sexta-feira, 5 de julho de 2013

Fogo, de bênção a praga infernal, artigo de Procópio de Castro

[EcoDebate] O fogo sempre nos atraiu de forma quase que mágica, hipnotizante de encantos. Quem um dia não parou frente uma chama de vela e viajou no seu tremular e deixou os pensamentos voarem? Quem numa noite de fogueiras, juninas ou não, não se deixou aquecer enquanto viajava em braseiros como em mundos fantasmagóricos de sonhos e fantasias?

É realmente incrível a atração que o fogo nos provoca e esta é uma realidade ancestral, arcaica, milenar e remonta à descoberta do fogo nos primórdios da nossa existência planetária. Por raios ou por vulcões o contato se fez ate chegar á produção pro fricção ou fagulhas das timbocas. Um misto de medo e encanto que nos levou à descoberta de sua utilidade que são muitas. De um alimento bem cozido, uma sopa quentinha, a fusão do metal, a produção da cerâmica e do vidro, de um ambiente aquecido a uma sauna deliciosa… Quem não se encantou com os espetáculos dos fogos comemorativos?

É o fogo é energia é transmutação de elementos e de estados e matéria e é de grande utilidade seja em casa ou nos processos industriais, sem dúvida alguma.

Mas o fogo é também o perigo, a dor e a destruição. Quem não se queimou uma só vez e sentiu o ardor e o poder causticante da chama e seus efeitos por horas ou dias? Quem não viu a paisagem por onde vivia ser lambida por impressionantes labaredas que formavam serpentes gigantescas percorrendo a vegetação e em seus rastros só restavam o negrume das cinzas e o cheiro da morte das plantas, dos insetos, dos ovos cozidos nos ninhos, e dos animais chamuscados ou assados vivos sob os pios dolorosos das aves mães que não puderam ver seus filhotes alçar vôo, pois ainda eram pequenos.

Neste caso o fogo carrega consigo desolação e destruição e sofrimento com consequências inumeráveis. Basta dizer que a cada incêndio muitas plantas não nascem mais, muitos animais e insetos extinguem-se nestes locais, e assim se criam desertos pois nem sempre a demorada recuperação é possível e nunca será completa pois os sobreviventes sem alimento migram ou morrem de fome. Sem animais e insetos não haverá polinização e a dispersão de sementes será também reduzida e consequentemente a baixa produção de novos frutos. A erosão da biodiversidade estará instalada em um começo do fim. Imaginem o crime quando este incêndio é promovido de forma proposital pelo animal humano em uma unidade de conservação do natureza.

Para as águas um incêndio deste também é um desastre. Sem vegetação protegendo o solo as águas da chuva pouco infiltram promovendo a recarga dos lençóis aquáticos subterrâneos que abastecerão os rios ao longo do ano. Sem infiltração teremos então a diminuição dos rios e falta de água. Solta sobre o solo só resta a água despencar rumo aos fundos dos vales e aos cursos d’água levando milhares de toneladas de terras férteis, soterrando as vidas aquáticas, destruindo estes ecossistemas e provocando enchentes onde também morre o bicho homem. Atrás restam terras inférteis, peladas de vida e cheias de cortes na terras que denominamos voçorocas, buracos, crateras…

No ar, os danos dos incêndios são igualmente danosos. Fumaça e fuligem sufocando a respiração dos seres vivos do entorno, humanos ou não. É poluição para todos os lados e por grandes distancias. A fuligem, dispersadas ao precipitar, sujam as casas, as roupas nos varais e pior, penetram fundos nos pulmões que em defesa isolam definitivamente estas partículas juntamente com os alvéolos responsáveis pela troca de oxigênio, provocando infecções e cada vez mais problemas respiratórios para toda a vida.

O fogo também cria caos quando atinge materiais exclusivos da invenção humana, como isopores, plásticos, madeiras aglomeradas com alto teor de resinas sintéticas. Aí é um show de substancias tóxicas no ar. Verdadeiros venenos espalhados por quilômetros e quilômetros e que irão se acumular nas cadeias da vida na forma de dioxinas e furanos, duas pragas que o homem criou e não existiam na natureza e que provocam câncer e mutações genéticas maléficas…

Restam duas perguntas: que uso faremos do fogo? Seu uso utilitário e benéfico ou o produtor de infernos? A decisão é sua e nossa.

Procópio de Castro

Coordenador da Sociedade Civil Subcomitê do Ribeirão da Mata, e Mobilizador do Projeto Manuelzão/UFMG; Conselheiro do CBH Velhas, e membro do Conselho de Administração da AGB Peixe Vivo e da CTCOM – Câmara Técnica de Educação, Comunicação e Mobilização do CBH Rio das Velhas; Conselheiro da APA Carste de Lagoa Santa, da Apa Morro da Pedreira e Parque Nacional da Serra do Cipó e dos Parque Estadual do Sumidouro.
Diretor de Meio Ambiente Circuito das Grutas

EcoDebate, 05/07/2013

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