A espinheira-santa é velha conhecida dos brasileiros no
combate aos problemas do sistema digestivo. Agora, novos estudos dão indícios
de que ela também ajuda a baixar a pressão arterial e tem ação diurética
Seu nome científico é Maytenus ilicifolia, mas a planta
foi rebatizada pela população por causa da aparência de suas folhas, que têm a
borda serrilhada, e por ser considerada um santo remédio para diversos males. E
não é de hoje que os atributos desse arbusto são conhecidos. Índios já o
utilizavam há centenas de anos para combater alguns tipos de tumores. Até hoje
ela vem fazendo muito sucesso na medicina popular, conhecida por teração
diurética, analgésica, antisséptica, regularizadora das funções hepáticas,
antibiótica,entre outras. Mas é como uma arma poderosa para combater problemas
estomacais que a espinheira-santa é mais famosa. E a ciência tem mostrado que
toda essa reputação é mais do que merecida.
Hoje, sua ação benéfica é reconhecida até mesmo pelo Ministério
da Saúde, que apontou a planta como um produto mais eficaz do que a ranitidina
e a cimetidina, medicamentos muito usados no tratamento de desordens gástricas.
Além disso, diversos estudos comprovaram que o vegetal é extremamente seguro e
apresenta menos efeitos nocivos e interações medicamentosas do que as drogas
comuns. “Ele é isento de reações adversas sérias”, afirma o médico Roberto
Boorhem, presidente da Associação Brasileira de Fitoterapia. Além disso, poucas
são as pessoas que não podem se beneficiar de seus efeitos terapêuticos. “A
espinheira-santa só é contra-indicada para as crianças menores de 6 anos, as
grávidas e as mulheres que estão amamentando, pois ela reduz a fabricação do
leite”, acrescenta a homeopata e gastroenterologista Anna Jeanette Berezin
Stelzer, de São Paulo. Desde 2007, ela vem sendo usada pelo Sistema Único de
Saúde, o SUS, como medicamento fitoterápico no tratamento de úlceras, gastrites
e azia.
Um dos trabalhos que comprovaram a força da espinheira-santa no
combate a problemas do estômago foi realizado pelo pesquisador Thales Ricardo
Cipriani, do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Paraná.
“Na minha tese, avaliei o efeito gastroprotetor de uma substância encontrada no
vegetal chamada arabinogalactana, que foi isolada a partir da infusão das suas
folhas e testada em ratos”, conta Cipriani. “E ela se mostrou bastante eficaz
na prevenção de lesões gástricas ao ser administrada antes de agentes
agressores, no caso o etanol, o álcool encontrado nas bebidas”.
De acordo com o pesquisador, alguns possíveis mecanismos de
ação da arabinogalactana são a sua habilidade de se ligar à superfície da
mucosa (atuando como uma camada protetora), estimular a secreção do muco
encontrado naturalmente no estômago (e que tem a missão de proteger o órgão)
e/ou modular o sistema antioxidante. “A planta também é indicada no tratamento
da dispepsia não-ulcerosa, doença que tem sintomas semelhantes aos da úlcera
gástrica, mas que não provoca lesões nas paredes do estômago”, conta.
Outros diversos estudos, realizados inclusive com seres
humanos, não deixam mais dúvidas dos efeitos benéficos da Maytenus ilicifolia
sobre o sistema digestivo. “Já foi comprovado que ela reduz a acidez estomacal,
pois inibe uma das partes das bombas que soltam ácido clorídrico durante a
digestão, evitando que a substância prejudique as paredes do estômago”, explica
a Anna Jeanette Berezin Stelzer. “A capacidade de aumentar a produção de
mucina, a secreção gástrica em forma de gel que recobre as paredes do estômago
protegendo-as contra a ação do ácido clorídrico, e a ação antioxidante também
já foram demonstradas”, acrescenta Roberto Boorhem. E é exatamente por isso que
agora cientistas como Thales Ricardo Cipriani tentam descobrir qual é o
princípio ativo que tem essa qualidade.
