terça-feira, 7 de maio de 2013

Metodologia detecta riscos à saúde em produtos de beleza

Nova plataforma de pesquisa da FCM constata falhas na formulação de esmaltes, batons e lápis de olho

Edição de Imagens: Diana Melo
Pesquisadores do Laboratório Innovare de Biomarcadores, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, criaram uma nova plataforma de pesquisa que utiliza imagens em duas e três dimensões associadas a dados estatísticos que permitem identificar, em segundos, todos os componentes químicos presentes ou não na formulação de produtos de beleza. Essa nova plataforma, denominada de Cosmetômica, oferece até 99% de acerto, o que pode garantir a fabricantes e consumidores a qualidade e a segurança de produtos.

Para testar o poder da aplicação da plataforma que associa, pela primeira vez na área de cosmética, uma técnica analítica aliada ao tratamento estatístico de dados, os pesquisadores analisaram as principais marcas de esmaltes, batons e lápis de olho à venda em lojas e mercados brasileiros.

As marcas utilizadas pelos pesquisadores não foram reveladas. Por questões éticas, o nome fantasia de cada produto foi substituído por código de números e letras.

Dentre as descobertas feitas pelos pesquisadores, algumas constatações preocupantes: três das nove marcas de esmalte investigadas apresentaram em sua composição taxas elevadas de SUDAM III, uma substância considerada potencialmente cancerígena; cinco amostras de batom foram analisadas (duas novas, duas em uso e uma com prazo de validade vencido), e um dos produtos em uso apresentou mudanças significativas em algumas características sensoriais, como odor rançoso, antes mesmo do vencimento do prazo de validade, enquanto outra marca não tinha um dos componentes hidratantes descritos no rótulo.

Três amostras de lápis de olho foram analisadas (um novo, um usado e outro com uso vencido). O produto vencido mostrou substâncias que, além de irritações e alergias, podem tornar o ambiente ocular propício para proliferação de microrganismos causadores de infecções na região.

Os resultados obtidos foram publicados na edição de março da revista Materials, no artigo “Cosmetic analysis using Matrix-Assisted Laser Desorption/Ionization Mass Spectrometry Imaging (MALDI-MSI)”. A pesquisa foi conduzida pelo farmacêutico Diogo Noin de Oliveira, aluno de pós-graduação do programa de ciências médicas da FCM da Unicamp. A orientação do trabalho foi de Rodrigo Ramos Catharino, professor do curso de Farmácia da Unicamp. Este é o primeiro trabalho em que foram usadas as técnicas de Ionização por Dessorção a Laser Assistida por Matriz (da sigla em inglês MALDI) e Espectrometria de Massas por Imagem (também do inglês MSI) na área de cosmética.

“Eu peguei a técnica MALDI-MSI, utilizada na área médica para a visualização de tecidos de origem animal e vegetal, e associei-a à área de processos produtivos. Defini as substâncias e os biomarcadores existentes para cada produto analisado, estabeleci dados matemáticos utilizando softwares específicos e juntei tudo isso nessa plataforma que denominei de Cosmetômica – o estudo de todos os processos e subprodutos que envolvem o cosmético”, explicou Diogo, autor do termo.

De acordo com Rodrigo Ramos Catharino, a aplicação dessa nova plataforma permite acompanhar todo o processo de produção de um cosmético, desde a matéria-prima até a sua degradação ou como se diz na área química, oxidação – o número de elétrons que um átomo ou molécula perde ou ganha para adquirir estabilidade química. Isso gera um aproveitamento melhor do produto para a empresa, além de segurança, saúde e qualidade de vida para o consumidor.

Segundo os pesquisadores, a indústria de cosméticos é um dos ramos mais promissores da área farmacêutica, pois mostra um potencial cada vez maior de vendas em todo o mundo. Atualmente, o Brasil é o terceiro maior mercado consumidor de cosméticos do mundo. Com uma posição tão importante, a qualidade e a segurança de seus produtos devem ser observadas e bons protocolos de fabricação devem ser seguidos.

