quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Aliviando a dor crônica

Jornal da UNICAMP

Campinas, 09 de junho de 2014 a 22 de junho de 2014 – ANO 2014 – Nº 600

Ortopedista emprega técnica de acupuntura para avaliar processos inflamatórios em 46 pacientes

Edição de Imagens: Diana Melo
Muitas pessoas, hoje, que ainda não se submeteram à terapia das agulhas da acupuntura – criada há mais de dois mil anos – já não duvidam mais que elas estimulam pontos do corpo que ativam áreas cerebrais, trazendo maior irrigação sanguínea e liberação de substâncias que beneficiam o organismo como um todo. O tratamento consiste no diagnóstico e na aplicação de agulhas em determinados pontos do corpo, que se distribuem em especial sobre as linhas chamadas meridianos, reconhecidos pela medicina tradicional chinesa como canais que ligam a superfície do corpo com órgãos internos, com a função de transportar a energia através do corpo.

Uma pesquisa de mestrado desenvolvida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) conseguiu avaliar alterações decorrentes de processos inflamatórios nos meridianos de 46 pacientes com dor crônica atendidos no Ambulatório de Ortopedia do Complexo Hospitalar Ouro Verde, em Campinas. 

As alterações geraram fenômenos bioenergéticos que puderam ser captados e mensurados de forma segura por um equipamento eletrônico idealizado na Feec durante o estudo do ortopedista Maurício Argenton Sofiato, que empregou a técnica de Ion Pumping (em português bombeamento iônico) – proposta pelo cientista Yoshio Manaka. 

Maurício, orientado pela docente da Feec Vera Lúcia da Silveira Nantes Button, selecionou exclusivamente pacientes que apresentavam dor em um único membro do corpo, que podia ser superior ou inferior.

Ele comprovou vantagens na aplicação da técnica de Manaka, mas ao mesmo tempo observou que ainda pode levar algum tempo para chegar ao estágio de produzir um equipamento comercial com tecnologia nacional. Segundo o que apurou, será fundamental envolver nesta tarefa outros profissionais, como engenheiros e programadores, não somente médicos. 

“A ferramenta é barata e de simples aplicação”, garante. “Desenvolver um aparelho nacional seria muito bom porque poderia aprimorar a qualidade da acupuntura oferecida nos consultórios brasileiros e baratearia o tratamento pois, depois que a dor se torna crônica, fica muito difícil para o paciente”, repara. 

Na ortopedia, essa dor aparece mais associada aos membros e à coluna, podendo ter relação com patologias degenerativas. Entretanto, é um pouco precipitada a tendência de correlacioná-la exclusivamente com as atividades do trabalho, como tem sido sugerido, opina.

Dor crônica

Maurício ressalta que, quando atuava no Hospital Ouro Verde, a Prefeitura Municipal manifestou a preocupação de reduzir custos com dor crônica. Neste período, ele também começou a ver, em seu consultório, que pacientes com essa dor e sem possibilidades cirúrgicas melhoravam muito com a acupuntura. Decidiu fazer especialização em acupuntura e aplicar a técnica. 

Ao ler uma descrição de 1940, feita durante a Segunda Guerra Mundial por Manaka, averiguou que seus relatos mencionavam o tratamento da dor dos grandes queimados na guerra sem uso de medicamentos, já que naquele instante não havia outra opção.

Manaka usava a técnica de Ion Pumping, que ligava uma área doente a outra área sadia do mesmo paciente com as mesmas características energéticas. Ambas as áreas pertenciam ao mesmo meridiano. Com isso, o médico japonês inferia a possibilidade de transportar íons de um lado para o outro, obtendo sucesso no controle dos processos dolorosos. 

Essa técnica deveria se chamar bombeamento elétrico, já que os elétrons é que são conduzidos, não os íons. Os íons são partículas que não poderiam ser transferidas por um fio condutor. “Então imaginei que poderia tratar pacientes com dor crônica com tal técnica”, revela.

De acordo com o ortopedista, a dor crônica é um problema para o Brasil porque o seu portador geralmente sofre com o descrédito das pessoas. Também gera gastos governamentais excessivos. Em 2001, as despesas com dor crônica, decorrentes de benefícios previdenciários, suplantaram R$ 75 bilhões no país. 

Esse é um valor absurdo, critica ele. “Mas imagino que seja do interesse dos governos que esses pacientes tenham uma melhora, de preferência com tratamento de baixo custo.”

Um diodo, por exemplo, adotado no equipamento desenvolvido, custa centavos”, exemplifica. No mercado atual, um equipamento similar – que faça uma avaliação e um tratamento automático, porém baseado em outro sistema diagnóstico (de impedância da pele, por exemplo) – é comprado ao custo de US$ 11 mil a US$ 21 mil. É o caso do Eletrodermal Screening Device, o EDSD, de origem alemã.

Técnica

O Ion Pumping ainda é pouco explorado no Brasil e há poucos trabalhos disponíveis sobre o tema no mundo. Mais recentemente, o pesquisador Tetsuo Inada, um pouco antes de lançar um livro abordando essa técnica, presenteou o ortopedista com um exemplar. Maurício concluiu que realmente a grande vantagem da técnica é o seu baixo custo. 

