terça-feira, 25 de julho de 2017

Estudo demonstra que cafeína não provoca arritmia em pacientes com insuficiência cardíaca (UFRGS Ciência)

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Em trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, pesquisadores testaram os efeitos em curto prazo do consumo de doses elevadas de cafeína

4 de novembro de 2016 · Texto: Camila Raposo
Descobertas desafiam a recomendação predominante até então de que pessoas com problemas cardíacos devam limitar o consumo de cafeína - Foto: FreddieBrown/Flickr

Pesquisadores da UFRGS e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) demonstraram, a partir de testes clínicos, que o consumo de altas doses de cafeína não provoca arritmia em pacientes com insuficiência cardíaca. Os resultados do estudo, publicados na revista Jama Internal Medicine, desafiam a recomendação predominante até então de que pessoas com problemas cardíacos deveriam limitar o consumo de cafeína.

O estudo incluiu 51 pacientes recrutados no HCPA. Antes de se iniciarem os testes, os participantes foram orientados a não consumir qualquer comida ou bebida que contivesse cafeína por sete dias consecutivos. Após esse período, foram divididos em dois grupos. O primeiro recebeu cinco doses de 100 ml de café descafeinado misturado com 100mg de cafeína cada, totalizando 500mg da substância (o equivalente, aproximadamente, a cinco xícaras de 150 ml café), enquanto o grupo-controle recebeu doses de café descafeinado misturado com lactose. As doses eram consumidas em intervalos de uma hora, com monitoramento contínuo por meio de eletrocardiograma. Uma hora após a última dose, os pacientes foram encaminhados a um teste de esforço em esteira, com o objetivo de avaliar se a cafeína poderia acarretar riscos na realização de exercícios físicos. Os procedimentos foram realizados no Centro de Pesquisa Clínica do HCPA.

Após essa etapa, os pacientes passaram mais sete dias sem consumir cafeína e voltaram ao hospital para a segunda etapa de testes. Nessa ocasião, foi mantido o mesmo protocolo, mas invertidos os grupos – os que estavam no grupo controle passaram a consumir cafeína; e os que ingeriram cafeína anteriormente consumiram os placebos. “Nesse modelo metodológico, nós temos, para o mesmo sujeito e para um mesmo metabolismo, a reação das duas etapas, intervenção e placebo”, explica a doutoranda do Programa de Pós-graduação em Cardiologia da UFRGS Priccila Zuchinali, uma das autoras do estudo.

Em um primeiro momento, por motivos de segurança, participaram somente pacientes com um cardioversor desfibrilador implantável (CDI), um pequeno dispositivo implantado sob a pele que pode detectar anomalias no ritmo cardíaco e revertê-las mediante pulsos elétricos. Como não foram identificados problemas, posteriormente se incluíram também os que não utilizavam o equipamento. Foram excluídos pacientes que não podem ingerir cafeína ou lactose, com limitações físicas para a realização do teste de esforço, em uso de fármacos para tratamento de arritmias, hospitalização nos dois meses anteriores aos testes e pacientes com CDI que tiveram episódios de arritmias ventriculares instáveis nos dois meses anteriores.

Os pesquisadores não encontram associação entre ingestão de cafeína e episódios de arritmia, mesmo durante o teste de esforço na esteira. Tampouco foram observadas diferenças significativas entre a ingestão da cafeína e do placebo ou qualquer indicação de aumento de risco de disfunções cardíacas. “Nesse contexto, não há evidência sólida que embase a orientação comum de restringir o consumo de café, o que pode mudar a abordagem aos pacientes portadores de insuficiência cardíaca. Saliento, entretanto, que não foi testado o efeito em longo prazo”, reforça Priccila.

A pesquisadora comenta que a motivação para o trabalho, que faz parte também de sua tese de doutorado, partiu de um questionamento: “Será que precisamos mesmo privar os pacientes com insuficiência cardíaca do consumo de café e de outras fontes de cafeína? Já que o café é uma bebida de grande popularidade, e que a orientação comum é de restringir o seu consumo, mesmo sem um consenso na literatura dessa necessidade, é de grande utilidade para a sociedade testar isso em um estudo bem delineado”, comenta.

Priccila ressalta ainda que esse foi o primeiro estudo a testar o efeito em curto prazo de doses elevadas de cafeína em pacientes de alto risco. Há trabalhos anteriores, realizados, em sua maioria, nas décadas de 1980 e 1990, que testaram o efeito da cafeína sobre a arritmia em outras populações e com doses de cafeína menores, mas seus resultados são controversos. “Alguns dos estudos anteriores não trazem informações metodológicas importantes para garantir o rigor científico”, comenta, exemplificando a falta de detalhes relacionados à randomização dos grupos, ao “cegamento” dos avaliadores e participantes (o que garante que nem o paciente nem o responsável pela coleta de dados saibam qual o tipo de tratamento dispensado a cada um) e a descrição de perdas (participantes que entraram no estudo, mas não completaram o período de observação).

A pesquisadora lembra também que o trabalho seguiu o protocolo validado Consort (Consolidated Standards of Reporting Trials), criado para guiar a execução e a escrita de ensaios clínicos. “O nosso trabalho também foi bastante rigoroso no tempo que os pacientes tiveram que cumprir sem ingestão de fontes de cafeína antes de iniciar cada fase do protocolo. Esse tempo foi de sete dias, maior que o dos demais estudos, na intenção de garantir que o efeito observado fosse realmente da cafeína administrada durante o protocolo, e não de um consumo prévio.”

Os pesquisadores alertam ainda que as descobertas devem ser interpretadas com cautela, devido ao número relativamente pequeno de pacientes incluídos e ao fato de terem sido avaliados somente os efeitos da cafeína em curto prazo. “Seria interessante testar esse efeito em longo prazo, e também outras fontes da substância, como bebidas energéticas que possuam, além da cafeína, outras substâncias estimulantes”, comenta Priccila.

Artigo científico

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