segunda-feira, 24 de julho de 2017

Níveis de vitamina D podem afetar microbiota intestinal (Jornal da USP)

Como consequência, baixos níveis podem também predispor a um maior risco de doenças cardiovasculares e metabólicas


Em artigo divulgado na revista Metabolism, pesquisadores da USP sugerem que concentração de vitamina D no sangue pode influenciar perfil da microbiota e risco cardiometabólico – Foto: Ragesoss/Wikimedia Commons

Um estudo brasileiro divulgado na revista Metabolism sugere que os níveis de vitamina D circulantes no organismo podem influenciar o perfil da microbiota intestinal e, consequentemente, o risco de desenvolver doenças cardiovasculares e metabólicas.

Como ressaltam os autores, o artigo apresenta apenas indícios sobre a existência dessa relação – o que ainda precisa ser confirmado por investigações mais aprofundadas.

“Já se sabia que a vitamina D é importante para a homeostase do sistema imune. O que nosso estudo acrescenta é que essa relação ocorre, pelo menos em parte, pelas interações com a microbiota intestinal”, afirmou Sandra Roberta Gouvea Ferreira Vivolo, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e coordenadora da pesquisa apoiada pela Fapesp.

As conclusões estão baseadas na análise dos dados de 150 voluntários entre 20 e 30 anos (91% do sexo feminino) que estão cursando ou já concluíram a graduação em Nutrição. Como explicou Sandra, essa pesquisa transversal é um desdobramento de um estudo maior do tipo longitudinal conhecido como Nutritionists Health Study (NutriHS), que acompanha desde 2013 os hábitos de vida de uma amostra específica de estudantes de nutrição e nutricionistas.

“É oportuno avaliar nutricionistas, pois são indivíduos aptos a responder questionários técnicos, especialmente relacionados à alimentação. Além disso, são pessoas muito ligadas a questões de alimentação e saúde, o que pode influenciar o hábito alimentar”, disse Sandra.

De acordo com a pesquisadora, o primeiro passo foi descobrir se existia uma relação entre ingerir uma quantidade maior de alimentos ricos em vitamina D e apresentar um maior nível do nutriente na circulação sanguínea.

“Essa associação pode parecer óbvia a princípio, mas não é. A literatura científica é controversa sobre o assunto, pois apenas 20% da vitamina D existente no organismo humano é proveniente da dieta. A quantidade ideal recomendada só é alcançada por meio da exposição ao sol – algo cada vez mais raro no meio urbano – ou pela ingestão de suplementos”, comentou.

Após dosar a concentração do nutriente no sangue dos participantes e avaliar o padrão alimentar, o grupo concluiu que de fato havia uma associação entre maior ingestão de alimentos ricos em vitamina D e níveis circulantes mais elevados. As principais fontes alimentares na amostra foram: ovos, leite e seus derivados.

Com base nesses resultados, a população estudada foi estratificada em três grupos: o primeiro com níveis insuficientes de vitamina D; o segundo com concentrações intermediárias, dentro do mínimo recomendado; e o terceiro grupo com as concentrações mais altas, no qual estavam inseridos participantes que faziam uso de suplementos polivitamínicos.

O passo seguinte foi comparar o perfil de saúde dos três grupos, levando em conta fatores como índice de massa corporal (IMC), circunferência da cintura, pressão arterial, glicemia e sensibilidade à insulina.

“Em nenhum desses aspectos notamos diferença significativa. Observamos apenas que os participantes com maior nível de vitamina D circulante apresentavam no sangue uma quantidade menor de lipopolissacarídeos (LPS)”, contou Sandra.

Como explicou a pesquisadora, as moléculas de LPS estão presentes na superfície de algumas bactérias do tipo Gram-negativas do trato intestinal. Vale ressaltar que grande parte das bactérias Gram-negativas é patogênica, enquanto a maioria das Gram-positivas não – algumas delas são até mesmo consideradas benéficas para a saúde humana.
Fontes de vitamina D da dieta – Foto: Divulgação

“Esse dado nos possibilita levantar a hipótese de que os indivíduos mais suficientes de vitamina D tenham uma composição mais saudável da microbiota intestinal – o que teria, por sua vez, um impacto benéfico no risco cardiometabólico”, avaliou.

Segundo Sandra, a molécula de LPS é considerada imunogênica, ou seja, ela é capaz de induzir uma resposta inflamatória no organismo. Níveis sanguíneos mais altos dessa substância, portanto, favoreceriam o desenvolvimento de um estado de inflamação subclínica (crônica, de baixo grau e sistêmica), fator que tem sido associado em diversos estudos ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares e metabólicas, entre elas a diabete.

“A composição da microbiota intestinal tem sido associada ao desenvolvimento de doenças – não apenas as infecciosas como também aquelas que têm relação com uma inflamação de pequeno grau. É possível que a vitamina D tenha alguma participação nesse processo, mas ainda é muito cedo para apontar uma relação de causa e consequência. Para isso, seria necessário fazer um estudo de intervenção, ou seja, comparar grupos que ingerem diferentes quantidades do nutriente por um longo período e observar o impacto na microbiota”, disse a pesquisadora.

Censo microbiano

Em busca de mais pistas que permitam comprovar a hipótese levantada, o grupo coordenado por Sandra Vivolo realizou uma espécie de censo bacteriano em amostras de fezes dos participantes do estudo. Por meio de técnicas de sequenciamento do DNA e auxílio de métodos estatísticos, o grupo conseguiu identificar, entre os trilhões de microrganismos presentes, os filos e os gêneros mais frequentes em cada grupo de voluntários.

“Em apenas alguns dos gêneros identificados observamos relevância estatística. Por exemplo, nos participantes com mais vitamina D foram menos abundante os gêneros Haemophilus e Veillonella – ambos de bactérias Gram-negativas. Por outro lado, esses mesmos voluntários tinham mais bactérias do gênero Coprococcus e Bifidobacterium – ambos de bactérias Gram-positivas”, comentou Sandra.

Após ajustar a análise considerando fatores que podem enviesar os resultados, como sexo e idade dos participantes, além da estação do ano em que foi feita a análise (o que pode influenciar o nível de vitamina D em função da exposição solar), o que restou de mais significante, segundo Sandra, foi a associação entre maior nível de vitamina D e maior abundância de bactérias dos gêneros Coprococcus e Bifidobacterium, ambas consideradas benéficas para a saúde humana. As chamadas bifidobactérias são classificadas como probióticas, ou seja, favorecem uma flora intestinal mais saudável. Estudos indicam que elas ajudam a controlar o crescimento de bactérias nocivas e minimizam sintomas de alergias e inflamações.

“A análise dos resultados nos permite especular que a relação da vitamina D com a microbiota é um caminho de duas vias. Encontramos evidências tanto de que o nutriente pode interferir na composição da flora intestinal – uma vez que a vitamina D é uma espécie de guardiã do organismo favorecendo a homeostase do sistema imune – como também do oposto, ou seja, de que um determinado perfil de microbiota poderia influenciar o nível de vitamina D circulante. Análises longitudinais e de intervenção são necessárias para testar essas hipóteses”, afirmou Sandra.

O artigo Gut microbiota interactions with the immunomodulatory role of vitamin D in normal individuals pode ser lido neste link.

Karina Toledo / Agência Fapesp
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