Da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical
Um dos métodos usados para combater o mosquito Aedes aegypti, divide a opinião de especialistas da saúde e empresas de aviação agrícola
Lei sancionada em junho deste ano pelo presidente interino Michel Temer, tem causado polêmica entre técnicos da saúde e especialistas de empresa de aviação agrícola. De acordo com a Lei 13.301/2016, o uso de aviões de pulverização em áreas urbanas será permitido mediante aprovação das autoridades sanitárias e da comprovação científica da eficácia da medida: O inciso IV, do 3º parágrafo do artigo 1º da Lei 13.301-2016 incluiu, entre as medidas de controle do Aedes aegypti, a “permissão da incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão por aeronaves mediante aprovação das autoridades sanitárias e da comprovação científica da eficácia da medida”.
Várias Comissões Intergestores Bipartite (CIB) nos estados – responsáveis pela Governança do Sistema Único de Saúde (SUS) e compostas pela Secretarias Estaduais e representantes das Secretarias Municipais de Saúde – reprovaram esta medida. Já se manifestaram neste sentido as CIB dos estados do Rio Grande do Sul, Ceará, Goiás, Espírito Santo e São Paulo.
Na opinião do assessor técnico do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Nereu Henrique Mansano, a utilização do método, além de ser um risco para o meio ambiente e saúde da população, é pouco eficaz no combate ao mosquito Aedes aegypti. Médico pediatra e mestre em Saúde Coletiva, Mansano explica que o mosquito em sua fase adulta vive predominantemente dentro dos domicílios. “A forma mais efetiva continua sendo a remoção mecânica dos criadouros. Além das medidas de acesso ao saneamento, como disponibilidade contínua de água tratada, coleta e destinação adequada dos resíduos sólidos”, complementa.
Ainda segundo Mansano, os pareceres das áreas técnicas do Programa Nacional de Controle da Dengue e da Área de Vigilância em Saúde Ambiental do Ministério da Saúde foram contrários à inclusão pelo Congresso do inciso que incluiu este tema à Medida Provisória que se transformou na Lei 13.301/2016 – que originalmente não incluía esta proposta.
“Com base nestes pareceres e pelos motivos citados, o CONASS e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), que respectivamente representam as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, enviaram ao Ministério da Saúde solicitação de que este encaminhasse à Presidência da República orientação de veto ao inciso 4º do 3º parágrafo do artigo 1º da citada Lei. Apesar desta orientação o veto acabou não ocorrendo”, lamenta.
Já o engenheiro agrônomo e consultor em Tecnologia de Aplicação Aérea, Eduardo Araújo, apóia a aplicação de inseticida por aviões como método complementar em caso de emergência. “Acredito que a principal estratégia contra o mosquito, ainda é o controle larval, preventivo. Mas, se o controle falhar e a população de mosquitos adultos causar uma epidemia, o controle químico será inevitável”, ressalta. Araújo conta que a pulverização aérea atinge 500 quarteirões por hora de forma uniforme. “Esse método permite que o inseticida chegue às áreas de difícil acesso, como pátios dos fundos das casas, terrenos baldios murados, telhados, calhas e interrompa o ciclo da doença após algumas aplicações”, pontua.
O médico e professor da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Tauil, concorda com o impedimento de aplicação aérea de inseticidas e afirma que os efeitos negativos da aplicação de inseticida irão surgir em longo prazo. “O método além de ineficaz, põe em risco o meio ambiente”, diz.
Em maio deste ano, o Conselho Nacional de Saúde, órgão de controle social do SUS, composto por representantes da sociedade civil (usuários), dos trabalhadores da saúde, prestadores e gestores, manifestou-se contrário à medida, mesmo em casos emergenciais, por meio de uma moção de repúdio. No texto, o Conselho alega que o Brasil ocupa o lugar de maior consumidor de agrotóxicos no mundo. Diz ainda que, entre 2011 e 2015, foram notificados mais de 56 mil casos de intoxicação por agrotóxicos. Segundo a publicação, a população e o meio ambiente irão correr riscos se expostos a mais agrotóxicos.
Eduardo Araújo, informa que o produto, utilizado com equipamentos terrestres, nas mesmas doses e sem sequelas já é autorizado pelo Ministério da Saúde. “Refere-se apenas de substituir ou complementar o método de aplicação. Além disso, não se trata de nenhuma experimentação. A pulverização aérea é utilizada com êxito em outros países”, elucida.
