Campinas, 23 de março de 2015 a 29 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 6
Pesquisadora desenvolve, a partir de subproduto da fruta, queijo com propriedades probióticas
Texto: Carmo Gallo Netto
Fotos: Antoninho Perri
Edição de Imagens: Fábio Reis
A crescente demanda por alimentos funcionais tem impulsionado o mercado de produtos lácteos no Brasil, particularmente os oriundos de leites fermentados. São considerados alimentos funcionais aqueles que, além de garantirem a nutrição básica, promovem a saúde através de mecanismos não previstos na nutrição convencional, embora não curem doenças.
Nesse contexto, despertam particular atenção os chamados alimentos probióticos, assim chamados por receberem acréscimo de bactérias probióticas. De modo geral, essas bactérias podem agir no controle de infecções intestinais, estimular o trânsito intestinal, melhorar a absorção de nutrientes, auxiliar a digestão da lactose, contribuir para a redução dos níveis de colesterol, ativar a produção de anticorpos, além de possuírem efeitos anticarcinogênicos.
Em face desses benefícios, os alimentos acrescidos de bactérias probióticas despertam particular interesse dos consumidores e desencadeiam cada vez mais pesquisas por parte das indústrias alimentícias com vistas ao desenvolvimento de novos produtos e o prolongamento de suas vidas de prateleira. Neste particular a ausência de oxigênio é de fundamental importância para as culturas probióticas para que seja evitada a toxicidade e a morte dos micro-organismos e, consequentemente, a perda de funcionalidade do produto.
Em decorrência, o estresse oxidativo das bactérias probióticas representa uma grande preocupação da indústria desses alimentos. Para evitar a morte de tais micro-organismos e consequentemente a perda da funcionalidade do produto, a indústria de alimentos lança mão de compostos antioxidantes. Mas a preocupação crescente dos consumidores por produtos naturais, mais saudáveis, faz com que a utilização de antioxidantes obtidos naturalmente seja cada vez maior.
Estas constatações levaram a engenheira de alimentos Eliene Penha Rodrigues Pereira, orientada pelo professor José de Assis Fonseca Faria, do Departamento de Tecnologia de Alimentos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, e coorientada pelo professor Adriano Gomes da Cruz, a desenvolver pesquisa para avaliação do potencial do extrato da casca de jabuticaba como fonte natural de antioxidantes que, além de promover a redução do estresse oxidativo das bactérias probióticas, pode também trazer benefícios à saúde.
O estudo foi realizado em colaboração com o laboratório da professora Maria Angela de Almeida Meireles, do Departamento de Engenharia de Alimentos, cujo ex-aluno de doutorado Rodrigo Nunes Cavalcanti havia otimizado a extração e estudado a capacidade antioxidante do extrato da casca de jabuticaba isoladamente. A autora esclarece: “Em nosso trabalho preocupamo-nos em verificar a ação desse extrato na melhoria da vida de prateleira de um produto específico, acrescido de determinadas bactérias probióticas”.
Com efeito, a jabuticaba revela-se uma fonte promissora desses compostos, principalmente presentes em sua casca. O extrato sólido obtido da casca da fruta, de coloração que varia de roxa a preta, é rico em antocianinas e outros compostos fenólicos que, além de atuarem como antioxidantes, também possuem capacidade anti-inflamatória, atividade antimutagênica e anticancerígena. Isto mostra a importância do subproduto gerado a partir da potencial produção industrial de sucos, geleias, vinhos, licores e vinagres provenientes de jabuticaba, que apesar do amplo leque de possibilidades de utilização do fruto, é ainda pouco explorado em escala no Brasil.
O trabalho
O trabalho desenvolvido pela pesquisadora teve como objetivos produzir um queijo do tipo petit suisse probiótico, sem aditivos, com retenção de soro, e estudar a ação antioxidante do extrato da casca de jabuticaba a ele adicionado em comparação com a ação de antioxidantes tradicionalmente usados, como ácido ascórbico (vitamina C), cisteína e a enzima glicose oxidase. Foram adicionados ao petit suisse culturas probióticas de Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium lactis e extrato sólido da casca da jabuticaba em quantidade equivalente a 0,5% da massa total do produto.
