terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Potencializando a bioatividade de chás

22 jan 2018

Estudo na FEA concentrou-se na análise in vitro das quatro variedades mais consumidas no Brasil

Texto -CARMO GALLO NETTO Fotos -DIVULGAÇÃO Edição de imagem -PAULO CAVALHERI
 
Bruna Sampaio Roberto, autora da pesquisa, fez estágio de sete meses no The James Hutton Institute, em Dundee (Escócia)

Chás branco, preto, verde e mate contêm polifenóis, compostos bioativos presentes em abundância na dieta humana e que apresentam efeitos benéficos na redução do sobrepeso e obesidade e de suas complicações como diabetes mellitus tipo 2. Entretanto, muitos polifenóis não são absorvidos na forma em que se encontram nos alimentos por estarem ligados a outras moléculas, principalmente açúcares, o que diminui sua absorção e biodisponibilidade. Para contornar o problema, os agrupamentos moleculares de que participam os polifenóis precisam ser quebrados, ou seja, transformados em cadeias menores, com estruturas mais facilmente absorvidas pelos tecidos. Essa biotransformação pode ser conseguida adicionando enzimas glicosídicas ao processamento dos alimentos, havendo assim a formação de polifenóis que o organismo reconhece melhor, o que aumenta a bioacessibilidade, biodisponibilidade e bioatividade, incrementando sua atividade funcional.

Foi visando caracterizar os compostos fenólicos bioativos presentes nos chás mencionados, tanto em sua forma convencional como depois de biotransformados, que Bruna Sampaio Roberto realizou pesquisa de doutorado junto ao Departamento de Ciências de Alimentos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, orientada pela professora Gabriela Alves Macedo. A autora, que é graduada em farmácia e mestre em ciência de alimentos pela Universidade Federal de Santa Maria (RS), ainda fez estágio de sete meses no The James Hutton Institute, em Dundee (Escócia).

Do exposto se depreende que nem tudo que é natural é melhor. Certas intervenções nos produtos naturais podem potencializar algumas de suas capacidades funcionais, como as que oferecem benefícios à saúde e contribuem para a redução do risco de certas doenças. O foco desse trabalho em quatro chás bastante consumidos Brasil – branco, preto, verde e mate – encontra justificativa no fato de que os impactos dos polifenóis na saúde humana demandam ainda esclarecimentos.

O objetivo de Bruna Roberto foi avaliar in vitro a possibilidade da biotransformação dos polifenóis de chás para sua forma mais ativa; sua bioacessibilidade em condições gastrointestinais; e seu potencial antiobesidade e antidiabetes ao dimensionar as inibições de enzimas digestivas, depósitos de gorduras em células, de forma a compará-los com os produtos convencionais.

Para a quebra (hidrólise) das cadeias poliméricas, a pesquisadora utilizou como catalizador a enzima tanase, imobilizada pelo processo de microencapsulação em alginato de sódio, o que facilita sua utilização e recuperação ao final do processo, e elimina possíveis efeitos alergênicos que a enzima possa oferecer ao produto. Os extratos obtidos de cada tipo de chá, antes e depois do processamento, foram secados e o pó submetido a análises.

Foram então determinadas as moléculas de polifenóis presentes, sua capacidade antioxidante e seu potencial para inibir as enzimas gástricas α-amilase, α-glicosidase e lipase, responsáveis pela absorção de carboidratos e gorduras. Pesquisas mostram que a inibição dessas enzimas e menor absorção desses nutrientes podem contribuir para reduzir os efeitos de certos alimentos em relação à obesidade e ao diabetes. Nesse sentido, foi também determinado o potencial dos chás biotransformados em diminuir depósitos de gorduras em células, através de métodos in vitro utilizando pré-adipócitos (células que armazenam gordura).

Bruna deteve-se ainda em verificar as melhores condições operacionais do biorreator utilizado para a biotransformação enzimática com o emprego da tanase imobilizada em alginato de sódio. As pesquisas in vitro, avaliando a inibição de enzimas responsáveis pela digestão humana, mostraram inibição principalmente de α-amilase e lipase, enquanto os estudos em células indicaram redução de cerca de 20% no índice de gordura armazenada pelos adipócitos, quando comparada ao chá convencional, e uma redução de até 64% em relação às células que não receberam nenhum tipo de tratamento.

Outra preocupação no estudo foi verificar se os polifenóis resultantes do processo decorrente das simulações estomacais têm condições potenciais de chegarem ao intestino. Com base no estudo in vitro, a autora concluiu que, de fato, alguns deles efetivamente o fazem, com potencial para exercer atividades funcionais, em que se destaca o ataque aos radicais livres.

Bruna Roberto conclui: “Os chás submetidos à ação da tanase microencapsulada têm ,seguramente, ação funcionalmente mais efetiva que os consumidos convencionalmente. Isso decorre do possível aumento da biodisponibilidade de polifenóis potencializando o combate à obesidade, ao diabetes e atividades antioxidantes”.
  
Imobilização de tanase por microencapsulação em alginato de sódio.

Importância

A importância da pesquisa é ressaltada quando se sabe que obesidade e excesso de massa corporal são fatores de risco para diversas doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, acidentes vasculares cerebrais, hiperlipidemia, distúrbios musculoesqueléticos e diversos tipos de câncer, e que estão entre os cinco principais fatores de risco de mortalidade.

Embora sejam múltiplos os fatores que contribuem para a obesidade, os estudos estão centrados nos fatores biológicos relacionados ao estilo de vida, principalmente ao binômio dieta e atividade física. Neste particular, tem sido positiva a inclusão de alimentos com antioxidantes que atacam radicais livres ou que atuem no metabolismo de lipídeos e da glicose para prevenir complicações da obesidade – e vários estudos epidemiológicos têm demonstrado os efeitos benéficos do chá e seus compostos bioativos nesse sentido. 
 
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