terça-feira, 7 de agosto de 2012

O espinho que não fere, cura (Revista Herbarium)

Texto: Thais Szegö, de São Paulo |6 de agosto de 2012

A espinheira-santa é velha conhecida dos brasileiros no combate aos problemas do sistema digestivo. Agora, novos estudos dão indícios de que ela também ajuda a baixar a pressão arterial e tem ação diurética

Seu nome científico é Maytenus ilicifolia, mas a planta foi rebatizada pela população por causa da aparência de suas folhas, que têm a borda serrilhada, e por ser considerada um santo remédio para diversos males. E não é de hoje que os atributos desse arbusto são conhecidos. Índios já o utilizavam há centenas de anos para combater alguns tipos de tumores. Até hoje ela vem fazendo muito sucesso na medicina popular, conhecida por teração diurética, analgésica, antisséptica, regularizadora das funções hepáticas, antibiótica,entre outras. Mas é como uma arma poderosa para combater problemas estomacais que a espinheira-santa é mais famosa. E a ciência tem mostrado que toda essa reputação é mais do que merecida.

Hoje, sua ação benéfica é reconhecida até mesmo pelo Ministério da Saúde, que apontou a planta como um produto mais eficaz do que a ranitidina e a cimetidina, medicamentos muito usados no tratamento de desordens gástricas. Além disso, diversos estudos comprovaram que o vegetal é extremamente seguro e apresenta menos efeitos nocivos e interações medicamentosas do que as drogas comuns. “Ele é isento de reações adversas sérias”, afirma o médico Roberto Boorhem, presidente da Associação Brasileira de Fitoterapia. Além disso, poucas são as pessoas que não podem se beneficiar de seus efeitos terapêuticos. “A espinheira-santa só é contra-indicada para as crianças menores de 6 anos, as grávidas e as mulheres que estão amamentando, pois ela reduz a fabricação do leite”, acrescenta a homeopata e gastroenterologista Anna Jeanette Berezin Stelzer, de São Paulo. Desde 2007, ela vem sendo usada pelo Sistema Único de Saúde, o SUS, como medicamento fitoterápico no tratamento de úlceras, gastrites e azia.

Um dos trabalhos que comprovaram a força da espinheira-santa no combate a problemas do estômago foi realizado pelo pesquisador Thales Ricardo Cipriani, do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Paraná. “Na minha tese, avaliei o efeito gastroprotetor de uma substância encontrada no vegetal chamada arabinogalactana, que foi isolada a partir da infusão das suas folhas e testada em ratos”, conta Cipriani. “E ela se mostrou bastante eficaz na prevenção de lesões gástricas ao ser administrada antes de agentes agressores, no caso o etanol, o álcool encontrado nas bebidas”.

De acordo com o pesquisador, alguns possíveis mecanismos de ação da arabinogalactana são a sua habilidade de se ligar à superfície da mucosa (atuando como uma camada protetora), estimular a secreção do muco encontrado naturalmente no estômago (e que tem a missão de proteger o órgão) e/ou modular o sistema antioxidante. “A planta também é indicada no tratamento da dispepsia não-ulcerosa, doença que tem sintomas semelhantes aos da úlcera gástrica, mas que não provoca lesões nas paredes do estômago”, conta.

Outros diversos estudos, realizados inclusive com seres humanos, não deixam mais dúvidas dos efeitos benéficos da Maytenus ilicifolia sobre o sistema digestivo. “Já foi comprovado que ela reduz a acidez estomacal, pois inibe uma das partes das bombas que soltam ácido clorídrico durante a digestão, evitando que a substância prejudique as paredes do estômago”, explica a Anna Jeanette Berezin Stelzer. “A capacidade de aumentar a produção de mucina, a secreção gástrica em forma de gel que recobre as paredes do estômago protegendo-as contra a ação do ácido clorídrico, e a ação antioxidante também já foram demonstradas”, acrescenta Roberto Boorhem. E é exatamente por isso que agora cientistas como Thales Ricardo Cipriani tentam descobrir qual é o princípio ativo que tem essa qualidade.

