Dezembro 2014
Expediente
Consultores científicos: Anderson Brito da Silva, Bryan Souza, Carmem Gottfried, Cristiane Ribeiro de Carvalho, Fábio Viegas Caixeta, Fernanda Palhano, Hindiael Aeraf Belchior, João Ricardo Lacerda de Menezes, Juliana Alves Brandão, Marcílio Dantas Brandão, Mateus Bergamaschi, Raphael Bender, Renata Brandt, Sergio Arthuro Rolim e Zé Henrique Targino.
Editores científicos: Fabricio Pamplona e Renato Malcher-Lopes.
Coordenadores: Bryan Souza, Daniela Soltys, Eduardo Moretti, Pedro Ribeiro e Rodrigo Pavão.
Artigos
Editorial
Fabrício A. Pamplona e Renato Malcher-Lopes
2014, O ANO DA MUDANÇA. No futuro próximo, o ano de 2014 provavelmente será lembrado como o ano da ruptura de paradigmas anacrônicos – mais culturais do que científicos – sobre o uso medicinal da maconha (Cannabis sativa) e seus derivados, os fitocanabinóides. Pela primeira vez, desde que qualquer uso desta planta e seus princípios foram proibidos, a legitimidade científica e ética de seu uso como medicamento foram novamente reconhecidas pela sociedade. Fato que já causou repercussão imediata para muitos enfermos graves e suas famílias e que, no médio prazo, deverá ajudar a aliviar os sofrimentos e aumentar a qualidade de vida de milhares de pessoas em nosso país. Por mais estranho que pareça, em um contexto médico-científico, o uso da expressão “novamente reconhecidas”, ela se aplica de forma emblemática ao caso da maconha, visto que extratos de variedades de Cannabis sativa e as próprias plantas in natura já fizeram parte da Farmacopeia Brasileira, nas suas primeiras edições. O recente interesse das indústrias farmacêuticas na Cannabis, ou melhor, na elaboração de produtos baseados nesta planta, chega com enorme atraso causado pela proibição em si e pelo consequente embargo sofrido pela pesquisa de suas propriedades médicas consagradas por milênios antes de serem internacionalmente proscritas, há cerca de 75 anos. Tanto assim...
Ciclos de atenção à maconha no Brasil
Marcílio Dantas Brandão
Sistematizando quatro ciclos de atenção à maconha no Brasil, identificamos alguns atores importantes e buscamos explicitar controvérsias econômicas, terapêuticas, racistas e geo-estratégicas que atravessam a história desta planta neste território. Finalmente, demonstramos que a diversificação dos interesses e a emergência de novos interessados por este tema configuram a existência de um “problema público” cuja solução demanda inovações substanciais.Palavras-chave. Brasil; Controvérsias; Interesses; Maconha; Mudança de normas. DOI: 10.7594/revbio.13.01.01
A maconha aumenta vulnerabilidade a opioides em animais de laboratório
Cristiane Ribeiro de Carvalho e Reinaldo Naoto Takahashi
A maconha é a droga ilícita mais consumida no mundo. Estudos epidemiológicos sugerem que o uso precoce da Cannabis facilita a progressão para o uso de outras drogas psicoativas. Embora bastante controversa esta hipótese de “porta de entrada” assume que a dependência de drogas ilícitas é precedida pelo uso de Cannabis. Os modelos animais de dependência podem ser bastante úteis para investigar se a exposição prévia de uma droga per se poderia aumentar a vulnerabilidade ao uso abusivo de outra classe de droga. Nesta revisão, pesquisamos a literatura avaliando os efeitos da exposição prévia aos agonistas canabinoides em modelos animais sobre os comportamentos relacionados ao consumo de outras drogas - como psicoestimulantes e opioides.Palavras-chave. Maconha; Cannabis; Dependência; Drogas de abuso; Hipótese da porta de entrada; Opioide. DOI: 10.7594/revbio.13.01.02
A maconha e o controle da complexidade
Denis Russo Burgierman
A Guerra Contra as Drogas é um sistema de controle concebido ao longo do último século. Como tal, obedece os preceitos da era industrial: busca uma solução de massa, padronizada, hierarquizada e rígida. Acontece que esse tipo de abordagem funciona muito mal com sistemas complexos, que são diversos e multifacetados e exigem flexibilidade. Pouca coisa é mais complexa do que a maconha, uma substância múltipla usada em inúmeros contextos por diversos atores. Em resposta a isso, vão surgindo em lugares como Portugal, Uruguai e Estados Unidos novos modelos, pós-industriais, mais flexíveis, com inteligência distribuída em rede. Palavras-chave. Guerra às drogas; Sistemas complexos; Maconha; Política pública. DOI: 10.7594/revbio.13.01.03
Os efeitos da proibição da maconha sobre a saúde
João Ricardo Lacerda de Menezes
A proibição seletiva de certas drogas, como a política de proibição da maconha, é uma estratégia idealizada para prevenir problemas decorrentes do abuso de drogas através da redução da disponibilidade e demanda. Esta política envolve uma série de ações, como aplicação de força policial, reforço de padrões culturais e foco na percepção de riscos. Em geral, se considera que a proibição é neutra para a saúde do usuário e não interage com o efeito da droga per se. Neste artigo revemos e discutimos evidências que sugerem que as politicas proibicionistas tem uma influência negativa, aditiva e transformante sobre o desfecho resultante do uso de drogas. O papel estressor do estigma social e criminal do uso da canabis sob uma política de proibição pode fundamentar muitas das consequências negativas que são usualmente implicadas apenas ao consumo da planta. Palavras-chave. Esquizofrenia; Estresse; Política de drogas; Environment.DOI: 10.7594/revbio.13.01.04
Quais são e pra que servem os medicamentos à base de Cannabis?