Embora existam muitas críticas à acupuntura, porque são poucos os estudos comprovando a sua eficácia científica, essa técnica mostrou que realmente funciona, porque neste trabalho foi possível medir a diferença de potencial e ver a sua variação com o passar do tempo, durante a aplicação. 

Por outro lado, o mestrando reconhece que “a associação com a melhora do paciente foi o ponto mais complicado de sua dissertação, devido à complexidade dos métodos de avaliação e mensuração da dor crônica”.

O pesquisador conta que nessa técnica duas agulhas funcionam como eletrodos que permitem o “bombeamento” de elétrons através de um fio condutor, proporcionando o alívio da dor. 

Utilizando como complemento terapêutico apenas um diodo semicondutor, um fio elétrico e duas garrinhas, foi possível medir, de forma ágil e eficaz, a diferença de potencial entre dois eletrodos (agulhas de acupuntura) e perceber uma diminuição dessa diferença, ao mesmo tempo em que se verificava uma melhora clínica do paciente. As aplicações ocorreram semanalmente em cinco sessões.

O ortopedista não sugeriu modificações na técnica. O que fez, e que acabou sendo inédito, foi medir a diferença de potencial. “Quando a agulha é colocada dentro de uma solução, ela assume as características de um eletrodo. Então torna-se viável a medição da diferença de potencial em relação a duas substâncias diferentes”, explica. 

Da mesma forma, quando a agulha é introduzida na pele de um paciente, pode haver diferença de concentração de íons sódio e potássio. Essa variação de concentração gera uma diferença de potencial entre as regiões saudáveis e doentes pois, quando se avalia um tecido lesado, ocorre um extravasamento do íon potássio de dentro da célula. É essa diferença que gera a possibilidade de conduzir eletricidade através do fio de Manaka. 

Ao ligar os dois lados que têm uma diferença de potencial, elétrons são conduzidos do lado que tem mais para o lado que tem menos. Eles correm pelo fio e vão diminuindo a diferença de potencial, que é captada por um sistema que foi criado para a investigação de Maurício. A aplicação desta técnica não excede dez minutos semanais. Depois, os pacientes são acompanhados. 

O sistema é composto de um amplificador diferencial com ganho 10 (de dez vezes o valor dele), que gera um sinal que pode ser captado em qualquer multímetro comum, comprado em uma loja de material elétrico. 

O que isso representa? Que houve uma variação de diferença de potencial com a aplicação da técnica, pois essa diferença foi sendo reduzida. Os membros com dor e sem dor foram ficando “iguais”. 

A partir daí, o ortopedista empregou uma escala visual analógica (VAS) modificada, a qual é um parâmetro que permite mensurar a dor através de indicações que vão de nenhuma dor, leve, moderada, intensa a muito intensa. Com essa escala, o pesquisador investigou o paciente antes e após a aplicação da técnica em cada sessão, para verificar se houve melhora clínica, ou não, e se essa melhora era duradoura, ou não. 

Notou-se melhora dos pacientes. “Mas o que acontece é que na nossa amostra muitos eram dependentes do benefício previdenciário. Então tinham ‘medo’ de falar que melhoraram, uma vez que poderiam perder tal benefício, que muitas vezes era o que sustentava suas famílias.” 

E a melhor forma de se avaliar a dor, ressalta, seria o relato dos próprios pacientes. Contudo, Maurício afirma que não dá para acreditar 100% nos auto-registros de ausência de melhora, pois esses pacientes não desistiam do tratamento e livremente optavam por permanecer na pesquisa. Apenas uma pessoa desistiu, por não obter melhora.

Para que esse quadro mudasse, o médico acredita que a população do estudo deveria ser outra – que não dependesse dos benefícios previdenciários. “Isso porque é evidente que realizamos a medição, percebemos uma diminuição da diferença de potencial e verificamos uma melhora clínica do paciente”, enfatiza ele.

Agora, caberá a Maurício criar um modelo estatístico que permita correlacionar o grau da variação do sinal com a melhora clínica, iniciativa que deve ficar para o doutorado.

A presente investigação foi realizada em parceria com o Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento (LPD) e com o Laboratório de Ultrassom (LUS), ambos do Departamento de Engenharia Biomédica (DEB) da Feec. Também os pesquisadores de lá montaram o Amplificador Diferencial, que permitiu expandir o sinal e ter um registro da diferença de potencial no multímetro.

“A importância desse trabalho interdisciplinar é que esse conhecimento não faz parte da rotina médica. Se não fosse o Departamento de Engenharia Biomédica, não teríamos condições de desenvolver esse sistema”, reconhece Maurício, que atualmente trabalha em clínica privada e no serviço de saúde ocupacional da Prefeitura Municipal de Campinas.

Publicação

Dissertação: “Estudos das características elétricas dos meridianos e pontos de acupuntura: técnica de Manaka”
Autor: Maurício Argenton Sofiato
Orientadora: Vera Lúcia da Silveira Nantes Button
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec)

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