Novos conhecimentos podem contribuir para a prevenção de doenças relacionadas ao coração e ao cérebro
Por Redação - Editorias: Ciências da Saúde
Estudos buscam entender como a restrição calórica age no organismo e quais são as moléculas envolvidas – Foto: via Tero Vesalainen / Pixabay / CC0 Public Domain
Controlar o consumo de calorias no dia a dia é uma forma comprovada de evitar não só a obesidade como também diversas complicações relacionadas à idade, como diabete, doenças do coração e do cérebro. Trata-se, portanto, de uma estratégia eficaz para aumentar a longevidade.
Em um laboratório sediado no Instituto de Química (IQ) da USP, um grupo coordenado pela professora Alicia Kowaltowski investiga, em modelos animais, os mecanismos moleculares desencadeados pela intervenção dietética que resultam na melhora do funcionamento de órgãos importantes para o metabolismo, como pâncreas, fígado e até mesmo o cérebro.
“Dizer para as pessoas simplesmente comerem menos não está funcionando. A obesidade se tornou uma epidemia mundial. Temos tentado entender como a restrição calórica age no organismo e quais são as moléculas envolvidas, para encontrar alvos que permitam prevenir ou tratar doenças relacionadas ao ganho de peso e à idade”, disse Alicia, que integra a equipe do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A obesidade se tornou uma epidemia mundial – Foto: Visual Hunt
De acordo com Alicia, os experimentos realizados até o momento mostraram que a restrição calórica em animais de laboratório causa efeitos muito específicos nos diferentes órgãos. No pâncreas, por exemplo, torna as células produtoras de insulina capazes de responder melhor ao aumento na taxa de glicose do sangue.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores realizaram testes com culturas de células beta – que ficam nas ilhotas pancreáticas e são responsáveis pela produção de insulina. Em vez de nutrir as células cultivadas in vitro com soro sanguíneo comercial, como de costume, foi usado material extraído de dois grupos de ratos submetidos a diferentes dietas.
O grupo controle se alimentou à vontade durante as 26 semanas anteriores ao experimento e se tornou obeso, como normalmente ocorre em casos com confinamento. Os outros animais foram submetidos durante o mesmo período a uma dieta com cerca de 60% das calorias em média consumidas pelos roedores liberados para comer sem restrições.
“A secreção de insulina pelas células beta deve ser pequena em uma condição de baixa glicose e aumentar em uma condição de glicose elevada. E isso de fato acontece com as células tratadas com o soro dos animais submetidos à restrição calórica, mas não com as que receberam o soro de animais obesos. Há algum fator circulante no sangue que modifica de forma aguda o funcionamento das células beta e essa pode ser uma das alterações que acontecem no diabetes tipo 2”, disse Alicia.
Como a secreção de insulina depende da disponibilidade de ATP (adenosina trifosfato, molécula que armazena energia) na célula, os pesquisadores levantaram a hipótese de que o fenômeno observado estaria relacionado com as mitocôndrias – as “usinas” de energia das células.
“Ao medirmos o consumo de oxigênio pelos dois grupos de células, observamos que ele estava diferente. A respiração – que é a responsável pela liberação de insulina quando temos alta de glicose – é maior nas células que receberam o soro dos animais submetidos à restrição calórica. Essas células, portanto, geram mais ATP diante da alta na taxa de glicose”, contou a pesquisadora.
Mitocôndrias eficientes
Pesquisas com animais realizadas na USP mostram que intervenção dietética faz com que as mitocôndrias — organelas que produzem energia para as células — trabalhem melhor – Imagem: Domínio Público via Wikimedia Commons
Por meio de experimentos com corantes fotossensíveis, o grupo descobriu que as mitocôndrias das células tratadas com o soro dos animais submetidos à restrição calórica trocavam mais material genético entre si e, de algum modo, isso as tornava mais eficientes.
“As mitocôndrias não são organelas estáticas e nem sempre têm aquele formato de amendoim que vemos nos livros. Estão continuamente se fundindo (duas viram uma só) e se dividindo (uma dá origem a duas) e isso é importante para remover organelas que não estão funcionando adequadamente e também para trocar enzimas e DNA”, explicou Alicia.
Para confirmar que o intercâmbio de material mitocondrial seria a causa primordial na diferença observada na produção de insulina, o grupo repetiu o experimento com o soro dos dois grupos de animais – mas desta vez usando células beta incapazes de produzir a proteína mitofusina-2 (Mfn-2), importante no processo de fusão mitocondrial.
Como esperado, tanto as células que receberam o soro dos animais obesos quanto as que receberam soro dos animais submetido à restrição passaram a responder mal ao aumento na taxa de glicose, ou seja, a restrição calórica perdeu o efeito protetor sobre o pâncreas. Os resultados foram publicados no The FEBS Journal, da Federation of European Biochemical Societies. O trabalho contou com a participação central de Fernanda Cerqueira, ex-bolsista da Fapesp e, atualmente, pesquisadora da Boston University, nos Estados Unidos.
“Basicamente, o que estamos propondo é que existe um fator circulando no sangue dos animais submetidos à restrição calórica que é o responsável por esse efeito no funcionamento mitocondrial das células beta. Mas ainda não sabemos que fator é esse. Serão necessários novos estudos”, disse Alicia.
Resultados da pesquisa foram apresentados por Alicia no dia 18 de maio durante o Workshop Healthy Ageing Opportunities, realizado no Expo Center Norte durante a Feira+Fórum Hospitalar 2017. O evento foi organizado no âmbito de um acordo firmado entre a Fapesp e a Organização Holandesa para a Pesquisa Científica (NWO) para fomentar a cooperação científica e tecnológica entre pesquisadores da Holanda e de São Paulo.
Em um trabalho anterior, com participação do bolsista de pós-doutorado Ignacio Amigo, o grupo mostrou que uma redução de 40% nas calorias da dieta dos roedores aumenta a capacidade da mitocôndria de captar cálcio em algumas situações nas quais o nível desse mineral no meio celular encontra-se patologicamente elevado. No cérebro, isso pode ajudar a evitar a morte de neurônios associada a doenças como Alzheimer, Parkinson, epilepsia e Acidente Vascular Cerebral (AVC), entre outras.
Atualmente, o doutorando Sergio Menezes investiga o efeito da restrição calórica no fígado, onde o cálcio também atua como sinalizador celular. “Observamos o mesmo efeito: no contexto de restrição calórica, as mitocôndrias conseguem captar mais cálcio e, nos experimentos com animais, isso protegeu as células contra os danos causados por isquemia. A mitocôndria parece ser, de fato, o segredo para o envelhecimento saudável”, disse Alicia.
Karina Toledo / Agência Fapesp, com edições do Jornal da USP. O texto original pode ser acessado aqui.
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