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06.02.2015
Vocês devem se lembrar do neurocientista Miguel Nicolelis — ele construiu o exoesqueleto controlado pela mente que permitiu a um homem com paralisia dar o chute inicial da Copa do Mundo de 2014. Em que ele trabalha atualmente? Na construção de meios para que duas mentes (de ratos e macacos, por enquanto) enviem mensagens de um cérebro para o outro. Assistam até o final para verem um experimento que ele diz ir “ao limite de sua imaginação”.
Em 12 de junho de 2014, exatamente às 15h33min numa agradável tarde de inverno em São Paulo, Brasil, uma tarde típica de inverno na América do Sul, este rapaz, este jovem que vocês veem aqui, comemorando, como se tivesse feito um gol, Juliano Pinto, de 29 anos, realizou uma façanha maravilhosa.
Apesar de ser paralítico e não ter qualquer sensibilidade do meio do peito aos dedos dos pés, consequência de um acidente de carro, seis anos atrás, que matou seu irmão e provocou a lesão completa da medula espinhal, que deixou Juliano em uma cadeira de rodas, Juliano superou suas dificuldades e naquele dia fez algo que as pessoas que o assistiam há seis anos julgavam ser impossível. Juliano Pinto deu o chute inicial da Copa do Mundo de Futebol de 2014, aqui no Brasil usando apenas o pensamento. Ele não podia movimentar seu corpo, mas podia imaginar os movimentos necessários para chutar uma bola. Ele era um atleta antes da lesão. Agora ele é um paratleta. Ele vai estar nos Jogos Paralímpicos, espero, dentro de dois anos. Mas o que a lesão da medula espinhal não roubou de Juliano foi a sua capacidade de sonhar. E naquela tarde ele sonhou, em um estádio com cerca de 75 mil pessoas e uma audiência de perto de um bilhão de espectadores de TV.
E aquele chute coroou, essencialmente, 30 anos de pesquisa básica estudando como o cérebro, como este maravilhoso universo que temos entre as orelhas que é somente comparável ao universo situado nas alturas porque ele tem cerca de 100 bilhões de elementos que se comunicam entre si por meio de descargas elétricas, aquilo que o Juliano realizou consumiu 30 anos para ser imaginado em laboratórios e cerca de 15 anos para planejar.
Quando John Chapin e eu, há 15 anos, propusemos em um trabalho que construiríamos algo a que chamamos interface cérebro-máquina isto é, a ligação entre um cérebro e dispositivos de modo que animais e humanos pudessem movimentar estes dispositivos, a qualquer distância de seus corpos, apenas imaginando o que eles desejariam fazer, nossos colegas nos disseram que precisávamos de ajuda profissional, de natureza psiquiátrica. Apesar disso, um escocês e um brasileiro perseveraram, porque foi assim que fomos educados em nossos respectivos países, e durante 12, 15 anos, fizemos demonstrações, uma atrás da outra, sugerindo que isto era possível.
E uma interface cérebro-máquina não é nada excepcional, é só pesquisa sobre o cérebro. Não passa do uso de sensores para ler as descargas elétricas que um cérebro produz para gerar comandos motores que devem ser transportados medula espinhal abaixo, por isso projetamos sensores capazes de ler centenas e agora milhares desses sinais cerebrais, simultaneamente, e extraímos destes sinais elétricos o planejamento motor que o cérebro cria para nos movermos pelo espaço ao redor. Assim fazendo, nós convertemos os sinais em comandos digitais que qualquer dispositivo seja mecânico, seja eletrônico ou até mesmo virtual, possa compreender de modo que o sujeito pode imaginar o que ele ou ela quer mover e o dispositivo obedece ao comando do cérebro. Conectando a esses dispositivos muitos tipos diferentes de sensores, como vocês verão logo a seguir, nós enviamos mensagens de volta ao cérebro para confirmar que o desejo motor voluntário estava sendo executado, não importa onde: próximo ao sujeito, na vizinhança, ou do outro lado do planeta. E quando a mensagem dava um feedback ao cérebro, a mente atingia seu objetivo: fazer-nos movimentar. Este é apenas um experimento que nós publicamos há alguns anos, no qual um macaco, sem mover seu corpo, aprendeu a controlar os movimentos de um braço avatar, um braço virtual que não existe. O que vocês estão ouvindo é o som do cérebro deste macaco enquanto explora três esferas diferentes, visualmente idênticas em um espaço virtual. Para receber uma recompensa, um pouco de suco de laranja que os macacos adoram, o animal tem de detectar, selecionar um dos objetos pelo tato, não pela visão, mas tocando-o, pois toda vez que a mão virtual toca um dos objetos, um pulso elétrico retorna ao cérebro do animal descrevendo a textura fina da superfície do objeto, e assim o animal pode decidir qual o objeto correto que ele deve pegar, e se ele o fizer, ele ganha uma recompensa sem mover um músculo. O almoço brasileiro perfeito: sem ter de mover um músculo e ganhar o suco de laranja.
