A primeira vista, não dava para entender por que diabos aqueles grãos de café, meio gosmentos, surgiam amontoados sob as árvores - religiosamente, da noite para o dia. Ao amanhecer, era sempre igual: os roceiros se enfiavam no meio do cafezal para fazer a colheita manual e davam de cara com uns grãos, já sem casca, sobre as folhas secas no chão. Algum animal ali da mata andava a chupar esses frutinhos adocicados.
Depois de muito fuçar, Rogério Lemke, o administrador da fazenda Camocim, na qual se espalham 120 mil pés de café em Pedra Azul, a 100 quilômetros de Vitória, no Espírito Santo, matou a charada. Eram cuícas, pequenos mamíferos silvestres, que guardam certa semelhança com um rato. Os bichos se penduram nos galhos mais baixos das árvores, à noite, para se alimentar da casca, da polpa e do mel do café. Escolhiam sempre os melhores frutos, como em uma "colheita seletiva".
Depois, as cuícas dispensavam os grãos, ainda com algum resquício do mel sobre o pergaminho (película entre a semente e a polpa). Para evitar prejuízo, com o desperdício de grãos, o carioca Henrique Sloper, dono da fazenda, resolveu recolher essas sementes "cuspidas".
A partir daí, como revela a Folha, Sloper decidiu fazer testes de secagem e torra para descobrir, na xícara, o que eles poderiam render.
Depois de um ano de avaliações, o café da cuíca deve ser lançado em novembro por pelo menos R$ 900, o quilo. Em média, um pacote de mesmo peso de um café especial custa R$ 60 - os grãos cuspidos pelo animal custarão, portanto, 14 vezes mais. Bicho sem carisma, a cuíca, quem diria, vale ouro.
Foto: cuíca
O jacu, o pioneiro
A cuíca não é, contudo, o primeiro animal a "participar" do processo de produção de cafés especiais no Brasil. Quem emplacou de forma pioneira foi o jacu - ave robusta, com bico pronunciado e papo vermelho. Seu café foi vendido pela primeira vez em 2007, também pela fazenda Camocim. Atualmente, são produzidos 950 quilos por ano a R$ 450, o quilo.
Conhecido como "faisão brasileiro" e também semelhante a um urubu, esse animal era uma praga para a plantação de café.
"O jacu comia muito do meu café, dava o maior prejuízo", diz Henrique Sloper, dono da Camocim. "Muitos fazendeiros matavam o bicho, ficou quase extinto."
Inspirado no kopi luwac, o famoso café da Indonésia, cujos grãos são retirados das fezes da civeta (animal semelhante ao gambá) e que podem custar US$ 493, o quilo (cerca de R$ 1.000), o café de jacu surgiu para solucionar esse problema no cafezal.
"O que era uma praga virou fonte de um produto de alta qualidade", diz Sloper.
Tanto o jacu quanto a cuíca escolhem os frutos mais maduros e sem defeitos para se alimentar - por isso, geralmente, resultam em bebidas de doçura acentuada.
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