segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Fármaco para emagrecer pode provocar síndrome, aponta estudo

Dissertação demonstra que medicamento pode alterar perfil de ácidos graxos no organismo

Edição de Imagens: Everaldo Silva
O fármaco orlistate, o mesmo princípio ativo do xenical ou alli, indicado no tratamento da obesidade (que hoje atinge a casa dos 30% na população mundial), provou que pode alterar o perfil de ácidos graxos do organismo humano e que, em longo prazo, pode levar a uma síndrome caracterizada por esta deficiência. Foi o que apontou uma pesquisa de mestrado realizada no Instituto de Química (IQ), de autoria de Thiago Inácio Barros Lopes. O estudo, que envolveu 20 mulheres atendidas no Laboratório de Pesquisa em Metabolismo e Diabetes (Limed) do Gastrocentro, avaliou as mudanças do perfil lipídico das pacientes com sobrepeso tratadas com essa droga.

Na pesquisa, orientada pela docente do IQ Anita Jocelyne Marsaioli, o orlistate diminuiu a absorção de ácidos graxos e, durante análise metabólica, promoveu algumas alterações no nível de ácidos graxos essenciais (aqueles que o organismo não consegue produzir) e outros metabólitos como o lactato (produzido após a queima de glicose para o fornecimento de energia, sem a presença de O2), além de uma ligeira redução de cálcio das pacientes investigadas.

Essas mulheres estavam na faixa dos 40 anos, num período pré-menopausa, com IMC entre 25 e 30. Conforme Thiago, elas foram escolhidas pelo fato de o sexo feminino ser o gênero que mais faz uso, no momento, de medicamentos para emagrecer.

O uso do orlistate, explica o autor, impede a absorção de gordura e também diminui a ocorrência de alguns compostos absorvidos com a gordura. O mestrando constatou então que o medicamento não interfere apenas no perfil lipídico, que envolve uma série de exames para determinar dosagens de colesteral total, HDL LDL E triglicerídios. Os seus efeitos vão para além da perda de peso, como a diminuição das taxas de colesterol. 
Os ácidos graxos essenciais são blocos construtores de lipídios para todas as células do corpo, pois exercem funções como produção de energia, aumento do metabolismo e crescimento muscular, transporte de oxigênio, crescimento normal celular e regulação hormonal, entre outras. Com sua queda, as pessoas ficam mais sujeitas ao aparecimento de síndromes. Apesar disso, Thiago assinala que esse problema pode ser facilmente resolvido com a suplementação de nutrientes e com medidas para conter a diminuição do nível de cálcio.

Ao comparar o seu estudo com outros da literatura, o químico notou que a alteração no perfil lipídico de ácidos graxos, criada pelo orlistate, é similar à que ocorre com a dieta de restrição, onde o nível de gordura diminui. “O seu mecanismo de ação, já que não é absorvido sistemicamente e atua só no trato gastrointestinal como inibidor de lipases gástricas, realmente está correto”, admite Thiago.

Essa droga age no sistema digestivo impedindo que a gordura consumida seja absorvida pelo organismo e traga ganho de peso. Ela foi descoberta na década de 1990 e bloqueia a absorção de até 30% das gorduras ingeridas por meio da inibição da enzima lipase, responsável pela digestão das gorduras.

Em 2009, recorda o autor, expirou a patente do medicamento, que era de propriedade do laboratório suíço Roche, mas genéricos já podem ser encontrados no mercado de fármacos. Na opinião dele, essa chance é muito oportuna pois, em mais de dez anos de uso, foram raríssimos os relatos de efeitos inesperados, sobretudo diante da sua vasta procura. Além do mais, também o preço, mais competitivo, ajuda a popularizar o produto, permitindo o consumo mais massivo pelas classes menos favorecidas.

Sobrepeso

Por outro lado, o mestrando reconhece que a perda de peso com o orlistate ainda é modesta. Em geral, perde-se de três a seis quilos ao ano, quando em conjunto com a dieta, o que é muito menos que a expectativa dos pacientes obesos. Este é um gargalo, acentua ele.

Outro gargalo é que os efeitos colaterais, embora não sendo sérios, são no mínimo incômodos, visto que o usuário do medicamento terá que lidar com incontinência e urgência fecais, dificultando a sua ida ao trabalho ou à escola.

A despeito dessa droga ser indicada para pessoas com obesidade (IMC acima de 30), o pesquisador partiu para avaliação de pacientes com sobrepeso, cujo perfil lipídico é um pouco distinto. Não havia estudos mais aprofundados sobre os efeitos em nível plasmático do orlistate nessa classe de pacientes, realça Thiago.

