quarta-feira, 1 de maio de 2013

Química desenvolve etanol a partir do bagaço da laranja

Edição de Imagens: Diana Melo
Não clássicos os parâmetros que orientam a produção industrial com vistas à diminuição dos custos de produção: insumos baratos, menor demanda de energia, redução do tempo de processamento. Nas últimas décadas, muitas indústrias estão sendo levadas a considerar mais uma questão. Pressões sociais têm levado progressivamente muitos países a adotar medidas que forcem o uso de matérias-primas renováveis e processos que contribuam para a preservação do meio ambiente e da biodiversidade.

Por outro lado, o fantasma da sempre presente finitude dos combustíveis fosseis, caso do petróleo, movem meios produtivos e governos a promoverem e estimularem a procura de outras fontes energéticas. Entre elas, pelo seu caráter renovável, tem merecido destaque a utilização do álcool obtido diretamente de produtos agrícolas. No Brasil assumiu capital importância o emprego pioneiro da cana-de-açúcar. O biocombustível obtido diretamente do produto natural é considerado de primeira geração.

O sucesso dessa empreitada, de repercussão mundial, e a necessidade crescente da procura de outras fontes para a produção do bioálcool, levaram à utilização de outros tipos de biomassa não destinados à produção primária de alimentos. Entre essas novas fontes energéticas que se revelaram promissoras estão os agro-resíduos, bagaços e cascas de frutas.

Uma dessas biomassas de baixo custo e níveis elevados de carboidratos, o que viabiliza a sua utilização em processos biotecnológicos, é o bagaço da laranja, resultante do processamento do fruto utilizado na extração do suco que dá origem ao concentrado, largamente exportado pelo Brasil principalmente para EUA, Europa e Ásia. O álcool obtido a partir desses tipos de biomassa é denominado de segunda geração.

Com o objetivo de melhorar o rendimento de processos já empregados para geração do bioálcool a partir de biomassas – cujas etapas fundamentais envolvem basicamente hidrólise e a fermentação –, baixando os custos e tempos de produção, a professora Ljubica Tasic, do Instituto de Química da Unicamp (IQ), orientou trabalho que deu origem à tese “Bagaço de laranja como biomassa para a produção de etanol de segunda geração”, desenvolvida pela química paquistanesa Almas Taj Awan no Laboratório de Química Biológica do IQ.

As pesquisadoras esclarecem que o trabalho procurou melhorar os processos de hidrólise atualmente empregados a que é submetido o bagaço de laranja. Com esse objetivo, utilizou hidrólises ácida e enzimática, realizando posteriormente fermentação com cepas isoladas ou misturadas. Compararam então o processo clássico, que envolve hidrólise ácida, com os que utilizam a aplicação de enzimas comerciais e com aquele em que introduziram o microrganismo Xanthomonas axonopodis pathovar citri (Xac). E aí residiu a grande inovação. A Xac, fitopatógeno de grande periculosidade por causar a doença do cancro em cítricos, foi escolhida devido à presença de várias enzimas hidrolases e, também, face ao custo menor em relação às enzimas atualmente usadas nos processos industriais.
A importância do estudo ressalta quando se sabe que, segundo o United States Departament of Agriculture, o Brasil é o maior produtor de laranja do mundo. Em 2011, cerca de 19 milhões de toneladas de laranjas foram produzidas no país, das quais 15 milhões apenas no Estado de São Paulo. O resíduo resultante da extração do suco constitui cerca de 50% do fruto. Esse tipo de resíduo lignocelulósico, utilizado grandemente no enriquecimento de rações, demanda um aproveitamento econômico mais atraente e de baixo custo. É o que se pretende hoje com a sua utilização na produção do bioetanol de segunda geração por meio da fermentação dos carboidratos oriundos dessa biomassa.

Os resultados obtidos pelas pesquisadoras mostram a ocorrência de bem sucedida conversão hidrolítica do bagaço em uma mistura de açúcares passíveis de fermentação pelas enzimas da Xac. Ou seja, os polissacarídeos do bagaço são convertidos por hidrólise em monossacarídeos. Esses açúcares foram então transformados em bioetanol com a utilização de leveduras, duas isoladas do bagaço e a convencional, tanto com um único microrganismo (mono-cultura) como com a cultura de dois microrganismos (co-cultura).

Os rendimentos em termos de bioetanol decorrentes do emprego de co-culturas chegaram a 60%, valores muito superiores aos rendimentos decorrentes do uso de cepas específicas utilizadas na monocultura (cerca de 30%). Além disso, os açúcares foram consumidos mais rapidamente, acelerando os processos fermentativos, que passaram a ser de seis horas e não mais de vinte e quatro horas, tornando-os atraentes em termos de custos e aplicações comerciais.