“Com essa nova plataforma, conseguimos analisar o produto que está na casa do consumidor e dizer se as substâncias nele contidas fazem, realmente, aquilo que as indústrias prometem ou não”, disse Rodrigo Ramos Catharino.

A TÉCNICA MALDI-MSI

Tradicionalmente, o estudo e a avaliação de compostos químicos em cosméticos são dados pela associação entre técnicas cromatográficas. Sabe-se que os produtos cosméticos são misturas complexas que precisam de extração, derivatização e análise de suas substâncias. Algumas etapas da preparação da amostra podem gerar resíduos potencialmente tóxicos e tornar o processo caro e demorado.

A Ionização por Dessorção a Laser Assistida por Matriz (MALDI) é uma técnica na qual se utiliza um feixe de laser ultravioleta para ionizar moléculas (torná-las carregadas eletricamente). O feixe mais comum é o de nitrogênio. Nessa técnica, a amostra pode ser misturada ou coberta por uma matriz, isto é, uma molécula que possui grande propensão ou facilidade de doar ou receber íons positivos de hidrogênio quando energizada por um fator externo – nesse caso, o laser.

Cada disparo de laser propicia essa rápida ionização e vaporização da amostra, levando-a para o estado gasoso e enviando-a à parte ótica do equipamento para ser analisada. Tradicionalmente, a técnica de MALDI era utilizada para ionizar moléculas de aminoácidos, de baixo peso molecular. Atualmente, a técnica é largamente difundida na ionização de peptídeos (moléculas formadas pela ligação de dois ou mais aminoácidos) e proteínas. De forma figurada e lúdica, é como pegar um gigante, jogá-lo no ar e, em suspensão, ver todas as partes que o constituem. Isso é o que o MALDI faz com as moléculas, sejam elas grandes ou pequenas.

A Espectrometria de Massas por Imagem (MSI) é uma técnica relativamente simples e multifuncional para identificar a distribuição espacial (bidimensional e, por vezes, tridimensional) de compostos em qualquer amostra física. Essa técnica pode ser adaptada a vários tipos de ionização, dentre eles o MALDI. O princípio é muito simples: um feixe de laser é disparado em toda a extensão da amostra e produz um espectro de massas em determinado local que pode ser entendido como um “pixel”, que forma a imagem química final.

“O diferencial da MALDI-MSI na Cosmetômica é dado pela facilidade e rapidez proporcionadas pela técnica. Enquanto em uma análise tradicional de cosméticos se faz necessário o preparo da amostra, com fases de extração e até mesmo desenvolvimento de métodos cromatográficos, a Cosmetômica traz uma proposta inovadora de análises, na qual não há tratamento prévio de amostras – realiza-se a análise direta do produto final – com resultados de alto nível de confiabilidade, pela combinação da experimentação e a integração estatística dos dados obtidos através de softwares especializados em análises multivariadas”, explica Diogo.

A plataforma analítica criada pelo farmacêutico Diogo Noin permite análises desde matérias-primas até produtos acabados ou intermediários de produção para controle de qualidade e estabilidade de cosméticos. Ademais, o recurso de imagem permite associar um valor adimensional entre o “pixel” formado e a intensidade dos sinais de massas, estabelecendo-se uma relação que pode ser comparada entre as amostras.

Essa relação, por sua vez, é diretamente proporcional à quantidade do composto na amostra em questão, o que permite que seja feita uma quantificação relativa. Pode-se inferir o teor de um componente em uma amostra quando comparada a outras contendo esse mesmo componente.

OS PRODUTOS

Para a produção do artigo publicado na revista Materials, os pesquisadores avaliaram os componentes químicos e as matérias-primas presentes em batons e lápis de olho. Nos esmaltes, eles quantificaram os níveis do corante Sudam III indicado na composição do produto, conforme descrição no rótulo de cada fabricante.

