sábado, 28 de dezembro de 2013

Construindo conhecimento em saúde

Vinicius Zepeda


Reprodução 
A bulimia é um dos temas debatidos pelos estudantes

Uma jovem estudante, apesar de magra, se vê obcecada pela ideia do corpo perfeito. Ela se isola dos amigos, com a sensação de que todos riem dela, segue todas as dietas da moda e exagera no consumo de remédios para emagrecer, chegando a desmaiar. A história, perfeitamente comum nos dias de hoje, é a sinopse de um vídeo feito por estudantes do ensino médio de uma escola do município do Rio de Janeiro. O trabalho é resultado da pesquisa que investigou a percepção do conceito de saúde junto aos alunos de uma escola pública federal da cidade. Coordenado pela farmacêutica Marta Pimenta Velloso, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o estudo foi desenvolvido com apoio do programa de Auxílio à Pesquisa (APQ 1), da FAPERJ.

Como explica Marta Velloso, o estudo nasceu de um projeto anterior, desenvolvido na Universidade da Amazônia (Unama), sob a coordenação do professor e pesquisador Cláudio Rodrigues Cruz, e intitulado Observatório da Violência nas Escolas. Iniciativa conjunta com o Fundo das Nações Unidas pela Educação e Cultura (Unesco), o diagnóstico revelou que brigas, ameaças, armas e pichações, entre outras formas de violência presentes dentro e fora da escola, acabam por transformar o espaço escolar em algo totalmente diferente de seu propósito educativo. "A violência vem da sociedade como um todo e se reflete em todas as áreas e classes sociais", afirma. Foi então que a pesquisadora foi solicitada a fazer um estudo semelhante no Rio de Janeiro. "A escola, que deveria ser um lugar saudável, onde a identidade deve ser demarcada e desfrutada, acaba se tornando um espaço inóspito, de exclusão, em vez de inserção social", acrescenta.

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Em outro vídeo, jovem corre tanto para não se atrasar em encontro que até desmaia 

Mas até chegar a esse resultado, o projeto percorreu algumas etapas. "Para desenvolvermos nossa pesquisa, primeiro distribuímos um questionário aos jovens para ver o que eles pensavam sobre saúde e constatamos que entendiam o assunto apenas segundo a visão higienista de ausência de doenças, ou a associavam às condições físicas e sanitárias da escola – temperatura, alimentação e higiene", explica. Foi assim que a equipe percebeu a necessidade e a importância de desenvolver uma pesquisa ação. "Dessa forma, após uma análise prévia, realizamos uma intervenção entre os atores sociais envolvidos, como forma de ampliar seus conhecimentos." Ela conta que temas como estresse, obsessão pela beleza e perfeição do corpo, ansiedade e bullying, entre outros fatores, só foram colocados em discussão pelos estudantes depois de uma oficina realizada pela equipe de pesquisadores no colégio em que estudavam. "Queríamos que os debates servissem para que ampliassem sua visão de saúde", afirma a pesquisadora.

Outro ponto da pesquisa que mereceu uma observação mais detalhada por parte de Marta Velloso foi o que, segundo os jovens, a escola poderia fazer para melhorar a saúde dos alunos. Foram identificadas a necessidade de oferecer alimentos mais saudáveis na cantina da escola, de melhorias nas condições de higiene da cantina, de uma mudança no horário de recreio do ensino fundamental para que o barulho não atrapalhasse as aulas do ensino médio, e ainda a recomendação para que a enfermaria tivesse um registro de informações com os problemas mais frequentes que levam os alunos ao posto médico, podendo, dessa forma, detectar não apenas os problemas físicos, mas também as questões de estresse, por exemplo. Nas palavras dos próprios alunos, "resolvendo estas questões, nos sentiríamos mais respeitados e teríamos melhores condições de aprender aqui no colégio".

O projeto gerou outros dois vídeos. O primeiro aborda o estresse de um jovem às vésperas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que abre mão da vida social para estudar, mas apesar da excessiva dedicação, chega a pensar em suicídio, tamanha é sua tensão. O segundo fala sobre a ansiedade do estudante que não quer chegar atrasado para encontrar a namorada. Ele corre contra o tempo a tal ponto que, ao finalmente encontrá-la na praia, desmaia. "Essas histórias têm em comum o fato de associarem a pressão do cotidiano à questão da saúde", explica Marta. Reunidas em DVD, elas são parte integrante do livro escrito em conjunto com a socióloga Maria Beatriz Lisbôa Guimarães, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em que as duas descrevem a metodologia e o trabalho realizado durante a pesquisa.

No caso do primeiro vídeo citado, a autoimagem da estudante que anseia em ser magra, os alunos autores do vídeo também apontam o bullying como fator desencadeador da doença, no caso a bulimia e a anorexia. "A não aceitação no grupo e as brincadeiras agressivas podem levar o colega ao adoecimento. Disfunção alimentar é um tema de saúde; é o caso da mente influenciando a saúde física", concluíram os estudantes.

Divulgação
Marta agora espera expandir o projeto 

Eles também debatem a necessidade de projetos pedagógicos mais interdisciplinares, envolvendo os laços sociais entre os estudantes para uma melhor apreensão do conhecimento. "A escola não deve ter suas atividades limitadas. É preciso despertar o interesse dos alunos na saúde através de projetos de pesquisa, feiras de ciência e participação da família, que deve ser incentivada. Não se pode descartar o papel da família, importante como forma de construir a base para o desempenho escolar", afirmaram os alunos. Eles também sinalizam para a importância de campanhas educativas. "A escola deveria promover campanhas sobre doenças, vacinações, exames, limpeza, orientação sexual, saúde corporal e mental", complementaram.

No caso da história sobre o jovem estressado e deprimido com a proximidade do Enem, Marta destaca a riqueza do material elaborado pelos alunos e seus professores, em que a narrativa é intercalada por depoimentos reais de estudantes do terceiro ano do ensino médio. Ela destaca um depoimento que ilustra bem a temática: "...Um dos meninos entrevistados contou que emagreceu porque não comia, ficava somente estudando. O estresse afetou tanto sua saúde física quanto a emocional...", descreve a pesquisadora. E acrescenta: "A ideia da filmagem fictícia de um estudante sofrendo depressão com o vestibular tem muito mais a ver com relatos de estudantes, que se identificam facilmente com a situação."

Segundo Marta Velloso, os resultados da pesquisa foram muito além de suas expectativas. Ela agora espera ampliar o projeto. "Depois do sucesso desse estudo piloto, queremos conseguir um financiamento maior para que possamos estender esta pesquisa para toda a rede pública do estado do Rio de Janeiro", planeja. Se depender dos resultados já verificados até o momento, a ideia tem tudo para dar certo. E saúde e educação podem e devem caminhar juntas...

Data: 29.08.2013
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