Durante uma série de expedições científicas, realizadas entre 2011 e 2014 no estado do Amazonas, o pesquisador Ricardo Sampaio, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), descobriu vários grupos de sauins com cor diferenciada, mais avermelhada do que a das espécies vizinhas.
Após exaustiva investigação, juntamente com uma equipe de colegas da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e da Organização Não Governamental (ONG) Conservation International, chegou à conclusão de que se tratava de uma espécie que tinha ficado praticamente esquecida pela ciência por mais de 50 anos: o Leontocebus cruzlimai, ou sauim-vermelho, como é conhecido pelas comunidades locais. O resultado desta pesquisa acaba de ser publicada na edição de fevereiro da Primates, uma das revistas mais conceituadas do mundo na área de primatologia.
A redescoberta aumenta o total de espécies de primatas reconhecidas no Brasil, com 145 tipos, tornando o país campeão mundial em diversidade deste grupo animal. Segundo o biólogo Leandro Jerusalinsky, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB) do ICMBio, “esta redescoberta reforça a enorme diversidade de primatas que temos no Brasil e evidencia o quanto ainda temos que pesquisar para conhecer plenamente esta riqueza, até para poder proteger adequadamente todas essas espécies” explica.
Breve histórico
No início do século XX, o naturalista suíço-alemão Emilie Goeldi coletou um sauim-vermelho no alto rio Purus, localizado na região amazônica. Entretanto, ele não percebeu que se tratava de uma espécie nova e o classificou como sendo um indivíduo jovem de uma espécie já descrita. Depois, em 1945, o naturalista paraense Eládio da Cruz Lima, então curador do MPEG, publicou o importante livro Mamíferos da Amazônia, contendo uma ilustração daquele sauim-vermelho coletado por Goeldi. Infelizmente, as amostras (peles e ossos) daqueles sauins-vermelhos se perderam, dando início a um mistério científico.
Uma contribuição fundamental para a resolução deste quebra-cabeça foi dada pelo célebre mastozoólogo americano Philip Hershkovitz, que foi curador do Museu de História Natural de Chicago por mais de 50 anos, alguns deles vivendo na América do sul para coletar mamíferos. Na década de 1960, ele publicou um amplo trabalho de revisão sobre todos os sauins, indicando sabiamente que aquela ilustração no livro de Cruz Lima era um tipo de sauim ainda não conhecido pela ciência, pois indivíduos jovens destas espécies sempre têm a mesma coloração dos adultos. Em homenagem a Cruz Lima e seguindo a classificação científica vigente à época, Hershkovitz deu o nome científico de Saguinus fuscicollis cruzlimai para estes sauins.
Nova espécie
O mistério, porém, permanecia, já que essa descrição científica foi feita somente a partir de uma ilustração, e não se sabia detalhes da morfologia deste macaco, nem onde exatamente, no rio Purus, ele vivia. Por mais de 50 anos ninguém conseguiu encontrar esse animal, até que Ricardo Sampaio, coordenando inventários do projeto Primatas em Unidades de Conservação da Amazônia (PUCA), conseguiu realizar estes registros no sudoeste do estado do Amazonas.
O pesquisador Ricardo Sampaio conta que durante estes inventários, “encontramos uma população de sauins que se assemelhavam muito com a descrição de Saguinus fuscicollis crulimai feita por Hershkovitz, e coletando dados da história natural e amostras biológicas dessa população pudemos confirmar que realmente se tratava daquele táxon” destaca.
Além de realizar uma descrição mais detalhada sobre a morfologia e a história natural desses sauins, o grupo de pesquisadores também teve uma surpresa. “Comparando a morfologia e, principalmente, as características genéticas dessa população com a de outros sauins, concluímos que se tratava de uma espécie plena, e não de uma subespécie como ela tinha sido previamente descrita”, afirma Sampaio. Agora, com a publicação do artigo científico, o sauim-vermelho passa a ser classificado cientificamente como Leontocebus cruzlimai.
Confira o artigo publicado: http://link.springer.com/article/10.1007/s10329-015-0458-2
O sauim-vermelho
A espécie redescoberta ocorre entre os rios Juruá e Purus, provavelmente ao sul do rio Pauini (AM) e o limite sul de sua distribuição natural ainda é desconhecida. A sua pelagem distingue-se dos demais sauins por possuir uma coloração avermelhado-laranja na região das pernas, ombros, braços e cabeça. A cauda, pés e mãos são pretos e, como todos os sauins deste tipo, possui três faixas de cores nas costas.
O sauim-vermelho foi redescoberto em duas Unidades de Conservação Federais gerenciadas pelo ICMBio, a Floresta Nacional do Purus e a Reserva Extrativista Arapixi, localizadas, respectivamente, nos municípios de Pauini e Boca do Acre, sul do estado do Amazonas. Aparentemente a espécie não sofre grandes pressões, já que este primata não é caçado por moradores locais, e que as taxas de desmatamento naquela região são, até o presente momento, relativamente baixas.
Colaboração de Nara Souto, do ICMBio Nordeste.
Publicado no Portal EcoDebate, 20/03/2015
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