Para os batons e lápis de olho usados na pesquisa, as amostras foram divididas em novos, usados e expirados. Foram comprados cinco amostras de batons de diferentes fabricantes e três de lápis de olho. Todas as amostras novas de cosméticos foram compradas em lojas normais de mercado. As amostras em uso ou com o prazo de validade vencido foram adquiridas com a colaboração de mães, namoradas e pesquisadoras que trabalham no laboratório. Nove amostras de esmaltes de seis fabricantes diferentes foram compradas para a pesquisa.

Os batons analisados tinham em sua composição cera de carnaúba, óleo de rícino, lanolina, cera de abelha e outros compostos que conferem espessura, cremosidade e hidratação ao produto. Ao analisar esses produtos, os pesquisadores observaram que uma marca de batom não trazia em sua composição alguns produtos descritos na embalagem, como as ceramidas. No caso dos batons em uso, os componentes ficaram oxidados (perderam sua função) antes do prazo de validade descrito pelo fabricante.

O mesmo princípio de análise foi usado para os lápis de olho. Segundo os pesquisadores, todas as amostras mostram potencial para causar irritação ocular ou até mesmo criar um ambiente propício para infecção.

“Nos batons, as modificações na composição química podem ocorrer devido ao contato com a saliva e outros compostos em torno da boca. No caso dos lápis de olho, constatamos que a oxidação ocorreu sozinha, mudando o pH da fórmula, o que é um risco para quem usa esse tipo de produto”, explicou Diogo.

No caso dos esmaltes, o Sudam III foi escolhido devido ao seu potencial risco cancerígeno e por ser um corante comum para cosméticos. Os riscos para saúde estão associados à ingestão acidental do corante devido ao hábito de roer as unhas ou em atividades domésticas comuns, como cozinhar ou assar. O Sudam III está presente nos esmaltes azuis ou marrons, em sua maioria. Ao analisar as marcas de esmaltes escolhidos para testar a capacidade funcional da nova plataforma, os pesquisadores encontraram em uma das marcas mais vendidas nas lojas de cosméticos do Brasil uma alta concentração de Sudam III.

“A amostra que apresentou a maior concentração relativa do Sudam III era da cor azul-claro. Sabe-se que Sudam III é um corante vermelho-acastanhado sob condições normais, mas, quando submetido a condições ácidas, fica azul. Este corante também ajuda a dar um aspecto grosso e brilhante ao esmalte. Outras duas amostras de teor mais elevado eram da cor vermelho-marrom”, explica Diogo, sem revelar as marcas usadas no teste, por razões éticas.

A aplicação da nova plataforma analítica pelas indústrias de cosmético, segundo os pesquisadores, pode trazer uma segurança a mais para o consumidor e a garantia da qualidade de produção. A análise da composição química de um produto deixa de ser pontual e passa a ser global. Num único comando, é possível ver o que um produto tem de bom ou de ruim em sua formulação. Uma das implicações da nova plataforma é constatar, também, se o princípio ativo presente em diversas marcas de cosméticos realmente funciona e quanto tempo um produto leva para perder suas funções. Na mira das novas aplicações da Cosmetômica, os protetores solares e labiais e xampus serão o próximo foco de atenção da equipe do Laboratório Innovare. Os perfumes também estão na linha de pesquisa. Com a nova técnica é possível constatar instantaneamente se um perfume é ou não falsificado.

Empresas cosméticas já se interessaram pela pesquisa e querem testar a plataforma em seus produtos. “Cosmético é uma coisa quase ‘sem mãe’. Essa plataforma é como um raio X dos produtos. Não dá para esconder nada. O erro é mínimo”, diz Catharino.

Publicação

Diogo Noin de Oliveira, Sabrina de Bona Sartor, Mônica Siqueira Ferreira and Rodrigo Ramos Catharino. Cosmetic Analysis Using Matrix-Assisted Laser Desorption/Ionization Mass Spectrometry Imaging (MALDI-MSI). Materials 2013, 6(3), 1000-1010; doi:10.3390/ma6031000

Campinas, 06 de maio de 2013 a 12 de maio de 2013 – ANO 2013 – Nº 560
Link:

Nenhum comentário:

Postar um comentário