quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Pedagogia Social pode ajudar os setores populares excluídos

Brasil: “Pedagogia Social pode ajudar os setores populares excluídos, pelas perspectivas gramsciana e freireana “ – V Congresso internacional de Pedagogia Social

Por Cristiano Morsolin*, para o EcoDebate

De 1 a 3 de setembro se desenvolveu na Universidade Federal do Espirito Santo (UFES) e Instituto Federal do ES (IFES) o V Congresso Internacional de Pedagogia Social (1). Foram apresentados 130 trabalhos de pesquisa de mestrandos e doutorandos de inúmeras universidades brasileiras.

O Congresso Internacional de Pedagogia Social & Simpósio de Pós-Graduação, em sua quinta edição, foi um evento dedicado a discutir de maneira ampla a regulamentação da Educação Social como profissão no Brasil, a formação deste profissional e as áreas de atuação que entendem a Pedagogia Social como a Teoria Geral da Educação Social.

Em face da opção política do atual governo de fazer do “Brasil, pátria educadora”, o V CIPS tem como lema questionar o lugar que deve ocupar “A Educação Popular, Social e Comunitária nas Políticas Públicas no Brasil” em um momento em que se discute o Sistema Nacional de Educação, o Plano Nacional de Educação, a Reforma do Ensino Médio, a destinação dos recursos do Pré-Sal à Educação, a redução da maioridade penal da adolescência e a violência contra a juventude pobre e negra das periferias, dentre tantos outros temas.

No Simpósio de Pós-Graduação foram apresentadas pesquisas de mestrado, doutorado e pós-doutorado que investigam as demandas da sociedade relacionadas à cultura, ao lazer, ao suprimento de necessidades básicas, ao atendimento a populações em situação de vulnerabilidade e risco, ao trabalho, à formação continuada, à sustentabilidade, aos direitos humanos, dentre tantas outras. A partir das relações entre as experiências internacionais e as práticas educativas populares, sociais e comunitárias realizadas no Brasil.

Como um corpo de conhecimentos que serve como teoria geral para as práticas de Educação social, popular e comunitária no Brasil e como disciplina científica ao mesmo tempo, a Pedagogia Social conta com tradições próprias de pensamento na Europa e em certa medida na América Latina. Ainda assim, o que no Brasil entendemos como Teoria Geral da Educação Social foi problematizada enquanto teoria dos conflitos sociais, os quais marcam as instituições e os sujeitos, notadamente em espaços não escolares.

Muito interessante foi a palestra da prof. Maria Stela Santos Graciani, titular do curso de pedagogia na PUC de São Paulo, colaboradora do Paulo Freire, do Cardeal Arns, fez o lançamento do livro “Pedagogia social – Ed. Cortez, 2015” (2) destacando que “por se tratar de uma obra aberta, por isso ainda em construção, destina-se a todos os educadores que acreditam na esperança. Educadores que estão cansados e desacreditados no seu fazer educativo e se encontram amarrados nas tramas da burocracia do nosso sistema educacional ou fora dele, e n ão encontram saídas para se livrarem dessas amarras. É acreditando na possibilidade concreta de mudança do humano e consequentemente do seu ambiente que a pedagogia social contribui no processo de transformação, não como um receituário pedagógico, mas com ideias, princípios e experiências que valorizam o homem numa perspectiva libertadora e solidária”.

Entre outras obras da professora Maria Stela Santos Graciani, está o livro “Pedagogia Social de Rua”, que complementa a leitura de “Pedagogia Social”, a partir de ensinamentos de Paulo Freire, com ênfase na educação dos excluídos da sociedade.

A prof. Stela Santos destacou que “A Pedagogia Social pauta – se numa Educação Social realizada por meio da ação significativa e transformadora! Resinificar, ter esperança e utopia frente a história!. A Pedagogia Social de Rua é um processo político invertido e horizontal que busca construir um novo olhar, ousadamente corajoso e com uma teimosia esperançosa no acreditar na mudança e na transformação do ser humano e no convívio em sociedade”.

A Pedagogia Social é um Projeto Político de nação: um novo ser humano público que almeja construir uma nova sociedade, uma nova configuração de humanidade e uma nova forma de convivência. Para tal, precisamos refletir sobre as mudanças nas relações” – João Clemente de Souza

Prof. Dr. João Clemente de Souza Neto, Professor do Curso de Pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, acredita que a “Pedagogia Social pode ajudar os setores populares excluídos, pelas perspectivas gramsciana e freireana. O educador social ou o pedagogo social são intelectuais orgânicos. Seu papel é produzir e sistematizar um saber a partir deste lugar, da rua, do grupo, dos espaços mais vulneráveis. Cabe a eles influenciar a cultura e as políticas públicas para que atendam efetivamente às necessidades e demandas da população excluída, de lutar junto e com ela para que as instituições alterem a concepção de vê-la como feixe de carências, como coisa, que passem a vê-la como sujeito. Não se trata de fazer políticas públicas para essa população, como de uma classe para outra, mas de pensar as políticas públicas a partir dela e com ela. Nessa nova forma de pensar, de ser e agir, os excluídos contribuem para colocar em movimento a construção de um processo civilizatório fundado na liberdade, na justiça e na democracia, e não mais na desigualdade social e na exploração.

