[EcoDebate] A audiência no Supremo Tribunal Federal sobre o novo Código Florestal, realizada em abril, representa mais uma tentativa para que argumentos a favor da conservação da natureza sejam considerados nas políticas públicas nacionais. A sustentação técnica é absolutamente defensável e as instâncias públicas e privadas ligadas à conservação devem expor motivos para sustentar ajustes em relação a lei atual.
As mudanças no Código Florestal feitas em 2012 desconfiguraram a lei que regra o uso da propriedade no Brasil. Não há justificativa em permitir que 50% das áreas de Reserva Legal sejam recompostas por monoculturas. Bem como não representa uma medida coerente alforriar o que foi desmatado antes de 22 de junho de 2008 e considerar as Áreas de Preservação Permanente (APP) como integrantes da porcentagem de Reserva Legal em uma propriedade.
Mais um grave equívoco pode ser percebido quando o assunto são as compensações. Citando um exemplo no Paraná, permite-se a compensação de áreas na Serra do Mar em qualquer ponto fora do Estado. Recebe-se assim autorização legal para deixar esta região sem praticamente nenhuma vegetação nativa, afetando a população e a economia local – incluindo aí as atividades agropecuárias que são dependentes dos serviços prestados pela natureza, além do equilíbrio climático.
Essas mudanças no código foram feitas sem consulta à sociedade, para atender o interesse setorial ruralista, o que se aproxima da prática de corrupção. Embora alguns defendam que o que foi decidido deve ser implantado, com rigor e agilidade, não existem garantias de que o setor ruralista honrará essas decisões. Nessa audiência pública, um dos principais argumentos a serem apresentados é o de que todos os pontos que denotem excessos e perdas coletivas para a sociedade devam ser retomados e ajustados com coerência, lastro técnico-científico e na busca do interesse público.
A legislação que vigorava até 2012, o então Código Florestal de 1965, era uma peça rara e inusitada para um país como o Brasil. O marco legal identifica que há interesse público da propriedade privada e, mesmo em uma época em que pouco se falava sobre conservação da biodiversidade, ele foi concebido para proteger o território do excesso de degradação.
Em 2015, nas discussões que culminaram na elaboração do Acordo de Paris da COP 21 da Convenção do Clima, o Brasil assumiu um desafio de restaurar cerca de 20 milhões de hectares, como parte de sua agenda de enfrentamento ao fenômeno das mudanças climáticas. Porém, para fechar a conta, o país tem que evitar o aumento da degradação e promover a restauração de seus biomas. Isso demanda uma agenda positiva, com dotação orçamentária condizente com a escala da demanda assumida, a ampliação em escala de modelagens de pagamento por serviços ambientais e uma estrutura fortalecida e independente para atuar no monitoramento e no controle do cumprimento da legislação ambiental.
A coerência e o bom senso mostram que o Brasil precisa ter um Código Florestal alinhado com a realidade, que contribua para a conservação da biodiversidade, a restauração das áreas degradadas e o combate à mudança climática, de forma a beneficiar toda a população e também a própria produção agropecuária. Não podemos permitir que uma legislação prejudique tão seriamente a sociedade, em detrimento dos interesses de uma pequena parcela da população.
*Clóvis Borges – é médico veterinário e mestre em Zoologia. É um dos fundadores e atual diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), fellow da Ashoka, vice-presidente do Instituto LIFE e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.
in EcoDebate, 26/04/2016
"Por que discutir o novo Código Florestal? artigo de Clóvis Borges," in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/04/2016, https://www.ecodebate.com.br/2016/04/26/por-que-discutir-o-novo-codigo-florestal-artigo-de-clovis-borges/.
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