Postado por Clarissa Pesente - Terça-feira, 14 de Abril de 2015
Fonte: http://goo.gl/aU8XSp
A descolonização da cultura alimentar foi tema proposto ao geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves para o evento Conhecer e Comer: caminhos para redescobrir a comida de verdade, que aconteceu no dia 24 de março, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Porto-Gonçalves o evento conduzindo os cerca de 800 participantes a refletirem sobre as causas da crise alimentar e a necessidade do diálogo de saberes. A cobertura desta palestra foi feita por Clarissa Pesente, que participou da terceira turma do curso de jornalismo gastronômico na Facha (Faculdades Integradas Helio Alonso) e foi uma das colaboradoras para a cobertura especial do site Malagueta.
Por uma descolonização do saber alimentar
O geógrafo e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carlos Walter Porto-Gonçalves em sua palestra “Descolonização da cultura alimentar”, trouxe uma reflexão acerca da importância do diálogo entre os diversos saberes. Segundo o professor, a crise alimentar pela qual passamos na atualidade é epistêmica e política, sendo resultado da imposição do conhecimento “tecnológico” aos conhecimentos tradicionais. Estaríamos vivendo um “fundamentalismo do novo”, onde o saber alimentar é colonizado pela tecnologia e transplantado para laboratórios.
Porto-Gonçalves nos recorda que não existe ser humano que não possua conhecimento; tampouco existe cultura alimentar sem que esse conhecimento humano transforme componentes da natureza em alimentos. Quando os europeus aqui chegaram, já encontraram culturas culinárias ricas e diversificadas, construídas ao longo da história do contato entre as populações locais e a natureza da qual faziam parte. Os saberes tradicionais – acerca dos alimentos e do ambiente – foram ninguniados, invisibilizados e colonizados pelos saberes europeus. O professor evoca Boaventura de Sousa Santos ao comentar que a pior herança de nossa colonização foi o desperdício da experiência humana.
Isso não quer dizer que as culturas alimentares tradicionais devam permanecer imutáveis, protegidas por uma redoma de vidro dos novos conhecimentos. O que Porto-Gonçalves propõe é que os saberes sejam dialógicos e não colonizadores, que se estabeleçam através de trocas de experiências e não de imposições. Mudança e adaptação são fundamentais – desde que não sejam forçadas – para a construção de “novas tradições”. Voltando ao exemplo da colonização brasileira, o prejudicial não teria sido o saber europeu em si, mas o eurocentrismo do saber.
O professor ressalta que a produção de conhecimento não é individual. O homem é aberto ao mundo exterior, é incompleto, não se basta, necessita de contato com a natureza e com seus semelhantes. O saber não seria apenas interdisciplinar (formado pelo contato entre as diversas áreas de conhecimento, como a biologia e a geografia), mas também intercultural, ao conjugar as mais diversas experiências humanas.
A preservação de nossa diversidade alimentar pode ser beneficiada por essa ampla bagagem de saberes que temos à disposição. Os conhecimentos científicos podem ajudar o homem a compreender o funcionamento da natureza e a aprimorar suas técnicas de produção e manipulação de alimentos. Já as experiências tradicionais podem nos ajudar a romper com o paradigma de que a natureza é inimiga do homem; de que ela deve ser domada através das novas técnicas – como o uso de pesticidas – para que o progresso aconteça. A mensagem que Porto-Gonçalves nos passa é que a qualidade de nossa alimentação depende de um diálogo constante entre os saberes e não a imposição violenta de um sobre o outro.
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