Fabricio A. Pamplona
A Cannabis possui compostos com propriedades terapêuticas observadas em diferentes contextos. Alguns produtos à base de Cannabis já estão disponíveis no mercado internacional. Aqui iremos destacar as preparações que já estão em uso, para os quais há sólidas evidências científicas incluindo canabinoides de origem natural, sintéticos e extratos vegetais. O grande desafio é encontrar um equilíbrio entre os efeitos benéficos da Cannabis e os efeitos adversos, que podem ocorrer em uso crônico e altas doses. Apesar da similaridade de eficácia com os produtos farmacêuticos, a maconha fumada não é bem aceita por pacientes que não fazem uso recreativo. O produto herbal tende a ser preferido por usuários com experiência recreacional prévia. Neste caso, deve-se optar pela vaporização, para evitar os danos causados pela fumaça. Considerando um equilíbrio entre custo, eficácia e garantia de qualidade, os extratos padronizados parecem ser a melhor opção atualmente disponível. Palavras-chave. Maconha; Cannabis; Canabinoide; Sativex; Δ9-TH; CBD; Canabidiol; Dronabinol; Esclerose múltipla; Dor. DOI: 10.7594/revbio.13.01.05
Aspecto dual da maconha na ansiedade e no humor
Luara Augusta da Costa e Silva Braga Batista, Pedro Henrique Gobira Nunes, Fabricio de Araujo Moreira
Recentes pesquisas têm demonstrado o envolvimento do sistema endocanabinoide na regulação das emoções. De fato, as alterações no humor e na ansiedade promovidas pela maconha constituem importantes características que motivam o seu uso recreacional. Entretanto, têm sido demonstrado experimentalmente que a ativação dos receptores canabinoides pode ocasionar efeitos bidirecionais sobre o estado emocional. Nesta revisão, baseada em artigos publicados até janeiro de 2013, estão sumarizadas as pesquisas envolvendo os efeitos de canabinoides no humor e na ansiedade, bem como as possíveis perspectivas de modulação farmacológica desse sistema para o tratamento desses transtornos psiquiátricos. Palavras-chave. Ansiedade; Humor; Depressão; Canabinoides; CB1; THC; Maconha. DOI: 10.7594/revbio.13.01.06
Canabinoides ajudam a desvendar aspectos etiológicos em comum e trazem esperança para o tratamento de autismo e epilepsia
Renato Malcher-Lopes
Desde 1843 que as propriedades anticonvulsivantes da Cannabis são conhecidas pela ciência ocidental. Em 1980, ensaios clínicos demonstraram que canabidiol possui atividade antiepilética em pacientes de epilepsia refratária, sendo sonolência o único efeito colateral. O embargo imposto pela proibição do uso medicinal da Cannabis, no entanto, prejudicou imensamente o desenvolvimento científico e a exploração dessas propriedades. Multiplicam-se, contudo, os casos bem sucedidos de uso ilegal e sem orientação para o tratamento de síndromes caracterizadas por epilepsia e autismo regressivo. Os resultados corroboram evidências científicas que indicam a existência de processos etiológicos comuns entre o autismo e a epilepsia. Estudos em modelos animais confirmam envolvimento do sistema endocanabinoide. Esses avanços apontam o início de uma revolução no entendimento e tratamento desses transtornos. Palavras-chave. Sistema endocanabinoide; Canabinoides; Autismo; Epilepsia. DOI: 10.7594/revbio.13.01.07
Alterações na percepção emocional em usuários de cannabis
Carolina Quiñones Bueno
O conhecimento das alterações cognitivas decorrentes do consumo regular de cannabis é deficiente, em particular no que se refere a sua influência de ordem emocional. Neste estudo é revisado como o uso da cannabis pode levar a alterações neurológicas e perceptuais, em especial quanto ao reconhecimento de emoções e de situações ameaçadoras. São encontradas evidências de dessensibilização na percepção de estímulos estressores, fator de relevância potencial nas discussões sobre o desenvolvimento de psicopatologias e dependência da substância. Palavras-chave. Cannabis; Percepção emocional; Psicopatologias; Dependência. DOI: 10.7594/revbio.13.01.08
Possíveis efeitos cognitivos e psicomotores em usuários crônicos de Cannabis
Mateus M. Bergamaschi, Priscila Cortez, Jaime E. C. Hallak, Antonio W. Zuardi e José A. S. Crippa
A intoxicação aguda por Cannabis pode levar a prejuízos cognitivos, psicomotores, alucinações, ansiedade, entre outros sintomas, que podem permanecer horas após o consumo. A duração destes prejuízos em longo prazo ainda permanece incerta, com relatos variando entre uma a quatro semanas em usuários crônicos Há relatos de recuperação das funções cognitivas por volta do 28° dia, mas os efeitos de intoxicação podem permanecer por mais de 28 dias de abstinência em usuários crônicos de Cannabis. Estes efeitos podem estar relacio- nados com a lenta eliminação de delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) do sangue. Palavras-chave. Cannabis; Delta-9-tetrahidrocanabinol; Maconha; THC; Uso crônico. DOI: 10.7594/revbio.13.01.09
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