A ß-lapachona (7,8-Benzo-2,2-dimetil-3,4-diidro-5,6-oxo-2H-cromeno) é uma substância natural encontrada como constituinte minoritário do cerne de árvores da família Bignoniaceae, conhecidas no Brasil como ipês1. A ß-lapachona é produzida por semi-síntese a partir do lapachol. Esta naftoquinona natural é conhecida desde 1858, e é facilmente extraída da serragem da madeira de espécies de ipês. No Brasil há cerca de 46 tipos de madeiras comerciais conhecidas como “ipês”(Tabebuia sp).
O lapachol foi avaliado clinicamente nos tratamentos de carcinoma de Walker-256 e do sarcoma de Yoshida. Embora promova a regressão definitiva de neoplasias em aproximadamente 30% dos portadores com estas patologias, além de agir como analgésico, seus efeitos colaterais agravam o quadro clínico de pacientes com câncer: anemia, aumento do tempo de coagulação e problemas gastrintestinais. O lapachol durante algum tempo foi comercializado pelo Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (LAFEPE).
A ß-Lapachona, apesar de ainda não ser um fármaco, é uma substância muito importante do ponto de vista da pesquisa científica. Suas atividades farmacológicas contra o Tripanossoma cruzi, agente etiológico causador da doença de Chagas, e contra células cancerosas, a distingue de outras naftoquinonas. Devido a sua citotoxicidade a ß-Lapachona não pode ser utilizada no tratamento da Doença de Chagas, mas sua estrutura tem servido de inspiração para os químicos medicinais, no desenvolvimento de substâncias mais seletivas contra o T. cruzi. Esta citoxicidade é importante para o controle da proliferação de diversos tipos de células cancerosas. A ß-lapachona é eficaz, in vitro, contra linhagens de células humanas malignas de pulmão, mama, colo-retal, próstata; melanoma e leucemia.
Outra atividade surpreendente da ß-lapachona é a sua ação sinergística no tratamento radioterápico de tumores. Por exemplo, ela aumenta em 79% a eficiência da radiação sobre células de melanoma humano (U1-Mel), resistentes à radiação. Este efeito é devido a indução da apoptose, morte celular programada, causada pela energia ionizante e por substâncias indutoras de apoptose. Tanto a radiação, quanto os inibidores do complexo DNA-topoisomerase, provocam danos ao DNA das células cancerosas.
Os mecanismos de atuação da ß-lapachona ainda não estão bem delineados. Há evidências que ela atue inibindo as enzimas topoisomerases I e II, uma vez que sua incubação direta com a topoisomerase I, antes da adição de DNA como substrato, aumenta drasticamente o efeito inibitório, sugerindo a interação direta da ß-lapachona com a topoisomerase I.
Existem evidências da participação da enzima NAD(P)H:quinona oxidoreductase-1 (NQO1) no processo de ativação da ß-lapachona na apoptose, que aumenta a sua citotoxicidade. A NQO1 é expressa em maiores concentrações em vários tipos de tumores, incluindo os de mama, pulmão e colo-retal, do que em tecidos normais. Foi demonstrado, recentemente, que a ß-lapachona é um agente terapêutico efetivo e um radiosensitizador capaz de matar células de carcinoma de pulmão, principalmente as células do tipo NSCLC, por estas conterem maior concentração desta enzima. Esta observação abre perspectivas para o desenvolvimento de novas estratégias de quimioterapia seletiva de alguns tipos de câncer de pulmão, próstata e de pâncreas. Seria a mesma abordagem da quimioterapia da doença de Chagas, na qual se sabe que o estresse oxidativo comanda a morte do parasita.
O uso combinado de ß-lapachona com fármacos, que atuam por diferentes mecanismos de ação, pode ser uma boa alternativa para a quimioterapia do câncer. A combinação de ß-lapachona com paclitaxel (Taxol®), fármaco antineoplásico, tem se mostrado uma associação efetiva contra tumores humanos de ovário e próstata, que pode vir futuramente a ser usada no tratamento de alguns tipos de câncer.
A notícia auspiciosa é que a ß-lapachona encontra-se em fase clinica II, sob o código ARQ501, para o tratamento de câncer de pâncreas. Vários pesquisadores brasileiros têm feito grandes contribuições científicas sobre a reatividade química desta quinona natural e sobre diversas de suas atividades biológicas.
Referências
M. N. da Silva, V. F. Ferreira, M. C. B. V. de Souza; um panorama atual da química e da farmacologia de naftoquinonas, com ênfase na β-lapachona e derivados; Quim. Nova 2003, 26, 407-416.
E. A. Bey, M. S. Bentle, K. E. Reinicke, Y. Dong, C.-R. Yang, L. Girard, J. D. Minna, W. G. Bornmann, J. Gao, D. A. Boothman; An NQO1- and PARP-1-mediated cell death pathway induced in non-small-cell lung cancer cells by ß-lapachone; Proc. Nat. Acad. Sci. - PNAS 2007, 104, 11832-11837.
Glossário
Topoisomerases são enzimas que atuam nos processo de replicação e empacotamento do DNA.
NSCLC (Non-Small Cell Lung Câncer) é um dos tipos de carcinoma de pulmão classificado pelo histologistas pelo tamanho e aparência. Esta classificação tem importância para o tratamento clínico da doença.
NAD(P)H:quinona oxidoreductase-1 é uma enzima que atua nos processo de oxi-redução celular por transferência de dois elétrons do sistema quinona-hidroquinona.
Taxol® é um produto natural isolado,pela 1ª vez, de Taxus brevifolia . Este fármaco é recomendado para o tratamento de câncer de ovário, mama e pulmão (NSCLC ).
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