A tecnologia, foi usada apenas uma vez no Brasil, em 1975, e de acordo com Araújo, obteve êxito. Ainda assim, defende a ideia, apoiado pelo Sindicato Nacional das Empresas Aeroagrícolas (Sindag), de começar um trabalho “piloto”, em área controlada, para avaliação e eventuais ajustes sob a coordenação e supervisão do Ministério da Saúde. “Respeitadas as doses, não têm qualquer impacto sobre a saúde da população. Mesmo assim, como no Brasil é uma tecnologia praticamente nova, defendo o trabalho piloto, antes de estendê-la, para as demais áreas afetadas. A partir deste trabalho, geraríamos um protocolo a ser seguido nas áreas de extensão”, salienta o engenheiro.
Mark Latham, diretor no distrito Manatee, na Flórida, Estados Unidos, diz que o controle do mosquito vetor depende muito de participação da sociedade. Ele conta que em seus 36 anos de experiência com controle de mosquitos, primeiro nas Ilhas Cayman, depois em Miami e os últimos 22 anos em Manatee, o Aedes aegypti sempre foi uma das espécies mais problemáticas. “Falta participação da sociedade em questões simples de saneamento. Foi uma das maiores frustrações que tive”, comenta.
De acordo com Mark, os métodos de aplicação, adulticídio aéreo e larvicídio aéreo, foram aprovados pelas agências reguladoras dos EUA há muito tempo, para uso rural e urbano, com análises de risco constantemente avaliadas. Ele enfatiza que a vigilância e a identificação de populações significativas de mosquitos são necessárias antes de medidas de controle tão drásticas. “Em muitos lugares, especialmente aqui na Flórida, onde o problema dos mosquitos é grande durante 6 meses do ano, o adulticídio aéreo é comum e normalmente tem foco em mosquitos-peste, ao invés de vetores de doenças”, observa.
Nas áreas em que o combate ao mosquito e aplicações aéreas não são comuns, os métodos são considerados controversos, segundo Latham. Ele conta que a população teme o uso de pesticidas em larga escala, devido às ações de ativistas anti-pesticida, sem verificação científica. “Eu jamais diria que os pesticidas utilizados para adulticídio de mosquitos são inofensivos, mas diria que o seu uso beira o risco mínimo, certamente menor do que o risco oferecido pelas doenças transmitidas durante uma epidemia” assinala.
Segundo ele, esses métodos são respaldados pela ciência e por uma longa história de uso seguro. “Nos locais onde são comumente usados, como é o caso da minha cidade, oferece um serviço público de melhoria da qualidade de vida por reduzir grandes populações de mosquitos-peste e vetores de doenças”, salienta. De acordo com Latham, seu distrito tem realizado pesquisas operacionais sobre outros métodos disponíveis para o controle do Aedes aegypti devido ao risco de dengue, chikungunya e Zika vindo de fora. “Estamos investigando métodos como ovitrampas letais, armadilhas de auto disseminação etc. Porém, nenhum se mostrou promissor ou eficaz o suficiente para pararmos nossas aplicações aéreas, que são tão eficazes”, informa.
No Brasil, autoridades de saúde também alegam que a pulverização aérea desrespeita a legislação. A Instrução Normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) diz que é proibida a aplicação aérea de agrotóxicos em áreas situadas à uma distância mínima de 500 metros de povoações, cidades, vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento de população. Também proíbe a pulverização aérea a distância mínima de 250 metros de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos.
Porém, Eduardo Araújo alega que o método não irá contrariar a legislação. “Não se trata de aplicação de agrotóxicos em áreas urbanas, mas sim de aplicação de inseticidas próprios para tal finalidade. São inseticidas enquadrados como saneantes, regulamentados pelo Ministério da Saúde”, argumenta. Para basear suas alegações, Araújo cita a portaria 190 /2001 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e Nota Técnica 75/ 2007 do Ministério da Saúde, que embora faça uma série de restrições ao uso rotineiro da aplicação aérea, reconhece que seu emprego se justificaria em situações muito específicas, como no caso de graves surtos de doença.
“Finalmente tivemos a promulgação da Lei 13.301 / 2016 que inclui a aplicação aérea de inseticidas em áreas urbanas como um dos instrumentos para o controle de mosquitos, desde que comprovada sua eficácia e mediante aprovação das autoridades sanitárias. Como se vê, a aplicação aérea para tal finalidade é perfeitamente legal. Só depende da autorização do Ministério da Saúde”, finaliza.
in EcoDebate, 16/12/2016
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