A modéstia permeia as declarações
da engenheira agrônoma Ana Primavesi quando ela se refere ao One World Award - o principal prêmio da
agricultura orgânica mundial, conferido pela International Federation of Organic Agriculture Movements (Ifoam). Neste ano, foi ela a escolhida
para receber a homenagem, na Alemanha.
"Eles distribuem o
prêmio entre os vários continentes. Agora, foi a vez da América do Sul",
comenta uma das precursoras do movimento orgânico no Brasil. "Estão me
premiando por toda parte... Não sei para que isso", acrescenta, quase
encabulada.
E ouve, em seguida, que a
homenagem que receberá no dia 14 de setembro, com a participação de mais de mil
pessoas, entre elas a vencedora do prêmio Nobel Alternativo da Paz, a indiana
Vandana Shiva, é mais do que merecida, pelo trabalho que vem fazendo, há 65
anos, pela agricultura ecológica, auxiliando lavradores a tornarem suas terras
produtivas e limpas, em harmonia com o ambiente, eliminando o uso de
agrotóxicos e adubos químicos.
"Pois é... Pelo
jeito...", sorri Ana Primavesi, que arremata: "Dizem que eu inventei
a agricultura orgânica. Conscientemente, não. A gente sempre trabalhou dessa
forma".
Impactos positivos
Instituído em 2008, o One World Award é conferido a cada dois
anos a ativistas da agricultura orgânica no mundo. São pessoas cujo trabalho
impacte positivamente a vida dos produtores rurais.
Em 2008, quem ganhou o prêmio foi
o veterinário e professor alemão Engelhard Boehncke, por suas práticas e
estudos em relação à criação orgânica de animais. Há dois anos, foi a vez do
indiano pioneiro em agricultura orgânica Bhaskar Salvar, que, logo no início da
década de 1950, contrapôs-se à
Revolução Verde - que inaugurou o
uso de adubos sintéticos e agrotóxicos nas lavouras -, ensinando agroecologia
aos produtores, com o uso de fertilizantes orgânicos, a manutenção da vida no
solo e o fortalecimento das plantas por meio de um ambiente equilibrado.
Neste ano, Ana Primavesi será a
agraciada. Aos 92 anos, austríaca naturalizada brasileira, formada pela
Universidade Rural de Viena, é Ph.D. em Ciências Agronômicas e especializada em
vida dos solos. Publicou vários artigos científicos e livros sobre o assunto,
mas um deles, Manejo Ecológico do Solo (Editora Nobel, 552 páginas, reeditado
mais de 20 vezes), é uma das bíblias da produção orgânica e leitura obrigatória
nas faculdades de Agronomia do País.
A obra é citada no livro Plantas
Doentes pelo Uso de Agrotóxicos, de Francis Chaboussou, no qual prova que
pragas e doenças não atacam plantas cujos sistemas estejam equilibrados. E que
são os adubos químicos e os agrotóxicos que atraem os parasitas, gerando um
ciclo de dependência, com nefastas consequências para o planeta.
Preservação
Desde 1947, quando iniciou
sua vida profissional, e por meio de aulas na Universidade Federal de Santa
Maria (RS), Ana Primavesi vem batendo na tecla da preservação da vida no solo.
Em aulas, palestras, conferências, debates, assistências técnicas diretas aos
produtores rurais e a suas associações, a engenheira agrônoma repete frases que
se tornaram mantras.
E quem as coloca em prática
vê os resultados na produção, na preservação e na saúde de quem planta e de
quem consome os alimentos agroecológicos: "O segredo da vida é o solo,
porque do solo dependem as plantas, a água, o clima e nossa vida. Tudo está
interligado. Não existe ser humano sadio se o solo não for sadio e as plantas,
nutridas."
Observação
Tanto que a primeira coisa
que ensina aos agricultores que a procuram é olhar para a terra. "Se o
solo tem uma boa estrutura, o agricultor tem grande chance de modificá-lo e
convertê-lo para a agricultura orgânica", diz. "Terra com boa estrutura
forma grumos, que nada mais são que o entrelaçamento de microrganismos que
conferem vida ao solo e saúde às plantas, além de permitirem a infiltração da
água. Em solos compactados e sem vida, água vira enxurrada e provoca
erosão."
Ana Primavesi lembra que
uma planta precisa de no mínimo 45 nutrientes para se desenvolver e produzir de
forma saudável. "A agricultura convencional dá, no máximo, 15 desses
nutrientes para as plantas. E nem sempre esses 15 nutrientes são integralmente
ministrados às lavouras convencionais", diz.
O resultado são plantas
deficientes nutricionalmente e frágeis aos ataques de pragas e doenças,
dependentes, portanto, do uso de agrotóxicos.
É justamente a maneira de
devolver esses nutrientes ao solo que Ana Primavesi ensina aos agricultores.
Ela lembra de agricultores na cidade de Diamantina, em Minas Gerais, que há
cerca de 15 anos a procuraram porque já não conseguiam produzir com o pacote
convencional.
"Eles estavam a
desanimados, quase falindo, porque a cada ano a terra respondia menos às
adubações", conta. "Começamos a melhorar o solo e a qualidade dos
nutrientes, passando a aplicar adubações orgânicas", continua.
"Demorou uns quatro a cinco anos, mas agora eles produzem com fartura. Há
uns anos voltei lá e vi como estavam felizes com a produção orgânica",
conta Ana, ressaltando que a recompensa sempre vem. "O problema é que ela
não é rápida, e muitos desistem." As informações são do jornal O Estado de
S. Paulo.
http://www.dgabc.com.br/News/5970287/pioneira-da-agroecologia-recebera-premio-mundial.aspx
Com 92 anos e ainda na ativa? Que beleza. Parabéns à ela. Que essa premiação possa repercutir mais aqui dentro do que no exterior. E que sirva de incentivo àqueles que ainda estão em dúvida sobre a agricultura orgânica.
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