Esta é a utopia da Pedagogia Social. Nesse sentido, a pedagogia social e a educação social devem estar profundamente comprometidas e impregnadas da situação dos oprimidos. É nesta relação que a pedagogia social pode ser sempre nova e contribuir para a concretização de uma utopia emancipatória, fundada num caráter democrático. Por isso, ela não é um amontoado de teorias mortas, e pode ajudar a romper com a miséria de uma pedagogia focada na opressão e na desumanização das relações. A pedagogia social tem tudo para ser revolucionária. O V CIPS – Congresso Internacional de Pedagogia Social – traz como centro de abordagem o lugar da educação social, com a finalidade de compreender e interpretar a realidade e, ao mesmo tempo, de sentir e capturar os clamores dos excluídos.

Os setores populares excluídos, como meninos em situação de rua, têm sido um espaço profundo de aproximação, escuta, de caminhada comum, em busca do despertar do novo homem público e do forjar de um novo paradigma”.

Erico Ribas Machado, professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa, me falou que “pude concluir a partir do congresso realizado que efetivamente a Educação Social e Pedagogia Social estão se constituindo como campo de pesquisa inspirando novas reflexões sobre os processos educativos no país! A possibilidade de perceber avanços e dificuldades para criação da profissão e formação do educador social no Brasil é possível a partir de compreender o desenvolvimento dessas questões nos outros países que também estiveram representados no evento. Percebi que avançamos teoricamente mas que precisamos muito aprofundar nossos conhecimentos sobre as questões apresentadas e tornar essas reflexões cada vez mais públicas e disponíveis para todos!”.

Erineu Foerste, professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo/UFES e Gerda Margit Schutz Foerste – professora nos Cursos e Licenciatura em Artes Visuais e Pedagogia desta universidade, líder do grupo de pesquisa Imagens, Tecnologia, Infâncias e pesquisadora no Grupo de Pesquisa Culturas, Parcerias e Educação do Campo, que animaram todo um debate inovador com relação a Educação do Campo, declararam que “a publicação do livro Educação do Campo e Infâncias – Editora CRV” (3) coloca-se na esteira das discussões contemporâneas de pesquisa acerca da visibilidade e invisibilidade das infâncias, das culturas e dos espaços sociais em que estas se produzem. Neste sentido, a obra lança luzes sobre questões relacionadas à educação da criança pequena em realidades campesinas diversas. Os artigos são escritos por pesquisadores que investigam o protagonismo da criança. Esses procuram, com base em diferentes teóricos e principalmente com a interlocução qualificada com as crianças, registrar os contextos e lutas de meninos e meninas como sujeitos culturais e produtores de história.

A obra é baseada nos pressupostos dos materialismos histórico-dialético. Busca analisar e expor, na perspectiva das crianças, sua relação com o modo produtivo rural. Apresenta as mazelas de ocultamento e negação pelas quais as crianças e adultos do campo permanecem invisibilizados. Particularmente, propõe exercício de lançar luzes sobre as diferentes realidade que constituem as crianças do campo.

Os estudos apresentados partem da reflexão com o contexto campesino em que vivem as crianças. Contextos nos quais crianças, com os adultos (pais e professores) e com movimentos sociais organizados produzem transformações sociais e lutam por terra, comida, educação e cultura. Com as crianças, os pesquisadores exercitam a abordagem na contramão do discurso prescritivo e tutelar, mas com o cuidado de compreender as infâncias do campo a partir da heterogeneidade que as geram (quilombolas, indígenas, pomeranas, Sem-terrinhas, camponesas)”.