Foram então realizadas contagens semanais da cultura láctica (Streptococcus thermophillus) e das culturas probióticas durante 28 dias, prazo considerado suficiente para que o queijo, sem aditivos, não apresentasse alterações de outras ordens. A esta avaliação microbiológica seguiram-se avaliações físico-química e sensorial do petit suisse probiótico contendo extrato de casca de jabuticaba.
Segundo a pesquisadora, os queijos são produtos favoráveis à incorporação de probióticos pois, além de altamente aceitos pelos consumidores, possuem características intrínsecas que favorecem a viabilidade das culturas probióticas, como baixa de acidez, umidade e gordura.
O extrato de jabuticaba mostrou-se bastante eficiente na manutenção da contagem das culturas das bactérias probióticas adicionadas ao petit suisse ao longo de 28 dias de estocagem refrigerada a 4°C. O produto apresentou também maior acidez e maior produção de ácidos orgânicos, o que pode estar relacionado, segundo a pesquisadora, à maior atividade antioxidante do extrato em relação aos demais antioxidantes – o ácido ascórbico, a cisteína e a glicose oxidase, utilizados em amostras analisadas para efeito comparativo – o que pode ter favorecido o metabolismo das culturas probióticas.
Outras constatações
As análises físico-químicas do queijo petit suisse produzido mostraram aumento do índice de acidez, maior taxa de proteólise, maior atividade antioxidante e produção de ácidos orgânicos ao final do período de estocagem. O produto adicionado do extrato de jabuticaba não apresentou diferença em relação aos demais tratamentos em que foram adicionados os outros oxidantes mencionados, mantendo-se estável, sem alterações na aparência e na textura.
A pesquisadora considera que as análises reológicas, que dizem respeito à consistência, às características físico-químicas e sensoriais constituem ferramentas essenciais para avaliar a qualidade e percepção do consumidor frente a um produto. A análise reológica do petit suisse produzido revelou amostras com características de gel fraco.
Nos testes sensoriais foi inserida uma amostra comercial a fim de compará-la com as produzidas. No teste de aceitação a amostra comercial obteve maiores notas em todos os quesitos, embora não fossem observadas diferenças significativas nos atributos aparência e textura. A amostra contendo extrato de jabuticaba foi bem avaliada quanto à impressão global e obteve uma elevada intenção de compra (83%) por parte dos consumidores, que demostraram um bom interesse nela. Porém, essa amostra, embora preparada com sabor morango, foi identificada como tendo sabor uva pelos provadores devido à sua coloração roxa determinada pelas antocianinas presentes na casca de jabuticaba.
Eliene considera que a composição química e o comportamento reológico da amostra contendo o extrato foram compatíveis com as composições tratadas com os outros antioxidantes utilizados. Ela acrescenta que, de modo geral, as amostras contendo os demais antioxidantes estudados também apresentaram bom desempenho tanto na prevenção do estresse oxidativo das bactérias probióticas quanto sensorialmente. Ressalta ainda que o extrato de jabuticaba obtido por extração com fluido supercrítico apresenta as vantagens de se constituir uma matéria-prima oriunda de um subproduto da indústria alimentícia e de resultar de uma técnica não poluente e segura de obtenção de compostos bioativos.
Mesmo diante de variações em relação aos produtos comerciais, como aumento da intensidade da cor e diminuição da textura, que passou a se assemelhar a de iogurte enquanto a dos produtos disponíveis é mais cremosa, os potenciais consumidores manifestaram-se favoravelmente ao produto principalmente pelas suas características naturais e pelos benefícios que possam advir das antocianinas. Junte-se a isso o fato de a utilização da casca de jabuticaba contribuir para a diminuição da geração de resíduos nos processos industriais.
Publicação
Tese: “Avaliação microbiológica, físico-química e sensorial de petit suisse probiótico contendo extrato de casca de jabuticaba”
Autora: Eliene Penha Rodrigues Pereira
Orientador: José de Assis Fonseca Faria
Coorientador: Adriano Gomes da Cruz
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Link:
Qdo teremos esta maravilha disponível no mercado?
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