Fonte: ABRASCO - Por Erneilton Lacerda - Quarta-feira, 05 de Agosto de 2015
Fonte: http://goo.gl/SXLPCB
Mesa-redonda debateu como as estratégias da indústria de alimentos prejudicam a saúde e retiram direitos
A frase “Você é o que você come” nunca foi tão importante e contou com tanta conotação política como nos dias atuais e esteve no centro dos debates da mesa-redonda O Modelo Agroalimentar hegemônico e as ameaças à Saúde e à Soberania Alimentar: O caso dos Alimentos Biofortificados, Transgênicos e Ultraprocessados, realizada em 31 de julho, no penúltimo dia do 11º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, o Abrascão 2015.
Diversos movimentos sociais, cientistas e pesquisadores dialogaram com os debatedores Vanessa Schottz Rodrigues, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Campus Macaé (UFRJ) e integrante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar (Fbssan); Leonardo Melgarejo, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-RS) e membro da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), e Carlos Augusto Monteiro, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Todos eles defenderam o protagonismo da população brasileira em escolher o tipo de alimento que consome e o acesso pleno às informações acerca dos agrotóxicos e dos alimentos bioforticados, transgênicos e ultraprocessados. A coordenação da mesa foi de Anelise Rizollo, professora da Universidade de Brasília e integrante do Grupo Temático Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva (GT ANSC/Abrasco).
O diálogo frutífero entre o conhecimento acadêmico e o popular, uma das marcas dos eventos da Abrasco, foi destacado por Vanessa Schottz Rodrigues, que citou o Dossiê Abrasco: Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde, como exemplo dessa construção coletiva. A professora defendeu os direitos de cada povo decidir sobre o seu próprio sistema alimentar produtivo e afirmou que “refletir sobre o que comemos e o que deixamos de comer faz com que aprofundemos a leitura sobre a forma como o sistema agroalimentar se estrutura e como ele próprio determina aquilo que comemos e aquilo que deixamos de comer”.
A debatedora fez uma diferenciação entre o que se conveniou chamar de segurança alimentar global e segurança alimentar. Esta última, expôs, “nasce no seio dos movimentos sociais campesinos” e se contrapõe à primeira, cujas características são a intensificação e especialização de produção, expansão das trocas no mercado internacional, a concentração do poder nas mãos de empresas transnacionais e a padronização e artificialização de alimentos. “Para tanto, são utilizadas tecnologias que pouco conhecemos e que trazem impactos sociais e de saúde”, criticou Vanessa, que enxerga na agroecologia o modelo ideal para contrapor o modelo agroalimentar hegemônico. “A agroecologia defende o respeito às diversidades locais, resiste politicamente ao agronegócio, tem produção diversificada e conserva a agrobiodiversidade”, justificou.
O processamento de alimentos permeou a exposição de Carlos Monteiro. Ele separou os alimentos em três categorias: alimentos in natura e/ou minimamente processados; ingredientes culinários, e alimentos processados e ultraprocessados, formulação que norteou o Guia Alimentar da População Brasileira, lançado no ano passado. Ele demonstrou preocupação especial com os ultraprocessados e questionou se podem ser chamados de alimentos. “O ultraprocessado, na verdade, é feito com o que sobra. Não é composto por um alimento específico, mas é a formulação de ingredientes em sua maior parte modificados, substâncias e aditivos sem os quais não há processamento”, aprofundou-se. “A indústria de alimentos tende a defender o processamento como se fosse um conjunto de técnicas que acontecem desde a colheita do alimento à preparação culinária. Dessa forma, ela esconde o processamento industrial”, complementou.
Monteiro criticou o marketing agressivo e antiético da indústria de alimentos ultraprocessados e indicou que o crescente consumo desse tipo de alimentos é a principal causa da pandemia de obesidade. “A cadeia da produção de alimentos ultraprocessados causa vários problemas que vão além da questão de doenças crônicas e da obesidade, pois eles prejudicam a vida social, cultura e a sustentabilidade do planeta”.
Leonardo Melgarejo foi o último debatedor e tratou do imaginário e das “mitologias” construídos a respeito dos transgênicos, agrotóxicos e plantas fortificadas. Para ele, é papel dos profissionais da nutrição e das demais áreas da saúde alertar as pessoas para os riscos do uso dos transgênicos, agrotóxicos e plantas fortificadas. “Apenas reuniões como essa que a Abrasco promove conseguirão colocar para as pessoas a importância de seu protagonismo dentro desse debate”.
Melgarejo declarou que há uma despolitização proposital desse debate, “com a venda ilusória de soluções técnicas para problemas políticos”. A banalização de conceitos, continuou, se apoia na redução do protagonismo social, simplificações e abordagens curativas que fortalecem concentração de poder econômico. “As seis maiores empresas que vendem sementes são as seis maiores empresas que vendem agrotóxicos”, informou.
Para fazer valer seus interesses, a indústria se apoia em mitos, utilizados unicamente para esconder as verdades inconvenientes. Os principais mitos que envolvem os transgênicos dizem que eles são mais seguros, protegem o meio ambiente e a saúde e representam o fim do fome. Há a falsa crença também de que os agrotóxicos se degradam no meio ambiente e são eliminados pelo corpo humano, ao passo que se difundiu o mito de que as plantas bioativas acabarão com a desnutrição oculta. “O mito indispensável e comum aos três é que eles são indispensáveis”, asseverou. “A lógica dos transgênicos, dos agrotóxicos e dos bioforticados é criar novos mercados para um pequeno grupo de empresas. Isso ignora a desnutrição e as doenças trazidas por eles.”
Apesar disso, Melgarejo acredita que, diante da situação mundial, o Brasil está indo bem: “As ações de combate à fome e a pobreza têm trabalhando para superar o problema da desnutrição. A proposta relacionada às plantas bioforticadas enfraquece esse trabalho. O Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (PRONARA) precisa do apoio da sociedade, porque entra em confronto com programas desenvolvidos pelo Ministério da Agricultura. Por isso, esse processo de informação, participação e protagonismo é tão importante”.
Link:
Nenhum comentário:
Postar um comentário