quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Agroecologia e pesquisa multiestratégica I, artigo de Roberto Naime

A agroecologia é um sistema de produção agrícola alternativa que busca a sustentabilidade da agricultura familiar resgatando práticas que permitam ao agricultor pobre produzir sem depender de insumos industriais como agrotóxicos, por exemplo. – Charge por Latuff, no Humor Político

[EcoDebate] As concepções de pesquisa multiestratégica de Hugh Lacey parecem ser a compatibilização da interação da ciência moderna com as formas tradicionais e informais de obtenção de conhecimento, que hegemonizam principalmente culturas que se apropriam de transmissões orais.

Seu objetivo e sua estrutura dependem do modelo da interação entre as atividades científicas e a partir de arranjos de interações entre as atividades científicas e os valores existenciais. Esta abordagem tem sido desenvolvido nos últimos anos por integrantes do Grupo de Pesquisa de Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia da Universidade de São Paulo (USP), no âmbito do projeto “Gênese e significado da tecnociência: das relações entre ciência, tecnologia e sociedade”.

Foram organizadas atividades para padronização dos modelos de interação entre as atividades científicas e os valores existenciais. E para ilustrar tanto a potencialidade de seus recursos conceituais críticos quanto sua capacidade de fornecer alternativas efetivas.

O dossiê, publicado em “Scientiae Studia” originalmente, contém artigos que consideram a ligação da ciência moderna com o controle da natureza e a reavaliação, ocasionada pela adoção de arranjos de interação entre as atividades científicas e os valores existenciais. Ou seja, da ideia da racionalidade da ciência, para uma consideração que valoriza todas as apropriações científicas.

Os arranjos de interação entre as atividades científicas e os valores existenciais são ferramentas relevantes para a crítica dos sistemas dominantes atuais e para identificar possibilidades alternativas e importantes da pesquisa que não estão recebendo o devido reconhecimento nas instituições científicas predominantes.

Existe uma soberba implícita no esboço do argumento de que há uma incoerência profunda no autoentendimento da tradição da ciência moderna, que não se permite a qualquer forma de questionamento supostamente racional.

Há uma descrição de dois tipos ideais contrastantes, a tecnociência comercialmente orientada e a pesquisa multiestratégica. Estes tipos caracterizam as principais opções atualmente disponíveis para preservar a continuidade do legado das realizações positivas da tradição científica Ou seja a chamada tecnociência comercial.

E ciência existencial e tradicional, valores e alternativas. A mente orientada predomina nas instituições científicas atualmente dominantes; mas a pesquisa multiestratégica satisfaz melhor os ideais, afirmados ao longo da tradição científica, de imparcialidade, neutralidade, abrangência e autonomia.

A predominância da tecnociência comercialmente orientada conduz ao fortalecimento dos valores do progresso tecnológico, bem como aos valores do capital e do mercado. E em grau importante, ao custo do enfraquecimento dos valores da justiça social, da democracia participativa e da sustentabilidade ambiental e local, enquanto a pesquisa multiestratégica pode servir para fortalecer esses valores.

Existem problemáticas que seguem da hegemonia da tecnociência comercialmente orientada nas instituições científicas contemporâneas, passíveis de óbvias constatações quando apresentadas e comparadas com uma concepção alternativa à inovação tecnocientífica, analisando o projetos desenvolvidos por arranjos de interações entre as atividades científicas e os valores existenciais que se expressam em tecnologias tradicionais e sociais.

É esta reflexão que foge a parâmetros lineares e cartesianos que se elabora quando se questiona os processos de evolução e seleção natural, meticulosamente abordado e descrito por Charles Darwin, que tem sido responsável ao logo dos tempos pelas modificações naturais dos seres vivos através de processos genéticos como mutações, interações gênicas e outros. Principalmente quando se abordam as relações fragmentárias e utilitaristas de biotecnologia e transgenia.

