terça-feira, 25 de julho de 2017

Pesquisa investiga consequências do consumo materno de cafeína no desenvolvimento dos filhos

Estudo mostrou a relação do consumo com as medidas antropométricas dos bebês até os seis meses de idade

6 de janeiro de 2017 · Texto: Amanda Hamermüller
Durante o período gestacional, a cafeína atravessa a barreira placentária com facilidade - Foto: Christian Glatz/Flickr CC-BY-NC-ND-2

Algumas pessoas preferem café. Outras, chás. Ainda tem quem opte pelos refrigerantes de cola. São inúmeros os métodos utilizados para aumentar o foco e a concentração em uma rotina cada vez mais turbulenta e cansativa. Mas o que esses produtos têm em comum? A cafeína.

Quando consumimos alimentos com um teor de cafeína considerável, ficamos mais atentos e conseguimos trabalhar melhor – uma conquista para quem precisa manter um bom rendimento durante muito tempo. Isso acontece porque em menos de 20 minutos a cafeína chega às células do corpo, aumentando a influência do neurotransmissor dopamina, que é o precursor natural de estimulantes do sistema nervoso. Em falta, a dopamina pode causar depressão, já em excesso, causa aceleração.

Se as pessoas já devem ficar atentas à quantidade de cafeína que ingerem diariamente, as restrições aumentam ainda mais quando se trata de gestantes. De acordo com a nutricionista especialista na área materno infantil Michele Drehmer, o cafezinho, refrigerantes, chás, chimarrão, energéticos e inclusive os chocolates devem ser ingeridos respeitando uma cota diária de consumo. “Existe uma recomendação de consumo máximo de 300 mg de cafeína ao dia durante a gravidez, segundo o Instituto de Medicina Americano, que é seguida aqui no Brasil também”, explica Michele. A nutricionista ainda faz uma simulação de consumo. “Para se ter uma ideia do que representa, podemos citar que quatro copinhos de café (50 ml), uma lata de Coca-Cola (355 ml) e um pedaço de chocolate ao leite (60g) somam 297 mg de cafeína”.

A nutricionista explica que estudos experimentais realizados em animais mostraram que a cafeína passa pela membrana placentária e pode aumentar o risco de malformações fetais e levar ao aborto espontâneo. Michele destaca que em humanos não é possível medir os efeitos do consumo por meio de estudos de intervenção por questões éticas, visto que uma gestante nunca será exposta ao consumo de cafeína. As evidências a que se tem acesso hoje são baseadas apenas em estudos observacionais, estes que comprovam o aumento do risco para o bebê pelo excesso de cafeína na gravidez. “Recente revisão sistemática mostrou que a maior ingestão de cafeína está associada a um aumento de aborto espontâneo, à morte fetal, ao baixo peso ao nascer e ao recém-nascido pequeno para idade gestacional”, afirma Michele.

A nutricionista Thamíris Santos de Medeiros trouxe em sua dissertação um estudo sobre o impacto do consumo materno de cafeína durante a gestação nas medidas antropométricas – peso, comprimento e dobras cutâneas – dos filhos nos primeiros meses de vida. Ela destaca que são poucos os estudos com crianças tão jovens. “O objetivo era investigar esse período inicial da vida”, afirma. A pesquisadora conta que a nutrição materno-infantil sempre lhe chamou mais a atenção: “Durante a faculdade, sempre fiz estágios trabalhando com crianças, e meu TCC também seguiu nessa área”.

Desde a gestação, a composição corporal do bebê é um marcador do estado de saúde, além da avaliação do estado nutricional na primeira infância, que também é essencial para o diagnóstico da saúde da criança, incluindo seu crescimento e desenvolvimento. Nisso, incluem-se determinados parâmetros antropométricos desde os primeiros meses de vida, com destaque para o peso e o comprimento. Outro fator que também entra nessa categoria são os indicadores de adiposidade subcutânea, que, através das dobras da pele, analisam a quantidade de gordura do corpo.

