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04/05/2015
Transmitida de geração para geração, a cultura popular costuma recomendar sem hesitação um chazinho para a cólica do bebê, a ansiedade do adolescente, a pedra no rim da tia, o amargo na boca do marido… A “receita prescrita” com a melhor das intenções muitas vezes funciona. Mas nem sempre.
Atendi meses atrás a uma senhora com quadro de hepatite tóxica. A paciente já apresentava fraqueza, inapetência e náuseas. Os exames mostraram grande aumento das enzimas hepáticas (ALT: 1070 U). Pesquisando detalhadamente seus hábitos de vida e excluídas todas as possíveis causas de hepatite, o que chamou a atenção foi a utilização de um chá chinês, que ela vinha consumindo nos últimos meses. Recomendada a suspensão da erva, as enzimas hepáticas foram pouco a pouco voltando ao normal.
Assim como aconteceu em meu consultório, podemos ver na literatura descrições de casos de hepatite tóxica causados por ervas de uso rotineiro, como aloe vera, boldo, losna, confrei, cava-cava, sene, valeriana, chá verde e outras (J bras gastroent 2010; 10:5). Hepatite tóxica por aloe vera foi descrita nos EUA (Ann Pharmocother 2007; 41: 1740), na Argentina (Gastroenterol Hepatol 2008; 31:436) e na Coréia (Coreano J Med Sci 2010; 25:492). Hepatite por germander, uma erva utilizada para emagrecimento e diminuição da glicemia e do colesterol, foi descrita na França e na Grécia (Eur J Gastroenterol Hepatol 2007; 19: 507). É conhecida a intoxicação hepática por cogumelos tipo amanta plalloides (J Med 2002;176:39). Hepatite fulminante necessitando transplante hepático foi relacionada à ingestão de erva chinesa (Am J Gastroenterol1996; 91: 2647) e cava-cava (British Medical Journal 2001;322:139). As ervas medicinais chinesas são também responsáveis por muitos casos de insuficiência renal. Na Universidade de Bruxelas 43 pacientes com intoxicação pela ingestão desses chás tiveram indicação para transplante renal. Dos 39 transplantados, 18 tinham câncer nos rins e ureteres ocasionados pelas ervas (N Engl J Med 2000; 342: 1686).
O consumo de plantas medicinais, na maioria das vezes como automedicação, está aumentando em todo o mundo. Nos EUA o gasto com fitoterápicos saltou de US$1,8 bilhões em 1990 para US$5,1 bilhões em 1997. O mesmo ocorre na Europa, especialmente na Alemanha — a maior consumidora de ervas medicinais —, com cifra anual de US$3,5 bilhões (J Hepatol 2009; 50: 13). Pesquisadores dos EUA e da Europa alertam que na composição de muitas dessas ervas foram encontrados contaminantes: metais pesados, efedrina, testosterona, butasona, sildenafil, etc (N Engl J Med 2002;347: 2073). Além da ausência de regulamentação e da falta de controle de qualidade, até mesmo em países desenvolvidos, esses produtos vendidos como naturais e supostamente inofensivos contêm substâncias bioativas, que podem ser venenosas ou tóxicas, dependendo da forma de uso e dosagem. Felizmente no Brasil, em março de 2010, a Anvisa regulamentou o uso de plantas medicinais com fins terapêuticos, estipulando critérios rigorosos para a fabricação e comercialização. A Anvisa também disponibilizou em seu site informações e forma de preparo para cada grupo dessas plantas.
ANTONIO FREDERICO MAGALHÃES
(Médico do Deptº de Gastroendoscopia do Hospital Vera cruz – Campinas – S.P.)
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