Que pular o café da manhã não é um hábito saudável, todo mundo já sabe. Mas todos os estragos que um estômago vazio durante as horas matutinas pode causar à saúde ainda é um campo aberto a pesquisas. Uma das mais recentes mostra que crianças e jovens que dispensam essa refeição estão mais propensos a desenvolver diabetes e problemas cardiovasculares na idade adulta.
Realizado no Departamento de Educação Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Unesp em Presidente Prudente, o estudo envolveu 174 voluntários com idades entre 6 e 16 anos. Os resultados foram publicados na revista The Journal of Pediatrics.
Conhecendo as consequências que a falta do café da manhã traz para o metabolismo de adultos, entre elas o ganho de peso, o pesquisador Isamel Freitas Jr., e um dos autores do artigo, interrogou-se sobre o que poderia ocorrer com gente mais nova exposta à mesma situação.
“Comprometimentos metabólicos são sérios, pois podem afetar o organismo por toda a vida”, afirma ele.
O interesse de Freitas Jr. pela saúde desta faixa etária é antigo e o levou a criar, em 2001, um projeto de extensão intitulado Super-Ação, no qual já foram atendidas cerca de mil crianças de 6 a 17 anos, todas com sobrepeso e obesidade.
Com acompanhamento físico, nutricional e psicológico, elas são estimuladas a adotar um estilo de vida mais saudável, o que consequentemente leva a perda de peso. Quando são incorporados ao projeto, os jovens respondem a um questionário sobre seus hábitos, e têm amostras de sangue coletadas. Foi com base nesses dados que Freitas Jr. e outros pesquisadores ligados à Unesp de Prudente realizaram as análises que resultaram no artigo.
As entrevistas com a garotada mostraram que apenas 47,5% dos meninos e 45,3% das meninas tomavam café da manhã diariamente. Além disso, 22% não jantavam e 10% pulavam o almoço. A partir desses dados, os pesquisadores procuraram estabelecer correlações com os índices de triglicérides, de glicemia, de colesterol LDL e VLDL (ambos conhecidos sob a alcunha de “colesterol ruim”, por estarem associados a doenças cardíacas), além dos índices totais de colesterol.
Os resultados mostraram uma correlação entre o hábito de ignorar a refeição matutina e alterações nos indicadores bioquímicos avaliados. Meninos e meninas que frequentemente pulavam o café da manhã apresentavam aumento médio de 2,5% na taxa de glicose, de 3,6% na de triglicérides e de 4,4% na de colesterol VLDL.
São cada vez maiores as chances de que os jovens brasileiros de hoje enfrentem algum problema de saúde ligado ao metabolismo durante sua vida adulta. A culpa é do avanço galopante da obesidade entre eles. Um levantamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), divulgado no começo do ano, mostrou que 26,5% dos meninos e 19,6% das meninas do Brasil com idades entre 10 e 19 anos já apresentam sobrepeso e obesidade.
Ainda de acordo com os dados da Sbem, entre as crianças com idade entre 5 e 9 anos, nada menos que 34,8 % dos meninos apresentam sobrepeso, e 16,6% deles podem ser classificados como obesos. Para as meninas, os percentuais foram, respectivamente, de 32% para sobrepeso e 11,8% para obesidade. Ainda mais alarmante é a constatação de que este processo está se dando em ritmo acelerado: o número de casos de obesidade cresceu 300% nas últimas duas décadas entre a criançada de 5 a 9 anos.
Para Rômulo Fernandes, também professor da FCT e coautor do artigo, os resultados trazem uma informação importante para os pais de crianças acima do peso. “Pelo fato de serem obesas, estas crianças já tendem a apresentar índices aumentados de colesterol, triglicérides e colesterol, o que pode levar ao desenvolvimento de complicações para a saúde. Mas a pesquisa mostrou que se a criança obesa mantiver hábitos alimentares adequados, cai o risco de problemas metabólicos. E esse efeito protetor é mais evidente no café da manhã. Outras refeições não se mostraram tão relevantes”, explica.
Fernandes diz que os resultados serão incorporados à metodologia empregada no atendimento dos jovens que participam do programa Super-Ação. “Vamos explicar aos pais a importância do café da manhã, algo que muitas vezes eles mesmos não sabem, e indicar a alimentação adequada.”
Para Freitas Júnior, a explicação para essa epidemia de obesidade passa pelo estilo de vida da garotada. “Antigamente também havia crianças que pulavam o café da manhã, mas elas tinham uma alimentação mais saudável e, depois da aula, passavam o dia em atividades físicas”, diz. “Hoje se consomem alimentos muito calóricos, e tecnologias como videogames e a Internet tornam essa geração muito sedentária”, acrescenta.
Mas se a tecnologia é parte do problema, também pode vir a ser parte da solução. Já há estudos usando celulares para transmitir programas de treinamento e mensagens de estímulo à atividade física, com resultados positivos. Uma das pesquisas em andamento em Presidente Prudente está avaliando os benefícios dos videogames controlados por movimentos corporais, como o Wii e o Kinect. Neles é possível reproduzir num ambiente virtual ações como saltar, chutar, correr ou rebater uma bola, simulando a prática de esportes. “Temos que usar a tecnologia a nosso favor”, pondera Freitas Jr.
Texto: Pablo Nogueira
Link:
Revista Unesp Ciência Novembro/2012 - Ano 4 - nº36
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