Ele avaliou vários fatores, como as alterações no perfil de ácidos graxos, uma vez que, por ser um inibidor na absorção de lipídios (gorduras), acaba modificando esse perfil, com impactos no nível de ácidos graxos nos eritrócitos e no metabolismo, verificados mediante uma abordagem metabolômica.

Esse tipo de abordagem permite identificar e quantificar o conjunto de metabólicos – o metaboloma – produzido ou modificado por um organismo, avaliando-se os diversos metabólitos presentes no plasma, entre eles níveis de glicose, lactato e até mesmo o nível de cálcio e de magnésio no plasma.

Na pesquisa, colaborativa com a Faculdade de Ciências Médicas (FCM), foi administrado o fármaco às pacientes, acompanhada a sua perda de peso e colhidas amostras de seu perfil lipídico. Thiago trabalhou com as amostras já colhidas e cedidas pelo grupo dos endocrinologistas Bruno Geloneze Neto e Sabrina Nagassaki.

Processo

Ainda que o fármaco promova a perda de gordura, é desejável que ele venha aliado a uma dieta balanceada e a exercícios físicos porque, quando se faz um tratamento, além de usar o fármaco, sempre existe uma dieta de restrição. Assim, se ingerido o fármaco e ao mesmo tempo gordura, o paciente terá uma maior urgência fecal, com uma presença frequente de óleo nas fezes. Somente este motivo já levaria a pessoa a naturalmente diminuir a ingestão de gorduras, garante ele.

Agora, nada impede que o orlistate seja usado continuamente. Há estudos, inclusive, mostrando que, empregado pelo tempo de quatro a cinco anos, o fármaco não causa prejuízos pessoais, dimensiona o pesquisador. 
De outra via, a despeito de seu estudo ter sido curto, 120 dias, esse tempo foi intencional porque o autor estava sobremodo interessado no efeito do orlistate no perfil de ácidos graxos na membrana de eritrócitos, a qual tem um tempo de vida de 120 dias, tempo necessário para que os eritrócitos sejam reciclados pelo organismo.

Os eritrócitos, ensina o mestrando, são os glóbulos vermelhos do sangue, que se expressam no transporte do oxigênio. É importante estudá-los, afirma, porque qualquer alteração no perfil de ácidos graxos, e da membrana de eritrócitos, pode desencadear arteriosclerose e doenças cardiovasculares.

Outros estudos têm sugerido que o fármaco produz uma toxicidade no fígado, fato ainda não comprovado. Em oposição, alguns estudos têm demonstrado que o orlistate age contra células tumorais da próstata, inibindo a enzima ácido graxo sintetase e a proliferação de células cancerígenas.

A vantagem do orlistate, em relação aos medicamentos que se usam hoje, está em seu modo de atuação, que fica mais restrito ao sistema gastrointestinal, ao contrário, por exemplo, da sibutramina, muito utilizada e que atua diretamente no sistema nervoso central.

Thiago conta que o seu estudo procurou ser esclarecedor por avaliar as interações num novo grupo de pacientes – com sobrepeso. Também foi um dos primeiros que fez uma abordagem metabolômica com os pacientes tratados com orlistate em que foram analisados todos os metabólitos (pequenas moléculas) presentes no plasma, e não somente metabólitos selecionados. “Mas trata-se de resultados ainda preliminares”, situa. 

A professora Anita Marsaioli comenta que o estudo de seu aluno conseguiu estabelecer uma importante cooperação com a Medicina, inserindo a Química como um apoio. “Isso foi muito bom porque os médicos deram-nos um bom retorno, e o meu aluno respondeu às questões com seriedade e trabalho”, relata. “Sem essa colaboração, não iríamos a lugar algum. É preciso olhar ao nosso redor, pois há muita coisa interessante acontecendo e que pode gerar outras perguntas de pesquisa.”

No doutorado, Thiago estuda os pacientes que passaram pela cirurgia bariátrica. Serão avaliadas as alterações metabólicas que ocorrem com eles, partindo de análise do plasma para ver as suas consequências.

Publicação

Dissertação: “Avaliação do perfil de ácidos graxos em pacientes com sobrepeso tratados com orlistate usando CG-EM e avaliação do perfil metabólico de plasma por RMN de 1H”
Autor: Thiago Inácio Barros Lopes
Orientadora: Anita Jocelyne Marsaioli
Unidade: Instituto de Química (IQ)

Link:
http://www.unicamp.br/unicamp/ju/547/farmaco-para-emagrecer-pode-provocar-sindrome-aponta-estudo
Jornal da UNICAMP
Campinas, 26 de novembro de 2012 a 02 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 547

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