Quando vimos isto acontecer, nós propusemos a ideia que publicamos há 15 anos. Nós republicamos o trabalho. Nós o tiramos da gaveta, e propusemos que talvez pudéssemos fazer um ser humano que é paralítico usar a interface cérebro-máquina para readquirir mobilidade. A ideia era que se vocês sofressem... e isso pode acontecer com qualquer um de nós. Deixe-me contar-lhes, é muito repentino. É um milissegundo em uma colisão, um acidente de automóvel que transforma sua vida completamente. Se vocês sofrerem uma lesão total da medula espinhal, não poderão se mover porque as descargas elétricas não chegarão aos seus músculos. Porém, as descargas elétricas continuam a ser geradas pela mente. Pacientes quadriplégicos, tetraplégicos sempre sonham que estão se movendo. Eles têm isso em suas mentes. O problema é como captar esse código e criar o movimento novamente.
O que nós propusemos foi: vamos criar um novo corpo. Vamos criar uma vestimenta robótica. Exatamente graças a isso, é que o Juliano pôde chutar aquela bola usando apenas o pensamento, porque trajava a primeira vestimenta robótica controlada pelo cérebro que pode ser usada por paraplégicos e tetraplégicos para que possam se mover e recuperar o feedback.
Essa era a ideia original, há 15 anos. O que vou mostrar a vocês é como 156 pessoas de 25 países dos cinco continentes desta linda Terra, mudaram suas vidas, deixaram suas patentes, deixaram os cães, esposas, filhos, escola, empregos, e se juntaram para vir ao Brasil por 18 meses para realmente realizar isto. Poucos anos depois de o Brasil ter sido escolhido para realizar a Copa do Mundo, soubemos que o governo brasileiro queria promover algo marcante na cerimônia de abertura no país que reinventou e aperfeiçoou o futebol, até enfrentarmos os alemães, claro. (Risos) Mas isso é outra palestra, com outro neurocientista. O que o Brasil desejava era mostrar um país completamente diferente, um país que valoriza a ciência e a tecnologia, e pode presentear milhões, 25 milhões de pessoas em todo o mundo que não podem mais se mover devido a uma lesão na medula espinhal. Bem, dirigimo-nos ao governo brasileiro e à FIFA e propusemos, que o chute inicial da Copa do Mundo de 2014 fosse dado por um paraplégico brasileiro usando um exoesqueleto controlado pelo cérebro que o possibilitaria chutar a bola e sentir o contato com ela. Eles nos olharam como se fôssemos completamente loucos, e disseram: “Tudo bem, vamos tentar.” Tínhamos 18 meses para fazer tudo, a partir do nada. Não tínhamos o exoesqueleto, não tínhamos pacientes, e nada havia sido feito. Essas pessoas se uniram e em 18 meses, conseguimos oito pacientes em uma rotina de treinamento e basicamente, a partir do nada, construímos este cara, a quem chamamos de Brasil-Santos Dumont 1. O primeiro exoesqueleto controlado pelo cérebro foi batizado em homenagem ao mais famoso cientista brasileiro, Alberto Santos Dumont, quem, em 19 de outubro de 1901, construiu e ele mesmo pilotou, em Paris, a primeira aeronave controlada, vista por milhões de pessoas, Desculpem, meus amigos americanos, Eu vivo na Carolina do Norte, mas isso aconteceu dois anos antes do voo dos Irmãos Wright na costa da Carolina do Norte. (Aplausos) O controle de voo é brasileiro. (Risos) Então junto com esse pessoal basicamente montamos este exoesqueleto, com 15 graus de liberdade, uma máquina hidráulica, que pode ser comandada por sinais do cérebro registrados por uma tecnologia não invasiva, chamada eletroencefalografia, que em síntese permite ao paciente imaginar seus movimentos e mandar seus comandos para os controles, os motores, e consegue realizá-los. O exoesqueleto foi recoberto com uma pele artificial inventada por Gordon Cheng, um dos meus melhores amigos, em Munique, para que as sensações do movimento das articulações e do pé ao tocar o chão pudessem ser enviadas de volta ao paciente por meio da vestimenta, uma camisa. É uma camisa inteligente dotada de elementos microvibrantes
que basicamente levam o feedback e enganam o cérebro do paciente ao criar uma sensação de que não é a máquina que o carrega, mas é ele que está andando novamente.