A biotecnologia tem exercido esta função de uma forma que requer reflexões e ponderações. É preciso ter consciência que não existe tecnologia sem risco. Pode nunca haver nenhum problema com tudo que está sendo realizado. Mas podem vir a existir em longo prazo. A filmografia hollywoodiana é pródiga em se inspirar nestas efemérides.

Como se referiu, pode ser que esta substituição dos mecanismos evolutivos naturais, em intervalo de tempo mais representativos, produzam efeitos inesperados e determinem cenários inimagináveis.

Cautela é uma consequência natural da falta de informações verídicas sobre os seus efeitos benéficos e maléficos em prazos longos. E sobre as dificuldades de efetivar simulações dentro de molduras realistas.

Sem estimular falso alarmismo e sem se tornar arauto de fábulas apocalípticas, o fato é que cada vez mais se precisa propiciar atitudes de humildade diante da complexidade da situação, para que as teorias do risco, tão propagadas por pensadores como Ulrich Beck e outros, permaneçam apenas como miragens possíveis, e não se materializem como em cenários sombrios.

Mesmo que não se apregoe qualquer restrição às evoluções científicas, não custa nada refletir com todas as partes interessadas que é preciso ter um pouco de humildade nas atitudes.
Interferir na seleção natural, sem compreender todas as relações implícitas ou explícitas, e não lineares ou cartesianas da homeostase dos ecossistemas, seja estes ecossistemas englobando toda a terra ou um fragmento considerado, parece um pouco pretensioso na atual fase de conhecimentos da civilização humana.

Alterações genéticas para tornar plantas e animais mais resistentes e, com isso, aumentar a produtividade de plantações e criações, é claro que são sempre bem-vindas. Mas com os devidos cuidados da prevenção e precaução. Para não tornar o mundo pior involuntariamente. Para não tornar realidade a prolífica imaginação hollywoodiana, que é fértil em exemplos bizarros.

A utilização das técnicas transgênicas permite que ocorram inclusive alterações da bioquímica e do próprio balanço hormonal do organismo transgênico, com consequências não conhecidas.

As concepções de Hugh Lacey exploram a visão positiva fornecida pela pesquisa multiestratégica nas áreas da agroecologia, da saúde pública e da interação da ciência moderna com maneiras tradicionais e indígenas de obter conhecimento, particularmente quanto à sustentabilidade e ao manejo florestal.

A promessa da pesquisa multiestratégica não se limita apenas a essas áreas, mas pode motivar investigações em áreas tais como comunicação, informática, energia, transporte, conservação e uso da água. O conjunto de abordagens que tem sido realizadas faz parte das tentativas de fornecer uma firme sustentação filosófica e metodológica para a pesquisa multiestratégica.

Com ilustrações de seu potencial e de sua agenda positiva, contribuindo com os críticos da tecnociência comercialmente orientada. A partir dos arranjos de interações entre as atividades científicas e os valores existenciais, mostrando a plausibilidade e a promessa da pesquisa multiestratégica em várias áreas.

É evidente que mais pesquisa multiestratégica precisa ser conduzida para contribuir para a consolidação de alternativas mais conformes com os valores da justiça social, de democracia participativa e de sustentabilidade ambiental.

Referências:

LACEY, Hugh. Estudos avançados 28 (82), 2014 Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.

LACEY, Hugh. A controvérsia sobre os transgênicos: questões científicas e éticas. Aparecida: Ideias e Letras, 2006.

LACEY, Hugh. Valores e a atividade científica 2. São Paulo: Associação Filosófica Scientiae Studia; Editora 34, 2010.

LACEY, Hugh. Pluralismo metodológico, incomensurabilidade, e o status científico do conhecimento tradicional. Scientiae Studia, v.10, n.3, p.425-53, 2012.

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Celebração da vida [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

in EcoDebate, 17/12/2015
"Agroecologia e pesquisa multiestratégica I, artigo de Roberto Naime," in Portal EcoDebate, 17/12/2015, http://www.ecodebate.com.br/2015/12/17/agroecologia-e-pesquisa-multiestrategica-i-artigo-de-roberto-naime/.

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