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Após 26 anos de trabalho, pirâmide dos alimentos não quer se aposentar
Texto: João Peres
Um dos ícones mais onipresentes e discutidos de uma era controversa da alimentação humana continua vigente, embora a recomendação oficial do Brasil vá no sentido oposto
Ela já trampou bastante. O mundo mudou completamente nesses 26 anos, e os colegas acham que ela não dá mais conta de entender o que está rolando. O chefe já a declarou aposentada e pediu que vá para casa, mas não há meios de fazê-la desistir de bater o ponto religiosamente.
Numa era marcada por imagens, a pirâmide dos alimentos segue a arrebatar curtidores, seguidores e compartilhamentos. Ela nasceu em um mundo em que nem FHC, nem Lula haviam sido presidentes, em que desconhecíamos a existência de Bill Gates e Steve Jobs, e em que a fome assustava mais que a obesidade.
Se não está nem aí para a política nacional, e muito menos para bytes e smartphones, a pirâmide tem algo a nos contar sobre a obesidade. Ela se tornou o símbolo de um paradigma alimentar que separa tudo por nutrientes. O ícone de uma ideia que demandou, com fracasso, que as pessoas se tornassem especialistas da própria comida.
Se você tem menos de vinte anos, possivelmente cruzou com a pirâmide na escola. Ela segue presente em vários livros didáticos e paradidáticos, embora o Brasil tenha desde 2014 uma orientação oficial contrária. Tendo conhecido de outros carnavais ou não, vale a pena dar uma olhada por alguns segundos antes de continuar a conversa.
Nunca se endireita
A pirâmide nasceu em 1992, fruto de uma longa e turbulenta gestação. Desde a metade do século, e com mais força depois dos anos 1970, tivemos a era dos carboidratos. As gorduras foram demonizadas, e o açúcar e a farinha, onipresentes, ficaram de boa.
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) começou a publicar guias alimentares a cada cinco anos. Note que a iniciativa não partiu de um órgão de saúde, mas da morada dos ruralistas. No final da década de 1980, o USDA decidiu criar um símbolo que resumisse as orientações oficiais. A pirâmide foi escolhida entre centenas de desenhos por apresentar melhor resultado em comunicar moderação e proporcionalidade. A essa altura, o rumo dos ventos já havia mudado nos países do Norte: em vez de “comer mais”, a mensagem era “comer menos”.
O lobby dos produtores de carnes e lácteos retardou por um ano o lançamento. E garantiu que a orientação oficial mantivesse um consumo elevado desses alimentos. As grandes corporações, aliás, jamais esconderam que gostam da pirâmide.
Alice Ottoboni, bioquímica e pesquisadora em saúde pública, foi uma das primeiras a levantar a lebre. “As diretrizes oficiais do USDA e sua pirâmide dos alimentos são nutricionalmente e bioquimicamente equivocados. Eles mudaram radicalmente os hábitos alimentares de dezenas de milhares de norte-americanos, num experimento humano massivo que deu errado. Hoje, há pouca dúvida de que há uma clara associação temporal entre a dieta ‘saudável para o coração’ e a corrente e crescente epidemia de doença cardiovascular, obesidade e diabetes tipo 2.”
Àquela altura, começo dos anos 1990, já havia muita evidência de que colocar todas as gorduras no mesmo balaio era um erro. E que o incentivo ao consumo dos carboidratos, sem distinções, era uma das explicações para as curvas ascendentes de obesidade.
Mas o que a pirâmide fez? Determinou que se consumisse muito carboidrato, que as proteínas ficassem num nível intermediário e que se evitasse a ingestão de gorduras.
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