Em sua pesquisa, Thamíris mostra que, no período gestacional, a cafeína atravessa a barreira placentária com facilidade, já que placenta e o feto não possuem a principal enzima responsável pelo metabolismo desse composto, o que leva à maior exposição e ao acúmulo de cafeína nos tecidos fetais. Além disso, a cafeína é altamente solúvel em gordura e pode ser absorvida pelo feto também via sistema gastrointestinal, pois a filtração glomerular fetal – primeira etapa na formação da urina – ainda está em pleno desenvolvimento.

A pesquisadora afirma que níveis elevados de cafeína podem prejudicar o recebimento da quantidade necessária de nutrientes pelo feto. “A cafeína pode diminuir a perfusão sanguínea, fazendo que o feto receba menos sangue, menos nutrientes e consequentemente se desenvolva menos”, explica. Thamíris destaca que estudos observacionais demonstraram uma associação entre o consumo materno de cafeína durante a gestação e a diminuição do peso de nascimento dos filhos. A cada acréscimo de 100 mg de cafeína (uma xícara de café ou duas xícaras de chá) no consumo diário, é associado um aumento de 3% no risco de baixo peso do filho ao nascer, principalmente quando associado ao tabagismo. Segundo Thamíris, o uso de cigarros de tabaco faz com que a cafeína seja metabolizada mais rapidamente do que em um organismo de uma gestante não fumante, o que priva o feto de receber os nutrientes necessários, dificultando o desenvolvimento do bebê.

Situações como a ocorrência de doenças metabólicas maternas, tais como diabetes e hipertensão, podem potencializar a ação da cafeína sobre o feto. Ela também alerta para o risco do consumo de cafeína interferir no processo de desenvolvimento celular. Estudos experimentais com ratos comprovaram que a exposição à cafeína no período pré-natal provoca alterações no metabolismo glicêmico e aumento da resistência à insulina, o que após o nascimento pode contribuir para o desenvolvimento de síndrome metabólica.

Outro ponto que o estudo traz é como é comum o consumo de alimentos que contêm cafeína entre mulheres em idade fértil e durante a gestação. De acordo com a pesquisa, no último senso brasileiro, a ingestão média de café, alimento com maior concentração de cafeína, foi de aproximadamente 120 mililitros por dia entre adolescentes e mulheres adultas. A nutricionista Michele Drehmer observa com atenção o consumo antes da gravidez “O estudo das enfermeiras americanas, um dos estudos observacionais mais importantes que existe, avaliou mais de 15 mil mulheres por 18 anos e verificou que aquelas que consumiram mais do que quatro xícaras de café por dia antes de engravidar tiveram maior risco de aborto espontâneo, principalmente no período entre 8 e 19 semanas de gravidez”, explica.

Quanto ao aumento de peso, Thamíris explica que o consumo materno de cafeína pode ter relação com o aumento de peso da criança quando ela for maior: “A cafeína interfere na atividade cerebral que comanda o controle de apetite e saciedade, o que pode levar a criança a desenvolver mais peso ao longo da vida”.


O estudo

A pesquisa estava vinculada ao projeto Impacto das Variações do Ambiente Perinatal Sobre a Saúde do Recém-Nascido nos Primeiros Seis Meses de Vida (IVAPSA) e contou com a participação de Thamíris e o auxílio da equipe do Projeto IVAPSA, composta por professores orientadores e alunos de pós-graduação da UFRGS e alunos de graduação bolsistas de iniciação científica de outras universidades.

Thamíris e a equipe que participou da pesquisa optaram por utilizar como fonte de consumo de cafeína somente o café, baseado em estudos em que os efeitos da cafeína apareceram mais acentuados quando a avaliação considerava apenas o consumo de café.

Mães com diferentes históricos foram convidadas a participar do estudo. Os convites foram feitos às que estavam no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Hospital Nossa Senhora da Conceição e Hospital Fêmina. Foram excluídas mulheres HIV positivas, com menos de 37 semanas de gravidez, além das mães de recém-nascidos com doenças congênitas ou que necessitassem de internação hospitalar. O estudo foi realizado com 272 duplas mãe-filho, divididas entre os cinco grupos:
Diabéticas – 41
Hipertensas – 26
Fumantes – 68
Mães de crianças nascidas pequenas para idade gestacional sem uma causa específica – 25
Controle (mulheres que não apresentaram as características citadas anteriormente e seus filhos) – 112

A variabilidade do número de duplas entre os grupos se deu pela dificuldade de encontrar duplas para determinados grupos, recusas e perdas por não realização de entrevistas nos períodos previstos. No final do estudo, permaneceram 263 duplas.