Considerando-se que, em 2011, no Brasil os resíduos de laranja chegaram a 9,5 milhões de toneladas (metade da massa da fruta produzida) e a possibilidade de um rendimento de cerca de 60% no processo empregado, conclui-se que esses resíduos poderiam ter gerado 1,14 milhões de toneladas de etanol.

Essas perspectivas promissoras determinaram que a aluna de graduação em química Diana Martiniak Firbida e as pesquisadoras Junko Tsukamoto e Almas Taj Awan, que também participaram do trabalho desenvolvido pelo grupo orientado pela professora Ljubica, recebessem no final do ano passado o Prêmio Inova Unicamp de Iniciação à Inovação. O prêmio destina-se a projetos de iniciação científica que possuem maior potencial de mercado na forma de processos e serviços, que atraiam empresas e cujos resultados possam reverter em beneficio da sociedade.

Os resultados da pesquisa foram apresentados na forma oral e/ou pôster em congressos e simpósios. As autoras destacam a participação na The International Conference, Nanotechnology, Biotechnology & Spectroscopy: Tools of success in the coming Era (ICNBS), que ocorreu em Egito, em 2012, premiada como a melhor apresentação oral da conferência.

A professora Ljubica destaca que o estudo despertou o interesse de uma das maiores indústrias de concentrado de suco do Brasil, com vistas à melhora do processo de obtenção do bioetanol em sua unidade de produção, a partir da biomassa de que dispõe. Diante dos resultados da pesquisa e do interesse da indústria parceira, a docente está submetendo à Fapesp – em programa mantido pela instituição que visa a integração de universidade e indústria – projeto para o desenvolvimento do processo em planta piloto e posteriores testes já em escala industrial. Ela acredita que em dois anos o processo possa estar viabilizado para emprego industrial.

O PROCESSO

Entre as várias etapas que envolvem a conversão da ligninocelulose em etanol, distinguem-se a hidrólise da celulose para obtenção dos açucares monômeros e a fermentação destes em etanol. No processo, o bagaço inicialmente moído foi primeiramente submetido a hidrólises ácida e enzimática e, com o emprego da espécie Saccharomyces cerevisiae e duas cepas do gênero Cândida parapsilosis, isoladas do próprio bagaço de laranja, fermentado. Por questões econômicas, as pesquisadoras testaram na etapa de hidrólise o uso da Xanthonomas axonopolis pv. citri como fonte de enzimas hidrolíticas, comparando sua ação com a de outras enzimas comerciais empregadas. Nesta etapa o interesse maior concentrou-se em verificar em que situações os rendimentos foram maiores.

Posteriormente, os hidrolisados resultantes foram transformados em etanol através dos processos de fermentação. Nestes casos foram inicialmente utilizadas duas cepas do gênero Candida parapsilosis isoladas do próprio bagaço, face às suas eficácias, além da levedura comercial Saccharomyces cerevisae em mono e co-fermentações. Neste caso os melhores resultados foram obtidos com a utilização conjunta do Saccharomyces com uma das cepas da Cândida.

A junção destes dois fatores favoráveis levou o processo a um rendimento de cerca de 60% e a redução do tempo a seis horas, fatores fundamentais em processos industriais.

PESQUISAS PARALELAS

Os óleos essenciais presentes na casca de laranja – que apresentam ações antibacterianas e antimicrobianas e têm a função do proteger naturalmente o fruto contra pragas – inibem as ações dos microrganismos e por essa razão devem ser prévia, e pelo menos parcialmente, eliminados. Por essa razão, a primeira providência das pesquisadoras foi a extração desses óleos, submetendo o bagaço moído à passagem contínua de vapor aquecido. Esses óleos aromatizantes são usados em produtos cosméticos. Estes fatos levaram o Laboratório de Química Biológica, também, a pesquisar processos de maior eficiência para a extração desses óleos essenciais.

Segundo Almas, outra grande inovação introduzida no estudo foi a de isolar e identificar 20 microrganismos presentes no bagaço de laranja com vistas a testá-los no processo de fermentação, etapa em que destaca a contribuição da pesquisadora Junko Tsukamoto. Dois microrganismos do gênero Candida acabaram sendo utilizados por Almas em mono e co-culturas. Ela ressalta, ainda, que o trabalho aponta para a oportunidade de estudar a utilização desses microrganismos em processos de fermentação de outros tipos de biomassa.

Outro produto, a esperidina, foi ainda obtido em alta pureza do bagaço da laranja, constituindo 1,8% dele. Esse fitoterapêutico age sobre o sistema vascular, normalizando a circulação e aumentando a resistência dos vasos sanguíneos e, acredita-se, que possa ter também atividade quimioprotetora.

No momento, os dados relevantes da pesquisa estão sendo compilados e preparados para encaminhamento do pedido de patente.

Publicação

Tese: “Bagaço de laranja como biomassa para a produção de etanol-2G”
Autora: Almas Taj Awan 
Orientadora: Ljubica Tasic 
Unidade: Instituto de Química (IQ)

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