O fato de reduzir a acidez estomacal e aumentar a proteção
da mucosa por si só favorece a melhora de feridas que já tenham se formado nas
paredes do órgão. “Assim, como há menos fatores agressivos, a lesão consegue se
refazer com mais facilidade”, explica Anna Jeanette. “Mas ainda não existem
trabalhos que comprovem que o vegetal atua diretamente na cura de uma úlcera já
existente”, afirma Cipriani. Entretanto, suspeita-se que os taninos presentes
na espinheira-santa possam ter esse papel. Essa substância é encontrada em
várias plantas e, quando elas ainda não estão maduras, os taninos atuam como
instrumento de defesa. Isso porque, quando um predador começa a ingerir as
folhas e frutos verdes, eles são liberados e, por possuírem um sabor muito
amargo, provocam repugnância. São os taninos que fazem com que o chá da
espinheira tenha gosto adstringente. “Eles são conhecidos pela atuação no
processo de cicatrização, pois formam um revestimento que favorece a
regeneração dos tecidos lesionados”, conta Cipriani. “É exatamente por causa
dessa ação que se acredita que eles possam atuar no processo de cura das
úlceras gástricas”, afirma o pesquisador.
PRESSÃO SOB CONTROLE
Não é só para trazer alívio para quem sofre com azia,
gastrite e úlcera que a espinheira-santa tem sido estudada. Outro trabalho
realizado na Universidade Federal do Paraná pela bióloga Sandra Crestani
revelou que a planta é capaz de reduzir a pressão arterial. O efeito
vasorrelaxante de substâncias contidas no vegetal já tinha sido comprovado in
vitro por outra pesquisadora e, por isso, Sandra decidiu testá-lo em animais.
“O trabalho foi feito em ratos que apresentavam pressão sanguínea normal
utilizando compostos das folhas da Maytenus ilicifolia”, conta. “A escolha das
folhas se deu pelo fato de elas serem as mais comumentes usadas pela
população”, explica a pesquisadora. As frações do vegetal utilizadas no
experimento foram obtidas com o auxílio de solventes e deram origem a quatro
amostras com diferentes graus de pureza. Elas foram aplicadas por via
intravenosa, ou seja, diretamente nos vasos dos animais, para garantir uma
absorção mais rápida. Segundo a bióloga, todas produziram o mesmo efeito nos
ratinhos e, por isso, ficou difícil identificar quais são os compostos que, de
fato, relaxam os vasos. Nas amostras estudadas foram encontrados taninos,
flavonóides, fenóis, aminas e alcaloides.
Apesar de Sandra não ter chegado ao composto ou compostos
específicos possam ter ação hipotensora, foi possível notar que eles agem de
maneira semelhante à nitroglicerina, droga usada clinicamente com a mesma
finalidade. “Isso significa que, quando são absorvidas pelo organismo, as
substâncias estimulam a produção de óxido nítrico pelas células endotelias,
aquelas localizadas nas paredes internas dos vasos sanguíneos”, explica Sandra.
Esse gás acaba chegando até as células musculares que circulam nos vasos,
promovendo a dilatação de ambos e, por tabela, facilitando o fluxo de sangue e
promovendo a queda da pressão arterial.
Apesar dos resultados animadores obtidos pela pesquisadora,
ela acredita que são necessários outros trabalhos para que a espinheira-santa
seja indicada com esse objetivo em humanos. Sandra continua estudando a
Maytenus ilicifolia, mas agora investiga seu efeito sobre os rins e sua
capacidade de aumentar o volume urinário. “Já avaliamos esse tipo de ação em
roedores e os resultados preliminares sugeriram que a planta realmente tem uma
ação diurética significativa. No entanto, precisamos de mais trabalhos para que
tenhamos condições de utilizá-la clinicamente para esse fim.”
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