sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Ciência une-se ao conhecimento popular

por Pedro Fernandes / Novembro e Dezembro 2012
foto Alexandre Moraes

A malária, doença causada por protozoários do gênero Plasmodium, é um sério problema de saúde pública em vários países, principalmente, nos de clima tropical ou subtropical e em desenvolvimento. No mundo, cerca de 500 milhões de novos casos são registrados por ano. A mortalidade é estimada entre dois e três milhões de pessoas. O maior número de fatalidades ocorre na África e as principais vítimas são crianças menores de cinco anos. No Brasil, a maior parte dos casos de malária ocorre na Amazônia.

A cloroquina (CQ) ainda é o principal medicamento disponível no mercado para tratamento contra a malária. Entretanto os parasitas do gênero Plasmodium (agentes causadores) e os mosquitos do gênero Anopheles (agentes transmissores) estão mais resistentes aos fármacos e aos inseticidas, respectivamente. Como consequência, tem-se observado um aumento de casos e de mortes provocadas pela malária.

Por isso, a necessidade de novos medicamentos para combater a malária. Partindo dessa demanda, o Projeto de Pesquisa “Rede de Produtos Naturais para a Quimioterapia Antimalárica”, coordenado pela professora Alaíde Braga de Oliveira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), avalia a atividade antimalárica (potencial antiplasmódico) de plantas medicinais utilizadas pelo conhecimento popular para tratamento contra a malária a fim de desenvolver, a partir destas espécies vegetais, medicamentos com um grau de qualidade, eficiência e segurança elevados.

Trata-se de um projeto multidisciplinar e interinstitucional que compreende estudos fitoquímicos, toxicológicos, farmacológicos, farmacotécnicos, testes laboratoriais, ensaios com animais infectados, humanos sadios (voluntários) e acometidos pela doença. O projeto é financiado pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Testes visam à obtenção de extrato único

A integração das instituições visa a identificação das substâncias ativas (antiplasmódicas) nas plantas medicinais usadas pela fitoterapia popular no tratamento contra a malária e a produção, a partir destas espécies vegetais, de medicamentos padronizados. “O extrato ativo precisa ser padronizado, conforme pede a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC-14/2010) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Somente um extrato uniformizado, tecnologicamente desenvolvido, pode dar origem a um medicamento (fitoterápico). É este medicamento que poderá ser registrado na Anvisa”, explica o professor Wagner Luiz Ramos Barbosa, da Faculdade de Farmácia da UFPA, um dos responsáveis pelos estudos fitoquímicos no Projeto.

Os estudos fitoquímicos têm funções específicas. Preparar os extratos, investigar a composição química, avaliar se possuem substâncias ativas e padronizá-los. Constatado o potencial antiplasmódico dos extratos, estão aptos a ser padronizados ou fracionados. No primeiro caso, obtém-se diretamente um fitoterápico (ou fitomedicamento), que é uma forma alternativa de tratamento. No segundo, obtém-se uma fração a partir da qual se poderá produzir um fitoterápico.

Além disso, a fração obtida do extrato pode conter uma substância ativa, a partir da qual poderá ser desenvolvido um alopático, medicamento que trata a doença de forma convencional. E, ainda, esta substância ativa pode ser sintetizada e produzir outra substância, a partir da qual se poderá desenvolver também um alopático, um medicamento sintético. Há, também, outro procedimento: a semissíntese. Por meio desse processo, uma substância não ativa, pertencente àquela fração, pode ser transformada em uma substância ativa. E esta, por sua vez, em um alopático.

Após a validação e a padronização fitoquímica, o passo seguinte é analisar, do ponto de vista farmacológico, a viabilidade de esses remédios tornarem-se recursos terapêuticos fitoterápicos. Para isso, os possíveis medicamentos são submetidos a ensaios em laboratório e a testes em animais infectados com a doença (estudos pré-clínicos).

Caso os testes com animais funcionem, a etapa seguinte é a fase clínica 1, com humanos, voluntários sadios. Nesta fase de testes, será utilizada uma formulação farmacêutica simples, ainda não industrializada, produzida em laboratório. O objetivo da fase clínica 1 é avaliar o nível de segurança do fitoterápico.

“Vamos considerar um voluntário sadio que está tomando o medicamento. Se ele começar a apresentar algum tipo de transtorno, nas funções orgânicas, na digestão, na pressão, ou qualquer outro sinal ou sintoma, a formulação não é segura. Mas, se ele não apresentar problema algum, se o produto não mostrar qualquer efeito toxicológico, pode-se passar à fase 2”, esclarece Wagner Barbosa.
Possíveis danos serão monitorados

Na fase clínica 2, o fitomedicamento será avaliado quanto à sua eficiência. Para isso, serão realizados testes com humanos acometidos pela doença. A fase clínica 3 é a comparação do medicamento produzido em laboratório (fitoterápico), com um modelo terapêutico de uso consagrado no mercado. Após isso, o medicamento está apto ao consumo. Depois que o medicamento é liberado ao mercado, iniciam-se os estudos de utilização. O objetivo é verificar se, no uso cotidiano, o medicamento pode acarretar prejuízos à saúde dos usuários. A esses estudos, dá-se o nome de farmacoepidemiologia.

O acompanhamento de possíveis danos causados pelo fitomedicamento cabe à Vigilância Sanitária. Caso seja verificado algum problema, o órgão pode intervir e exigir que o fabricante reveja a fórmula do fitomedicamento. “Às vezes, num estudo de utilização, pode-se constatar que um medicamento apresenta efeitos colaterais e reações adversas. Isso pode ocorrer porque o extrato ativo tem um conjunto de substâncias responsáveis pela atividade antimalárica e outras que podem produzir efeitos colaterais. Para contornar a situação, pode-se, por exemplo, fracionar o extrato ativo, ou seja, separam-se as substâncias que têm relação com a atividade desejada das outras presentes no extrato. A partir da fração padronizada, pode-se desenvolver um novo produto, com maior grau de eficiência, segurança e qualidade”, explica Wagner Barbosa.

A fitoterapia, hoje, é uma terapia oficial. Há uma regulamentação que orienta o sistema de saúde a usar as plantas medicinais como recurso para recuperar e manter a saúde. Nesse sentido, a pesquisa é uma estratégia importante e promissora. Além de fornecer substâncias ativas, potenciais fármacos e modelos para novos antimaláricos, contribui para a validação do uso tradicional de plantas medicinais para o tratamento contra malária.

“O Projeto tem duas vertentes. Primeiro, estudar a utilização das plantas medicinais pelas populações. Segundo, transformar esse uso ‘empírico’ num processo de aproveitamento para desenvolver fitoterápicos que possam ser colocados à disposição da população, por meio dos serviços do sistema de saúde”, afirma o professor. Desse modo, o estudo visa desenvolver medicamentos em menor tempo, com menor custo e mais acessíveis à população, a qual encontra dificuldade para arcar com os altos preços dos medicamentos produzidos a partir de fármacos sintéticos.

Beira do Rio - Jornal da Universidade Federal do Pará. Ano XXVII Nº 109, Nov. e Dez. de 2012.

Link:
http://www.ufpa.br/beiradorio/novo/index.php/leia-tambem/1403-ciencia-une-se-ao-conhecimento-popular

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