segunda-feira, 22 de abril de 2013

Do coração, artigo de Montserrat Martins

[EcoDebate] Temos notícias do coração através do Dr. Luchese, cirurgião cardiovascular, segundo o qual os aspectos espirituais dos pacientes cardíacos (inclua os aspectos emocionais junto aí, num sentido mais amplo) são fatores importantes na sua recuperação. Uma pesquisa entre pacientes apontou que cerca de 75% deles constatam a influência da paz espiritual na sua saúde cardíaca, percentual similar ao dos médicos cardiologistas que também percebem isso, mas segundo a mesma pesquisa apenas 15% dos médicos aborda o assunto com seus pacientes.

Há motivos para esse constrangimento. Séculos após a Inquisição, ainda vemos os Felicianos da vida se apresentando como donos de verdades divinas tais como interpretadas por uma igreja que lhe daria tal “autoridade”, algumas tão grotescas que “revogam” conquistas civilizatórias tão básicas e reinstauram até mesmo preconceitos de raça e etnia. Espiritualidade é um conceito mais amplo que o das religiões, mas em temas tão abstratos quanto populares, as coisas se confundem facilmente. Os Felicianos da vida prestam um desserviço às possibilidades saudáveis de fé e até mesmo da espiritualidade, com suas agressões ao bom senso, seu retrocesso da civilização à barbárie. Se há uma frase bíblica que se aplica a eles é “Deus, perdoai-os porque eles não sabem o que fazem”.

O Ministério da Saúde adverte: Inquisição faz mal à saúde. Mas espiritualidade sadia faz bem e paz de espírito é fundamental ao coração, como nos lembra o Dr. Luchese em suas palestras e livros. Para definir “espiritualidade sadia”, podemos começar dizendo simbolicamente que ela é “laica”, que não confunde assuntos de Igreja com assuntos de Estado, o que também é uma metáfora didática para todas as distinções básicas entre o público e o privado. É um estado íntimo da consciência e não uma forma de poder ou de constrangimento moral sobre outras pessoas. “Paz de espírito”, latu sensu, é um objetivo tão válido para ateus ou agnósticos quanto para os praticantes de qualquer religião.

A prática médica me fez desenvolver um espírito “ecumênico”, respeitando a visão espiritual com que cada um se identifica, incluindo os que não acreditam na existência de um Deus até os que o veem das mais diversas maneiras, em suas religiões ou filosofias de vida. Não posso evitar a “guerra religiosa” que se instala na nossa cultura, quando o obscurantismo ataca a razão, em nome de uma suposta verdade divina, gerando um incremento dos ataques que atingem a qualquer tipo de fé, sem distinção. O que é triste, pois também obscurece a compreensão do valor de uma espiritualidade sadia, para os que a praticam sem desrespeitar aos outros.

Lembro de um bar em frente a um centro espírita que se chamava “espírito da coisa”, que é o que está faltando, interpretações da vida com mais empatia, sabedoria, mais bom senso, com espíritos mais desarmados. Eu sempre achei que um nome melhor ainda para aquele bar seria “presença de espírito”, que além de tudo traz o humor no seu duplo sentido. Um dos meus amigos mais bem humorados, o Eduardo, é ateu convicto mas quando precisa evoca por exemplo o “Deus do amor” ou o “Deus do futebol” de acordo com o assunto em questão. Assim como é bem humorada a cristã Dercy Furtado, que brinca com sua filha psiquiatra, quando essa lhe conta algum problema: “Reza pra Freud, reza”. A presença de espírito, acredite, faz bem ao coração.

Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 22/04/2013

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