O município de São José de Ubá, no noroeste do Estado do Rio de Janeiro, tem cerca de 7 mil habitantes, a maioria na área rural. A economia da cidade é baseada na agricultura familiar, principalmente no plantio de tomates, com uso excessivo de agrotóxicos e parte da sua produção é comercializada com outros estados, inclusive São Paulo. A ocorrência de sintomas respiratórios e alterações da função respiratória em trabalhadores rurais e familiares expostos a agrotóxicos foi constatada em pesquisa da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, realizada por Rafael Junqueira Buralli.
Em de São José de Ubá (RJ), plantio de tomates tem uso excessivo de agrotóxicos
“O cenário natural montanhoso da região favorece a mobilização dos agrotóxicos aplicados nas plantações, contaminando o solo do entorno da cultura e águas superficiais e subterrâneas”, conta Buralli. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 14,2% das residências daquela cidade têm condições de saneamento básico adequadas. O estudo apurou que grande parte da população está exposta aos agrotóxicos desde a tenra idade, seja por morar próximo das áreas de plantio, trabalhando diretamente, ou mesmo ajudando seus familiares. “No grupo dos produtores rurais, a maioria era do sexo masculino e afirmou trabalhar com agrotóxicos por várias horas por dia, principalmente no período da safra. A maioria dos familiares era do sexo feminino”. Foram avaliadas 82 pessoas (48 trabalhadores rurais e 34 familiares). Entre os trabalhadores rurais, 81,3% afirmaram ter contato com agrotóxicos no momento da pesquisa, sendo que 77,1% dos produtores e 94,1% dos familiares afirmaram estar expostos domesticamente aos agrotóxicos.
A maioria dos produtores e familiares era casada, com renda familiar de até dois salários mínimos, meeiros ou arrendatários de pequenas áreas, com baixa escolaridade e nunca recebeu treinamento ou orientações para manipular agrotóxicos. No momento da avaliação, na safra de 2014, 66% das pessoas apresentaram algum sintoma respiratório. Os mais comumente relatados foram crise de tosse (40,0%), rinite (30,7%), sensação de aperto no peito (24,0%), sensação de falta de ar (17,3%) e chiado no peito (13,3%). “Quanto às alterações da função pulmonar, 20% dos produtores e 22,2% dos familiares apresentaram algum distúrbio respiratório”, aponta o pesquisador. “Após análises estatísticas, as alterações respiratórias se mostraram significativamente associadas ao fato de a pessoa ser produtor, manipular agrotóxicos regularmente e da quantidade de horas trabalhadas por dia”.
De acordo com bases de dados oficiais de morbidade e mortalidade, as principais causas de morte entre 2004 e 2010 em São José de Ubá, foram as doenças do aparelho circulatório, do aparelho respiratório, neoplasias, causas externas, transtornos mentais e comportamentais, doenças do sistema digestório, disfunções endócrinas, metabólicas. “Quanto ao câncer, as neoplasias mais frequentes com o desfecho óbito do paciente foram as de pulmões, estômago e laringe”, observa Buralli.
Internações
Quanto às internações hospitalares no município, entre janeiro de 2008 e agosto de 2015, as causas mais comuns foram as doenças do aparelho circulatório, respiratório, genitourinário e digestivo, neoplasias e transtornos mentais e comportamentais. “Todas essas doenças já foram associadas à exposição aos agrotóxicos em outros estudos e podem estar relacionadas também em SJU”, destaca o pesquisador.
Segundo Buralli, a primeira providência a ser tomada para contornar o problema seria melhorar o apoio técnico e atenção à saúde das pessoas que manipulam esses químicos, fornecendo treinamento para lidar com esses produtos e organizando o sistema de saúde para atender as necessidades específicas das populações expostas, tanto na prevenção ou tratamento de doenças relacionadas à exposição aos agrotóxicos. “Na cidade, não há um banco de dados contendo registros de morbidade e mortalidade por causas ocupacionais, nem programa específico de vigilância, promoção de saúde, prevenção e redução de danos à saúde das populações expostas”, ressalta.
De acordo com o pesquisador, a segunda providência seria a implantação de políticas públicas mais restritivas quanto à comercialização e consumo de produtos agrotóxicos. “Hoje, o Brasil é líder mundial no consumo de agrotóxicos e comercializa diversas substâncias proibidas no mundo inteiro”, alerta. “Os efeitos disso não são sentidos somente pelas famílias rurais, mas também pela população em geral, que vive próximo a áreas de plantio ou consome produtos envenenados”.
A orientadora do estudo, descrito em dissertação de mestrado, foi a professora Helena Ribeiro, do Departamento de Saúde Ambiental da FSP. O trabalho, no entanto, é parte de um projeto de avaliação de risco à saúde humana por exposição a metais e agrotóxicos em São José de Ubá, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e coordenado pelo professor Jean Remy Daveé Guimarães, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Além da FSP e da UFRJ, também colaboraram pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-RIO) e Universidade de Brasília (UnB).
Foto: Wikimedia Commons
Por Júlio Bernardes, da Agência USP de Notícias, in EcoDebate, 29/04/2016
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