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14/03/2018
Pesquisa da USP resulta na catalogação de cinco espécies de lianas (cipós e trepadeiras) da Amazônia, uma delas nova para a ciência
Por Denis Pacheco - Editorias: Ciências Biológicas
Classificar espécies de plantas e entender sua história e origem é uma ciência delicada que, em janeiro deste ano, ganhou destaque em artigo no periódico PhytoKeys. Em pesquisa liderada pelas cientistas Jéssica Nayara Carvalho Francisco, mestranda do Instituto de Biociências (IB) da USP, e Lúcia Garcez Lohmann, professora do Departamento de Botânica do IB, a complexa taxonomia do gênero Pachyptera (do latim, “com alas espessas”), um grupo de lianas neotropicais com sementes aladas, foi destrinchada e resultou na catalogação de cinco novas espécies vegetais.
As lianas, também conhecidas popularmente como cipós ou trepadeiras, habitam as porções mais altas de árvores amazônicas. Ao trazê-las ao solo, as cientistas mapearam novas descobertas sobre a biologia, morfologia e distribuição de espécies até então desconhecidas.
Formada em Ciências Biológicas, Jéssica começou estudando a ecologia das lianas ainda na faculdade, passando a trabalhar no que resultou em sua pesquisa de mestrado a partir de 2014. “A intenção do meu trabalho era pegar um grupo pequeno de plantas para que eu tivesse tempo suficiente para estudar todos os detalhes sobre sua sistemática, evolução e biogeografia”, relembra ela.
O artigo recém-divulgado, o terceiro de quatro publicações resultantes do seu mestrado, utiliza o que ela chamou de “uma abordagem integrativa”, ou seja, usa diferentes fontes de evidências para tentar identificar e classificar as plantas de forma “objetiva, estável e transparente”.
“Tínhamos uma história taxonômica bastante confusa, com muitos problemas de identificação [neste grupo de lianas]. Em um dos artigos que resultou da minha tese resolvemos um problema de delimitação do gênero. E agora, neste trabalho, resolvemos diversos problemas com a delimitação das espécies”, conta ela ao salientar que, para esclarecer melhor a classificação e descrever novas espécies, foram usados dados moleculares e morfológicos, bem como uma abordagem filogenética, o ramo da ciência que estuda a história evolutiva dos grupos taxonômicos.
Conforme a professora Lúcia, cuja especialização é em sistemática vegetal e que tem trabalhado com essa mesma família de plantas (as bignoniáceas, grupo que inclui lianas, ipês e o jacarandá) desde 1993, as lianas são um grupo particularmente complicado por ficarem na copa de árvores altas na floresta amazônica e serem pouco coletadas. Com cerca de 400 espécies de lianas catalogadas, sua pesquisa foi capaz de montar uma árvore filogenética para o grupo. “Meu objetivo era usar dados moleculares e morfológicos para definir gêneros bem caracterizados, já que a identificação era muito difícil. Durante minha pesquisa de doutorado, finalizada em 2003, organizei a classificação genérica do grupo e reconheci 20 gêneros que acomodavam as 400 espécies do grupo”, relembra ela.
Ao chegar à USP, em 2004, Lúcia passou a orientar alunos do IB que vêm estudando cada um dos 20 gêneros com um grande detalhamento. “O trabalho da Jéssica é um desses”, revela.
Pesquisa utilizou DNA para reconstruir a árvore genealógica das plantas, informação que foi combinada com morfologia para identificar as espécies – Foto: Jessica Nayara Carvalho Francisco / Lúcia G. Lohmann via PhytoKeys
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Mensurando a biodiversidade
Somente na Amazônia uma série de espécies novas de plantas são descobertas todos os anos. Diferente de mamíferos, para os quais espécies novas são mais raras, as plantas ainda exigem um trabalho intensivo de muitos taxonomistas.
“Precisamos ser capazes de mensurar quais são as unidades básicas que compõem o que chamamos de biodiversidade”, aponta Jéssica. Somente assim será possível desenvolver outros tipos de estudo, envolvendo ecologia, biologia e até mesmo sua importância medicinal. “É assim que se mensura a biodiversidade”, reforça ela.
“Essa pesquisa utilizou DNA para reconstruir a árvore genealógica dessas plantas. Esta informação foi então combinada com morfologia para identificar nossas unidades básicas de trabalho, ou seja, as espécies. Com estas informações em mãos, pudemos então reconstruir a história biogeográfica do grupo”, explica Lúcia. A biogeografia é o estudo da distribuição das espécies e ecossistemas no espaço geográfico e através do tempo geológico. Organismos e comunidades biológicas variam de uma forma regular ao longo de gradientes geográficos de latitude, altitude, isolamento e área de hábitat.
Para as especialistas, documentar nossa biodiversidade é o passo básico para a conservação. Não apenas isso, entendê-la pode ser usado em benefício da própria sociedade. “Nosso conhecimento ainda é muito limitado. Na Amazônia, por exemplo, nosso conhecimento sobre a distribuição de espécies é baseado numa amostragem muito fragmentada, o número de coletas ainda é baixíssimo”, explica a professora.
Neste grupo de lianas, por exemplo, no qual se imaginava inicialmente que incluía apenas três espécies, a pesquisa de Jéssica descobriu cinco. “Saber identificar as espécies é a base para qualquer estudo de biodiversidade”, afirma Lúcia.
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Foto: Jessica Nayara Carvalho Francisco / Lúcia G. Lohmann via PhytoKeys
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Entender para conservar
Com uma escola ativa no Brasil, o trabalho dos taxonomistas tem espaço para crescer ainda mais, já que nossa flora é uma das mais diversas do planeta. Entretanto, no resto do mundo, especialistas da área são considerados “profissionais quase em extinção”, opina Jéssica.
“Precisamos estimular essa área de estudo porque ela é a base de todas as outra linhas de pesquisa e de extrema importância para o Brasil. Ainda existe muito espaço e precisamos de profissionais que façam trabalhos de boa qualidade”, defende a cientista, que acredita que o campo é crucial para se pensar na conservação vegetal no País.
Adiantando o próximo artigo, Jéssica revela que pretende mostrar de forma mais ampla como se deu a história biogeográfica do grupo, os métodos utilizados e as principais conclusões sobre o estudo que, além de desvendar a história do grupo, trouxe novas perguntas, e ainda tem espaço para crescer.
“Historicamente, o trabalho do taxonomista acabava sendo mais subjetivo, mas é importante utilizarmos todas as ferramentas que estão disponíveis para nós no século 21 para que este trabalho seja o mais objetivo possível, de forma que os sistemas de classificação sejam cada vez mais estáveis, já que sem esse pressuposto não conseguiríamos mapear corretamente a complexa biodiversidade que compõe o mundo”, finaliza Lúcia.
O artigo Taxonomic revision of Pachyptera (Bignonieae, Bignoniaceae) pode ser acessado neste link.
Mais informações: e-mail jnc_francisco@yahoo.com.br, com Jessica Nayara Carvalho Francisco; e-mail llohmann@usp.br, com Lúcia G. Lohmann.
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