Postado por FBSSAN - texto de Juliana Dias - 23 de Março de 2015
Fonte: http://goo.gl/0tqEKg
Crescemos com um repertório de gestos, saberes e sabores que são armazenados na memória. Esses conhecimentos culinários formam, desde a infância, a base de nosso material cultural, como aponta o antropólogo norte-americano Sidney Mintz. Segundo esse autor, a “bagagem gustativa”, acumulada ao longo da vida, nutre o comportamento alimentar, e nos liga diretamente à nossa identidade e ao sentido de nós mesmos.
A escritora carioca Heloísa Seixas, ao escrever sobre as memórias culinárias de sua mãe, conclui que não há muita diferença entre deixar como legado um registro artístico, um grande feito científico, uma escultura gigantesca que paire sobre uma cidade, ou um livro de receitas – desde que sejam capazes de, no futuro, comover pessoas. Esse olhar para os valores culturais e simbólicos, implícitos no ato de comer, levou a criação de instrumentos legais para valorizar a manutenção de certos modos de vida. Saberes, celebrações, formas de expressão, lugares passaram ser considerados tão importantes quanto a arquitetura das cidades, patrimônios de pedra e cal. É o que explica a historiadora Ana Cláudia Lima e Alves, especialista em Preservação Cultural. Desde 2000, o Brasil possui o Registro de Bens Culturais de Natureza Material e Imaterial (decreto nº 3.551), concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional (IPHAN). “É uma rede de fatos, relações que fazem a vida das pessoas. A comida é uma expressão da cultura. As panelas, o fogão e a cozinha coletiva são, antes de tudo, bens culturais”, destaca Ana.
De acordo com a historiadora, essas expressões culturais são também representativas da diversidade étnica e da formação do Brasil, e cabe ao poder público reconhecê-las, valorizá-las, promovê-las, com a colaboração da sociedade. Assim, ela considera que iniciativas como a campanha Comida é Patrimônio, lançada pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar (FBSSAN), são desejáveis e convergentes, pois “o registro é um instrumento importante, mas precisa ser melhor apropriado pela sociedade”. Segundo Ana, os bens registrados são amparados por uma política de salvaguarda do IPHAN que deve ser integrada com outras políticas públicas, como na área de Saúde, Educação, incluindo a atuação de Estados e municípios.
Na lista de patrimônios, constam o Ofício das baianas de Acarajé, na Bahia;o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, bairro de Vitória no Espírito Santo; a Feira de Caruaru, em Recife, Pernambuco; o Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas nas Regiões do Serro, da Serra da Canastra e do Salitre, em Minas Gerais; o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, na Amazônia; e a Produção Tradicional e Práticas Socioculturais Associadas à Cajuína no Piauí. Estes são bens de natureza dinâmica, frutos de processos históricos de construção de sociabilidades, formas de sobrevivência, de apropriação de recursos naturais e de relacionamento com o meio ambiente, conforme esclarece a pesquisadora.
“A culinária e a gastronomia, das formas mais simples às mais elaboradas, são parte da vida e da identidade cultural dos diferentes grupos sociais. No âmbito da política de preservação do Patrimônio Cultural e Imaterial, trata-se de reconhecer essas expressões como elemento constitutivo de redes de relações socioculturais em feiras e mercados, nos espaços de sociabilidade e redes de sentido das celebrações”, destaca. Assim, o registro consiste na produção de conhecimentos e documentação de todos os aspectos culturalmente relevantes da manifestação que se quer preservar. “Ninguém ama e preserva o que não conhece”, aponta Ana.
Salvaguarda de bens culturais
A ideia de comida como patrimônio começou a ser propagada a partir de 1989, com a Recomendação sobre Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, durante a 25ª reunião da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). A orientação foi dada aos países-membros, incluindo o Brasil, com o intuito de salvaguardar as manifestações culturais, caso das cozinhas regionais. No ano de 1996, é lançado, em Cuba, o projeto Turismo Cultural na América Latina e Caribe. O propósito era incentivar a urgência de desenvolver e aprofundar a reflexão sobre o patrimônio gastronômico regional, e destacar as receitas de cozinha como um bem cultural tão valioso quanto um monumento. Em 2003, foi promulgada a Convenção para a Salvaguarda de Patrimônio Imaterial.
O governo brasileiro ratificou essa convenção por meio do decreto nº 5.753, em abril de 2006, o qual define patrimônio imaterial como “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural".
Em âmbito internacional, desde 2010, a cozinha tradicional mexicana, a gastronomia francesa e a DIETA mediterrânea - que engloba o sistema culinário da Espanha, Marrocos, Grécia e Itália - passaram a integrar a lista representativa de Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO. O antropólogo carioca Raul Lody, que coordenou o projeto para solicitar o registro do ofício das baianas de acarajé (o primeiro no Brasil, em 2005), assegura que o foco da salvaguarda no instrumento legal por parte do Estado é, sem dúvida, a mais importante missão. É além da “diplomação” desses bens, pois toca em aspectos ideológicos, do direito cultural, da auto-estima, da cidadania, da democracia, entre outros muitos valores estimados em contextos globalizados. Em sua opinião, é uma legitimação de que comida é povo. Além da baiana, temos a tacacazeira (vendedora de tacacá), a tapioqueira (vendedora de tapioca), que representam o comer da rua, também marcado por territórios e representações.
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