Então conseguimos fazer isto funcionar e o que veem aqui é um dos nossos pacientes, Bruno, andando pela primeira vez. Ele demora alguns segundos porque estamos ajustando tudo, e vocês verão uma luz azul na frente do capacete porque Bruno vai imaginar o movimento que deve ser executado, o computador irá analisá-lo Bruno vai autorizá-lo, e quando autorizado, o dispositivo começa a movimentar-se sob o comando do cérebro do Bruno. O dispositivo entendeu bem, e agora ele começa a andar. Depois de nove anos sem ser capaz de se mover, ele está andando sozinho. E mais do que isso... (Aplausos) mais do que simplesmente andar, ele está sentindo o chão, e se a velocidade do exoesqueleto aumentar, ele nos diz que está andando novamente nas areias de Santos, a praia que ele frequentava antes do acidente que sofreu. Isso é porque o cérebro cria uma nova sensação na mente do Bruno.
Então ele anda, e ao fim da caminhada… Eu já estou esgotando meu tempo... ele diz: “Sabe, pessoal, preciso pedir isso emprestado a vocês quando me casar, porque eu queria andar até o padre e ver minha noiva e estar ali por meus próprios meios.” É claro que ele o terá a hora que ele quiser.
Isso é o que queríamos ter mostrado durante a Copa do Mundo e não conseguimos, porque, por alguma razão misteriosa, a FIFA cortou sua transmissão na metade. O que vocês verão muito rapidamente é Juliano Pinto, no exoesqueleto, dar o chute poucos minutos antes do início da partida e o fez ao vivo, diante de toda a multidão, e as luzes que vocês verão descrevem a operação. Basicamente, as luzes azuis que pulsam indicam que o exoesqueleto está pronto, que ele pode receber pensamentos e enviar feedback, e quando Juliano tomar a decisão de chutar a bola, vocês vão ver duas linhas de luz verde e amarela que descem do capacete e vão até às pernas, que representam os comandos mentais recebidos pelo exoesqueleto para fazer aquilo acontecer. E basicamente em 13 segundos, Juliano realmente o fez. Vocês podem ver os comandos. Ele se prepara, a bola é colocada e ele chuta. A coisa mais surpreendente é: 10 segundos depois que o fez, olhou-nos do local de apresentação, e nos disse, comemorando como viram, “Eu senti a bola.” E isso não tem preço. (Aplausos)
Então, aonde isto vai dar? Eu tenho dois minutos para lhes contar que vai nos levar aos limites da nossa imaginação. A tecnologia por ação do cérebro chegou. Esta é a mais recente: Nós a publicamos há um ano, a primeira interface cérebro-cérebro que permite que dois animais troquem mensagens mentais de modo que um animal que vê algo vindo do meio ambiente possa enviar um SMS mental, um torpedo, um torpedo neurofisiológico, para o segundo animal, e o segundo animal executa o ato que ele precisava realizar sem nunca saber qual era a mensagem enviada pelo meio ambiente, porque a mensagem vinha do cérebro do primeiro animal.
Este é o primeiro demo. Serei bem rápido, pois desejo mostrar-lhes o mais recente. O que veem aqui é o primeiro rato receber a informação por uma luz que aparecerá à esquerda da gaiola que ele tem que pressionar o lado esquerdo da gaiola para receber a recompensa. Ele vai até lá e o faz. Ao mesmo tempo, ele manda uma mensagem mental para o segundo rato que não viu qualquer luz, e o segundo rato, em 70% das vezes irá pressionar a alavanca esquerda e receber a recompensa sem nunca ter experimentado a luz na retina.
