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Após 26 anos de trabalho, pirâmide dos alimentos não quer se aposentar
Texto: João Peres
Mas o que a pirâmide fez? Determinou que se consumisse muito carboidrato, que as proteínas ficassem num nível intermediário e que se evitasse a ingestão de gorduras.
Dali por diante a pirâmide se tornou a mais difundida e clássica ferramenta de representação alimentar. No Brasil, chegou em 1999, numa adaptação feita pela professora Sonia Tucunduva Philippi, da Faculdade de Saúde Pública da USP. Embora não tenha sido adotada oficialmente pelo governo, constou de vários documentos públicos e é de certo modo uma tradução iconográfica do Guia Alimentar de 2006.
“Após todos esses anos, a figura da pirâmide alimentar é facilmente reconhecida e apresenta fixação de conceitos importantes como variedade dos grupos alimentares e tamanho das porções de alimentos, peso em gramas e medidas usuais como xícara, colher, fatia”, defende Sonia. Em 2013, quando a pirâmide havia sido aposentada nos Estados Unidos e em outros países, a professora promoveu uma adaptação aos novos tempos, com mudanças nas proporções e um estímulo à atividade física (é a imagem que está em destaque na abertura dessa reportagem). “As informações apresentadas não são teóricas e trazem uma leitura próxima do dia a dia da população.”
Porém, sucessivas pesquisas mostraram que a pirâmide não é tão fácil de entender.
Chile, 2003. Um levantamento com 898 consumidores deixou claro que algumas pessoas pensavam que os alimentos do topo eram os prioritários, e que os da base deveriam ser evitados. Essa interpretação apareceu em outros estudos.
Estados Unidos, 2002 a 2004. Pesquisadores foram convocados pelo USDA para avaliar a eficácia da pirâmide. Realizaram 18 grupos focais, que são entrevistas em conjunto voltadas a uma análise qualitativa. Apresentados à pirâmide, 80% dos participantes erraram ao menos um dos grupos de alimentos – 12% erraram tudo. As pessoas tampouco entendiam o conceito de “porção”, e no geral chutavam quantidades maiores que as da recomendação oficial. Um caso clássico de “decifra-me, ou te engordo”.
Europa, 2015. Pesquisadores revisaram as orientações nutricionais oficiais na região. De 34 países, 22 tinham a pirâmide como ícone, mesmo sem avaliações sobre a eficácia. Os autores concluíram que o símbolo não dá conta de representar diferenças culturais. “Em nossa opinião, é necessária uma distinção mais clara entre alimentos frescos e processados.”
É aí que a coisa se complica. A pirâmide coloca numa mesma caixa alimentos muito diferentes. Não é preciso ser especialista para saber que existe uma diferença grande entre o Miojo e a mandioca.
Mas talvez você precise recorrer a um especialista para entender a diferença entre manteiga, margarina, azeite de oliva e óleo de soja. E onde colocamos a mandioquinha: vegetal ou carboidrato?
O iogurte que a pirâmide recomenda consumir é natural, sem aditivos, ou uma versão produzida a partir de leite em pó, com um bocado de açúcar? Um pão de forma é igual a uma torrada industrializada, que por sua vez é igual a um pão de fermentação natural e farinha integral?
Também é necessário ter paciência de Jó para fazer preparações alimentares complexas caberem dentro dos grupos. Uma sopa de legumes tem vários nutrientes diferentes. E você não é obrigado a saber quais: basta saber que é uma delícia e tem uma variedade de alimentos selecionados ao longo de séculos por nossos antepassados.
“A pirâmide não dá conta de abordar cultura alimentar. Você pode colocar alimentos de uma região na pirâmide, mas perde de vista o aspecto cultural, social e ambiental dos alimentos. Você desconsidera como o alimento foi produzido”, resume Camila Maranha Paes de Carvalho, professora adjunta da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal Fluminense (UFF) e consultora da ACT Promoção da Saúde.
“Eu entendo que algumas pessoas queiram elementos gráficos para tentar ajudar a orientar as pessoas. Mas o que temos de acúmulo de experiência e de tempo de uso desse instrumento, muitos elementos negativos vêm se mostrando importantes.”
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