Logo após o nascimento, no período entre 24 a 48 horas após o parto, foram coletadas informações sobre o pré-natal das gestantes, como peso antes de engravidar, altura e peso ao final dos três trimestres da gestação, além de informações sobre o nascimento dos filhos. Sete dias depois, a equipe da pesquisa entrevistou as mães em suas casas para obter dados sobre a alimentação durante a gravidez, principalmente sobre o consumo de cafeína no período. No terceiro mês de idade dos filhos, foi feito um novo contato para a medição de peso, comprimento e dobras cutâneas da criança. Aos seis meses, as mesmas medições foram realizadas novamente.

Resultados

Quanto ao consumo de cafeína, houve uma diferença significativa entre os grupos. Confirmou-se o fato de o tabagismo estar associado ao maior consumo de cafeína, tendo esse grupo consumido até 150,3 mg/dia, o maior valor entre todos os grupos. O alto consumo também se destacou no grupo de crianças nascidas pequenas para idade gestacional – 128,2 mg/dia –, o que mostra a relação entre o baixo peso ao nascer e o consumo de cafeína na gravidez. Os grupos de mães diabéticas, hipertensas e de controle consumiram 96,4, 136,6 e 91,3 mg/dia, respectivamente.

Em relação às medidas antropométricas, a média de peso ao nascer foi de 3,1 quilos e a de comprimento foi de 48,5 centímetros. O estudo comprovou que os filhos de mulheres diabéticas apresentaram peso de nascimento significativamente maior do que as crianças pertencentes a outros grupos. Isso porque são mais propensos a desenvolverem macrossomia – excesso de peso no nascimento –, diferente das crianças com restrição de crescimento intrauterino (RCIU), que apresentam menor peso e menor comprimento ao nascer. O estudo destacou a diferença expressiva de peso e comprimento das crianças que nasceram pequenas para idade gestacional, com até um quilo e 1,9 centímetros a menos que outros grupos.

Um dado curioso foi no grupo de mães fumantes, normalmente associadas ao baixo peso dos filhos, o que não foi confirmado entre as duplas participantes. Apesar de apresentar valores menores, não foram diferenças significativas. Thamíris acredita que isso se deva ao baixo número de participantes desse grupo.

O estudo mostra que somente no grupo-controle foi comprovada interferência nas medidas antropométricas a partir do consumo materno de cafeína. A pesquisadora observa que, do nascimento ao terceiro mês de vida, a velocidade de crescimento é superior à que ocorre entre o terceiro e o sexto mês, o que pode refletir nos resultados de acúmulo de gordura pela criança, visível apenas nos primeiros meses de idade. Ela destaca que os resultados desse trabalho fornecem subsídios para a investigação da hipótese do desenvolvimento do excesso de peso na infância em virtude do alto consumo de cafeína.

No grupo de mães diabéticas, na comparação entre filhos de mulheres consumidoras e não consumidoras de café, não houve diferença significativa entre peso, comprimento e dobras cutâneas, tampouco entre as médias das medidas antropométricas aos três e aos seis meses de idade.

Thamíris destaca que os primeiros mil dias de vida são uma fase fundamental para o desenvolvimento do ser humano e que, por isso, ainda são necessárias pesquisas que avaliem as consequências de certos hábitos durante a gestação na vida dos filhos. “É um período em que muitas coisas estão se formando no corpo do bebê”, afirma.

A pesquisadora está otimista com o que seu estudo pode proporcionar para a sociedade: “A minha expectativa é de que esse trabalho chame a atenção de pessoas que trabalham com isso”. Thamíris diz que é fundamental que esse tipo de estudo receba atenção e, no futuro, tenha um peso nos cuidados com a saúde da gestante. “Poderia virar uma observação na prática clínica, assim como não é recomendado fumar ou ingerir álcool durante a gravidez”, destaca.

Dissertação

Unidade: Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente

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