estudos que comprovam a diminuição de insetos polinizadores de maneira que não local. Entretanto, é preocupante que, ao longo de todo o país, adotemos práticas que são extremamente perigosas para esses insetos e que foram apontadas globalmente como as principais causas das crises de polinizadores. Uma dessas práticas é a fragmentação e degradação de habitats nativos e mudanças no uso do solo. Alguns estudos já mostraram que em alguns locais no Brasil a fragmentação dos habitats reduz consideravelmente a diversidade e abundância de insetos polinizadores.

O nosso código florestal, que é a legislação que protege os habitats nativos no Brasil, foi recentemente alterado apesar das inúmeras advertências dos cientistas. Uma mudança que pode ser muito prejudicial, por exemplo, é a redução de 58% da necessidade de restauração de habitats nativos (de 50 para 21 milhões de hectares). A outra prática é o uso indiscriminado de agrotóxicos. O Brasil é o número um do mundo em consumo de agrotóxicos, o que chega a ser assustador. No meio dos agrotóxicos usados existem alguns que foram banidos em diversas partes do mundo, justamente por ter sido comprovado que estes causavam alterações significativas nas comunidades de abelhas.

IHU On-Line – Em quais regiões do Brasil já se evidencia uma diminuição da população de abelhas e insetos polinizadores?

Cássio Alencar Nunes – Existem alguns casos isolados já relatados ou estudados em algumas regiões do Brasil, nos estados de Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia. Ainda é preciso que mais estudos sejam feitos em todo o território nacional com o intuito de monitorar as populações e comunidades de insetos polinizadores para saber se e onde exatamente estão ocorrendo os declínios.

IHU On-Line – Quais são as consequências da diminuição dessas populações para a agricultura e para o meio ambiente em geral?
Para o meio ambiente, a diminuição da polinização vai levar diretamente à diminuição da fertilidade das plantas que dependem desses agentes

Cássio Alencar Nunes – Como esses insetos desempenham uma função ecossistêmica muito importante como é a polinização, a perda de espécies e diminuição das populações pode levar a uma série de problemas. Para o meio ambiente, a diminuição da polinização vai levar diretamente à diminuição da fertilidade das plantas que dependem desses agentes e indiretamente a uma cascata de efeitos para os organismos que dependem de alguma maneira das plantas afetadas. Assim, a perda ou diminuição dos insetos polinizadores leva a um desequilíbrio do ecossistema.

Para a agricultura, os efeitos diretos são semelhantes, ou seja, as culturas que dependem de polinizadores para produzir frutos, sementes e grãos terão a produtividade reduzida, o que indiretamente irá afetar a economia que gira em torno da agricultura. Especificamente falando de abelhas, a diminuição das populações afeta diretamente também a indústria de apicultura, diminuindo a produção de mel, própolis e outros produtos derivados.

IHU On-Line – Quais são os tipos de cultivos que mais dependem da polinização das abelhas e dos insetos polinizadores?

Cássio Alencar Nunes – As culturas que são mais dependentes são as de frutos em geral e algumas sementes. No Brasil, as culturas que mais dependem essencialmente do serviço de polinização são as de cacau, melão, maracujá, melancia. Outras culturas que também dependem em um alto grau dos polinizadores são maçã, abacate, café, guaraná, goiaba, pêssego, pera e tomate.
Ciclo da polinização (Ilustração: PUCRS)

IHU On-Line – Qual é a importância das áreas de mata nativa para a sobrevivência dos insetos polinizadores?

Cássio Alencar Nunes – As áreas de habitat nativo (dizemos habitat, porque pode não ser uma mata e sim um campo nativo ou um cerrado) podem atuar como fonte de alimento (pólen e néctar) para os agentes polinizadores, principalmente nos períodos entre safras. Além disso, os habitats nativos fornecem áreas para descanso, refúgio e reprodução dos polinizadores.

IHU On-Line – O que poderia ser feito para evitar a diminuição dos insetos polinizadores?

Cássio Alencar Nunes – Num artigo recente, nós discutimos três estratégias principais para evitar a crise de polinizadores no Brasil; todas de longo prazo. A primeira e mais importante é a manutenção de uma certa quantidade de habitat nativo na paisagem agrícola. As áreas nativas são fontes de abrigo e alimento para grande parte dos polinizadores que são úteis para a cultura agrícola. A segunda medida seria a redução ou o uso menos indiscriminado de agrotóxicos, já que estes químicos têm grande potencial de reduzir a diversidade, abundância e eficiência de insetos polinizadores, além de poluir os ecossistemas. Neste caso dos agrotóxicos, a pesquisa sobre químicos que sejam eficientes contra as pragas específicas e que não afetem a comunidade biológica como um todo, é uma boa ideia também. A terceira estratégia é a de monitorar continuamente as comunidades de polinizadores ao longo de todo o território nacional com métodos padronizados.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Cássio Alencar Nunes – Apenas dizer que a crise de polinizadores ainda não é forte no Brasil como é na Europa e nos EUA, então ainda temos tempo para agir antes desse desastre ocorrer no nosso país. A tendência atual de desmatamento e degradação dos habitats nativos e uso indiscriminado de agrotóxicos nos leva a pensar que, além de possível, essa crise de polinizadores é potencial! Mas, se agirmos rápido e com planejamentos a longo prazo, podemos evitá-la.

(EcoDebate, 15/12/2016) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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