Bem, isso foi levado a um limite mais elevado fazendo macacos colaborarem por meio de uma rede mental, basicamente para doar as atividades cerebrais e combiná-las para mover o braço virtual que lhes mostrei antes, e o que vocês veem aqui é a primeira vez que dois macacos combinam seus cérebros, sincronizam perfeitamente seus cérebros para conseguir mover o braço virtual. Um macaco controla a dimensão x, o outro macaco controla a dimensão y. Mas fica mais interessante quando três macacos são colocados ali e pede-se que um macaco controle x e y, o outro macaco controle y e z, e o terceiro controle x e z, e faz-se que todos juntos participem do jogo, movendo o braço em 3D até um alvo para receber o famoso suco de laranja brasileiro. E eles realmente o fazem. O ponto preto é a média de todos esse trabalho mental em paralelo, em tempo real. Essa é a definição de um computador biológico, que interage pela atividade cerebral e atinge um alvo motor.
Aonde isso vai dar? Não faço ideia. Somos apenas cientistas. (Risos) Somos pagos para sermos crianças, para essencialmente irmos ao limite e descobrir o que está ali. Mas sei de uma coisa: Um dia, dentro de poucas décadas, quando nossos netos surfarem a internet apenas com o pensamento, ou quando uma mãe doar sua visão a um filho autista que não pode enxergar, ou alguém falar devido a um atalho cérebro-cérebro, alguns de vocês lembrarão que tudo começou numa tarde de inverno num campo de futebol brasileiro com um chute impossível.
Obrigado.
(Aplausos)
Bruno Giussani: Miguel, obrigado por não ultrapassar o seu tempo. Na verdade eu lhe daria mais alguns minutos, porque há alguns pontos que eu gostaria de detalhar, parece claro que os cérebros devem ser conectados para saber aonde vamos. Então vamos todos nos conectar. Se eu entendi corretamente, um dos macacos recebe um sinal e o outro macaco reage àquele sinal porque o primeiro o recebe e transmite o impulso neurológico.
Miguel Nicolelis: Não, é um pouco diferente. Nenhum macaco sabe da existência dos outros dois. Eles recebem um feedback visual em 2D, mas eles devem realizar a tarefa em 3D. Eles têm que movimentar um braço em três dimensões. Mas cada macaco recebe apenas as duas dimensões na tela do vídeo que os macacos controlam. E para que isso seja feito, deve ter pelo menos dois macacos que sincronizem seus cérebros, mas o ideal é três. Descobrimos que quando um macaco começa a fazer corpo mole, os outros dois melhoram seus desempenhos para fazer o cara voltar a cooperar, de modo que há um ajuste dinâmico, mas a sintonia global continua a mesma. Agora, se não se informar aos macacos a dimensão que cada cérebro deve controlar, como este cara que controla x e y, mas que deveria estar controlando y e z, imediatamente, o cérebro do animal esquece as dimensões antigas e passa a se concentrar nas novas dimensões. Preciso dizer que não existe uma máquina de Turing, nenhum computador pode prever o que uma rede cerebral fará. Logo, absorveremos tecnologias como parte de nós. As tecnologias nunca irão nos absorver. É simplesmente impossível.
BG: Quantas vezes isso foi testado? E quantas vezes houve sucesso? Quantas vezes houve fracasso?
MN: Oh, dezenas de vezes. Com os três macacos? Oh, várias vezes. Eu não falaria disso aqui a menos que eu o tivesse feito algumas vezes. E esqueci de mencionar, devido ao tempo, que há apenas três semanas um grupo europeu demonstrou a primeira conexão cérebro humano-cérebro humano.
BG: E como é isso?
MN: Era só um bit de informação, mas as grandes ideias começam de modo tímido... basicamente, a atividade cerebral de um indivíduo foi transmitida a um segundo indivíduo, tudo por tecnologias não invasivas. O primeiro sujeito recebeu uma mensagem, como os ratos, uma mensagem visual, e a transmitiu ao segundo indivíduo. O segundo indivíduo recebeu um pulso magnético em seu córtex visual, ou um pulso diferente, dois pulsos diferentes. Em um pulso, o indivíduo via algo. No outro pulso, ele via algo diferente. E ele era capaz de indicar verbalmente qual era a mensagem que o primeiro sujeito mandara pela internet, entre continentes.
Moderador: Uau. Certo, é para onde estamos indo. Essa é a próxima Palestra TED na próxima conferência. Miguel Nicolelis, obrigado.
MN: Obrigado, Bruno. Obrigado.
Fonte: TED
[Visto no Brasil acadêmico]
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