Pedagogia com vocação latino-americana

Verônica Müller, professora da Universidade Estadual de Maringá, membro do Movimento Nacional Meninos, Meninas de Rua MNMMR e da rede mundial de Educadores de rua Dynamo Internacional, apresentou o novo livro “CRIANÇAS NA AMÉRICA LATINA: histórias, culturas e direitos, Ed. CRV, 2015” (4): “Luta. Política. Esperança. Este livro é sobre sobrevivência. Não apenas daquela sobrevivência instintiva e material, mas principalmente da nossa própria sobrevivência como humanidade organizada em sociedades. Sociedades injustas, cruéis, vis, mas todas elas repletas de crianças luminosas que nos fazem lembrar dos nossos sonhos mais antigos, de quem gostaríamos de ter sido, e que nos fazem acreditar que um mundo mais justo e digno é possível. A humanidade que nos resta sobrevive incólume no olhar das crianças. Trabalhos como os apresentados neste livro são capazes de registrar com método científico a força serena e despretensiosa que as crianças trazem consigo. No caso particular da América Latina, a esperança guardada no coração de uma criança ganha simbolismo ainda maior. Os países do nosso querido continente guardam em cumplicidade uma dor histórica que os une por cima das rixas regionais. Todos nós sabemos o que é ter cultura e terras ricas, mas manter a maior parte do povo vivendo na miséria. Todos nós sabemos o que a busca pelo poder pode fazer com nossas gentes. Todos nós temos sangue nativo derramado em abundância em nosso solo sagrado. No continente mais desigual do planeta, onde a fome foi capaz de conviver com o mais soberbo luxo durante séculos, nasceu uma força e uma beleza reconhecidas ao redor do mundo. As formas de colonização se modernizam e o conhecimento transforma-se em uma das mais importantes armas para enfrentar as sangrentas batalhas que continuam a acontecer na política, na economia, nas ruas, nas escolas. Contudo, agora a América Latina está pronta para travar um combate à altura do seu povo. Professores, educadores, mestres e doutores têm dedicado a sua vida a lutar por justiça social. Alguns setores da academia invadem a luta política para demonstrar que a busca franca e rigorosa pela verdade é capaz de moldar realidades e contrabalançar a luta pelo poder”.

Imagine um lugar onde os títulos não era o que mais importava

Jacyara Silva de Paiva, professora da FACULDADE ESTÁCIO DE SÁ, publicou o novo libro ”Caminhos do Educador Social no Brasil”, Paco Editorial (2015).

Esta obra é uma contribuição significativa para a Pedagogia Social e Educação Social, pois historicamente essa área se desenvolve e se fortalece em contextos de crise buscando dar respostas aos problemas sociais. A autora percorre vários Estados do Brasil, Finlândia e Angola na perspectiva de produzir um conhecimento emancipador, fundamental para a formação do educador (5).

Vou a concluir este texto com as palavras de Jacyara Silva de Paiva, organizadora do evento onde eu fui convidado como painelista (6):

“Imagine um lugar onde os títulos não era o que mais importava, você pode…

Imagine um lugar onde as reuniões cheias de conhecimento científico acontecia em um quintal a sombra de árvores, onde podíamos entre uma discussão e outra observar uma orquídea que dava flores…

Imagine um lugar onde as pessoas ficavam horas trabalhando sem ganhar dinheiro algum e eram felizes …

Imagine um lugar onde a idade, o gênero, a raça não faziam diferença, o importante era ser amoroso e comprometido…

Imagine um lugar onde as pessoas ousavam sonhar sonhos possíveis ainda que todas as previsões fossem contrárias…

Imagine um lugar … Imagine pessoas… Imagine caminhos… Imagine corações…

Imagine um mosaico de seres diversos, cheios de brilho no olhar desejando muito alguma coisa a ponto do universo inteiro conspirar a favor deste desejo…“

Toda essa imaginação vai formar o mosaico que foi o grupo de trabalho que organizou o V Congresso de Pedagogia Social em Vitória: Alex Jordane, Letícia Queiroz de Carvalho, Giovani Fernandes Martins, Gerda Schutz Foerste, Erineu Foerste, Lauro Sá, Priscila Chisté, Zoraide Barbosa e a nossa querida Niara Chaves.

Toda esta magia não seria possível sem os nossos pares dos mais diversos pontos de nosso país, aqueles que mesmo de longe ousaram sonhar conosco, e dar asas a nossa imaginação.

Orgulho imenso e intenso de caminhar com cada um de vocês que fazem a Pedagogia Social acontecer!”.

NOTAS






Segregação urbana, redução da maioridade penal e educação popular são temas do V Congresso Internacional de pedagogia social, nova matéria de Morsolin (31.08.2015)


*Cristiano Morsolin, pesquisador e trabalhador social italiano radicado na América Latina desde 2001, com experiências no Equador, Colômbia, Peru, Bolívia, Brasil. Autor de vários livros colabora com a Universidade do Externado da Colômbia, Universidade do Rosário de Bogotá, Universidade Politécnica Salesiana de Quito. Co-fundador do Observatório sobre a América Latina SELVAS (Milão), pesquisa a relação entre os movimentos sociais e as políticas emancipatórias.


in EcoDebate, 21/09/2015

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