O fato de reduzir a acidez estomacal e aumentar a proteção da mucosa por si só favorece a melhora de feridas que já tenham se formado nas paredes do órgão. “Assim, como há menos fatores agressivos, a lesão consegue se refazer com mais facilidade”, explica Anna Jeanette. “Mas ainda não existem trabalhos que comprovem que o vegetal atua diretamente na cura de uma úlcera já existente”, afirma Cipriani. Entretanto, suspeita-se que os taninos presentes na espinheira-santa possam ter esse papel. Essa substância é encontrada em várias plantas e, quando elas ainda não estão maduras, os taninos atuam como instrumento de defesa. Isso porque, quando um predador começa a ingerir as folhas e frutos verdes, eles são liberados e, por possuírem um sabor muito amargo, provocam repugnância. São os taninos que fazem com que o chá da espinheira tenha gosto adstringente. “Eles são conhecidos pela atuação no processo de cicatrização, pois formam um revestimento que favorece a regeneração dos tecidos lesionados”, conta Cipriani. “É exatamente por causa dessa ação que se acredita que eles possam atuar no processo de cura das úlceras gástricas”, afirma o pesquisador.

PRESSÃO SOB CONTROLE

Não é só para trazer alívio para quem sofre com azia, gastrite e úlcera que a espinheira-santa tem sido estudada. Outro trabalho realizado na Universidade Federal do Paraná pela bióloga Sandra Crestani revelou que a planta é capaz de reduzir a pressão arterial. O efeito vasorrelaxante de substâncias contidas no vegetal já tinha sido comprovado in vitro por outra pesquisadora e, por isso, Sandra decidiu testá-lo em animais. “O trabalho foi feito em ratos que apresentavam pressão sanguínea normal utilizando compostos das folhas da Maytenus ilicifolia”, conta. “A escolha das folhas se deu pelo fato de elas serem as mais comumentes usadas pela população”, explica a pesquisadora. As frações do vegetal utilizadas no experimento foram obtidas com o auxílio de solventes e deram origem a quatro amostras com diferentes graus de pureza. Elas foram aplicadas por via intravenosa, ou seja, diretamente nos vasos dos animais, para garantir uma absorção mais rápida. Segundo a bióloga, todas produziram o mesmo efeito nos ratinhos e, por isso, ficou difícil identificar quais são os compostos que, de fato, relaxam os vasos. Nas amostras estudadas foram encontrados taninos, flavonóides, fenóis, aminas e alcaloides.

Apesar de Sandra não ter chegado ao composto ou compostos específicos possam ter ação hipotensora, foi possível notar que eles agem de maneira semelhante à nitroglicerina, droga usada clinicamente com a mesma finalidade. “Isso significa que, quando são absorvidas pelo organismo, as substâncias estimulam a produção de óxido nítrico pelas células endotelias, aquelas localizadas nas paredes internas dos vasos sanguíneos”, explica Sandra. Esse gás acaba chegando até as células musculares que circulam nos vasos, promovendo a dilatação de ambos e, por tabela, facilitando o fluxo de sangue e promovendo a queda da pressão arterial.

Apesar dos resultados animadores obtidos pela pesquisadora, ela acredita que são necessários outros trabalhos para que a espinheira-santa seja indicada com esse objetivo em humanos. Sandra continua estudando a Maytenus ilicifolia, mas agora investiga seu efeito sobre os rins e sua capacidade de aumentar o volume urinário. “Já avaliamos esse tipo de ação em roedores e os resultados preliminares sugeriram que a planta realmente tem uma ação diurética significativa. No entanto, precisamos de mais trabalhos para que tenhamos condições de utilizá-la clinicamente para esse fim.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário