terça-feira, 19 de agosto de 2014

Aumento de 800% no consumo de ritalina alerta especialistas

Salto verificado em dez anos reacende discussão sobre uso da substância, empregada no tratamento do transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Especialistas lembram possíveis riscos.

O consumo de metilfenidato, conhecido popularmente como ritalina, aumentou mais de 800% no Brasil em dez anos. A substância é indicada para o tratamento do transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH), que atinge sobretudo crianças e adolescentes. O diagnóstico da doença é contestado por alguns especialistas, que também alertam para riscos do uso do metilfenidato no tratamento.

Para a psicóloga Denise Barros, que investigou o consumo de metilfenidato no Brasil em sua tese de doutorado para a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, esse incremento está relacionado ao aumento do número de diagnósticos do TDAH, não apenas em crianças e adolescentes, mas também em adultos.

“Como o TDAH é um transtorno de difícil diagnóstico, pois não existe nenhum marcador biológico, nenhum tipo de exame laboratorial que garanta se é ou não o transtorno, quando a pessoa sofre por não conseguir prestar atenção, normalmente isso acaba levando a esse diagnóstico”, afirma a pesquisadora.

Outro motivo apontado por ela é a utilização da substância para melhorar o desempenho nos estudos e no trabalho.

Barros cruzou os dados de produção, importação e estoque de metilfenidato e descobriu que, em 2003, foram consumidos em torno de 94 quilogramas dessa substância no país e, em 2012, esse número subiu para cerca de 875 quilogramas, o que representa um aumento de mais de 800%.

Em 2013, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já havia constatado um aumento de 75% no consumo de metilfenidato entre crianças de 6 a 16 anos de 2009 a 2011. A comercialização da ritalina no país foi aprovada pela instituição em 1998.

O neurologista infantil Christian Muller, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), acredita que o aumento esteja relacionado ao maior conhecimento e à familiarização dos profissionais de saúde com a doença. No entanto, ele admite haver um risco de exagero nos diagnósticos.

“Uma avaliação do TDAH, de modo geral, não pode e não deve ser feita numa consulta isoladamente. O diagnóstico desse transtorno passa pela presença dos sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade que culminem em algum prejuízo à criança, seja ele social, seja ele escolar. Além disso, esses sintomas não podem estar presentes há pouco tempo, e sim de maneira mais duradoura”, diz.

O TDAH é um transtorno neurobiológico caracterizado pela desatenção, inquietude e impulsividade, que dificulta a concentração. A doença passou a ser mais conhecida e estudada a partir da década de 1980 e é reconhecida oficialmente por vários países e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Controvérsia sobre diagnóstico

Apesar do aumento da venda de metilfenidato, om psiquiatra Paulo Mattos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que ainda há um subdiagnóstico dessa doença no país, ou seja, muitas pessoas que sofrem do transtorno não recebem a medicação adequada. “Menos de 20% dos pacientes com TDAH no Brasil estão em tratamento”, afirma.

Em 2010, quase 185 mil pacientes com o transtorno estavam em tratamento. Um estudo publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, do qual Mattos foi um dos autores, estima que mais de 924 mil brasileiros sofram desse transtorno.

Segundo Mattos, o metilfenidato é a única alternativa para o tratamento da doença. “Apenas em casos mais leves seria possível empregar psicoterapia, mas, em geral, quando os casos são mais leves, tende-se a não dar o diagnóstico formal de TDAH”, diz.

O metilfenidato é um estimulante do sistema nervoso central que pertence à família das anfetaminas. Seu objetivo é melhorar a concentração, diminuir o cansaço e auxiliar no acúmulo de informações.

Tratar as causas

Apesar de ser a substância indicada para o tratamento do TDAH, a pediatra Maria Aparecida Moysés, da Unicamp, contesta seu emprego e não receita ritalina a seus pacientes.

Segundo a médica, o metilfenidato eleva o risco de crises psicóticas, suicídios e pode até viciar. Ele afeta também o sistema cardiovascular, podendo causar taquicardia, hipertensão e até mesmo parada cardíaca. Além disso, quando tomado por mais de três anos, o paciente pode desenvolver transtorno bipolar, afirma a especialista.

“Está se perdendo de vista que o comportamento de uma pessoa é uma manifestação de como ela está na sua relação com o mundo, com a vida. Se esse comportamento está tão fora dos padrões, talvez seja uma manifestação de que essa pessoa precisa de ajuda. São crianças que estão passando por um sofrimento psíquico”, diz Moysés.

Por isso, a pediatra recomenda identificar as causas que estão levando a essa mudança de comportamento para então tratá-las. “Pode até ser que haja um transtorno, mas antes precisa ser comprovado se esse transtorno realmente existe”, considera.

A psicóloga Luciana Vieira Caliman, da Universidade Federal do Espírito Santo, também defende um tratamento amplo para o TDAH, identificando e intervindo nas causas do transtorno. “Não adianta dar só a medicação. Ela é um dispositivo de cuidado, mas, por esse transtorno ser tão complexo, é preciso pensar numa intervenção complexa, junto com a família e o meio”, afirma.

Matéria de Clarissa Neher , da Deutsche Welle, DW.DE, reproduzida pelo EcoDebate, 19/08/2014

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