domingo, 19 de julho de 2015

Saberes tradicionais de cura fortalecem a identidade das Benzedeiras

No Paraná, centenas de detentores e detentoras de ofícios tradicionais de cura vêm se organizando no Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA).

23 de junho de 2015
Por André Halloys Dallagnol, Rafaela Pontes de Lima e Kaio Miotti
Da Jornada de Agroecologia do Paraná

Nos últimos anos, muito em decorrência do acirramento dos conflitos com setores ligados ao agronegócio, diversos grupos estão se organizando e se consolidando em torno de identidades coletivas.

A vivência do conflito faz com que passem a se perceber enquanto ente coletivo, e tomem consciência dos elementos comuns que os unem. O processo de construção da identidade coletiva de diversas comunidades tradicionais tem se dado, via de regra, desta mesma forma.

No Paraná, especialmente nos municípios de Rebouças e São João do Triunfo, desde 2008 centenas de detentores e detentoras de ofícios tradicionais de cura vêm se organizando no Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA).

A organização tem desempenhado importante papel na construção e afirmação da identidade coletiva das Benzedeiras, Benzedores, Curandeiras, Remedieiras e Remedieiros, Costureiras e Costureiros de Machucadura e/ou Rendidura, e Parteiras.

Neste curto espaço de tempo, o movimento conquistou vitórias importantes, como a aprovação de leis municipais que reconhecem os ofícios tradicionais de saúde popular e regulamentam o livre acesso à coleta de plantas medicinais nativas no município, ainda que estejam em terras particulares de terceiros.

As benzedeiras, como em geral são conhecidas, também desempenham um importante papel em relação à preservação e incremento da diversidade biológica, já que muitas delas selecionam e cultivam, em suas próprias casas, espécimes de plantas medicinais utilizadas para a prática dos ofícios tradicionais de cura.

Dona Agda, benzedeira do município de Rebouças e uma das lideranças do Movimento no Paraná, acompanhou de perto o processo de organização das benzedoras e benzedores.

“O movimento surgiu com assessores que começaram a fazer reunião. Todo mundo tinha medo, então eles iam nas casas falar sobre as leis, que tínhamos direito e que elas seriam livres para fazer os benzimentos’’, conta.

Os projetos Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil são exemplos de trabalho que se realizaram junto à comunidade, ao realizarem um mapeamento das benzedoras e benzedores nos municípios de Rebouças e São João do Triunfo.

A partir daí, passaram a ser realizadas “reuniões para fazer abaixo-assinado de auto-definição. Foram feitos os mapeamentos e saíram as carteirinhas’’. As carteirinhas a que se refere dona Agda são fornecidas pelo município e constituem o direito garantido por leis municipais como forma de reconhecimento do ofício das benzedeiras.

No município de Rebouças está sendo construído, a partir do Decreto Municipal 027 aprovado em maio de 2010, a Comissão de Saúde Popular, com a resposabilidade de elaborar propostas e alternativas para o acolhimento das práticas tradicionais no sistema formal de saúde.

Para Agda, isso “foi bom, porque daí a gente não tem medo, ensina os remédios, faz benzimento… antes denunciavam, e era perigoso ir para cadeia’’.

Ainda hoje, a perseguição - seja pela igreja ou pelos órgãos de saúde, que enquadram as práticas como exercício ilegal da medicina - é um dos principais problemas enfrentados por benzedeiras e benzedores e que contribui com a invisibilidade destas comunidades.

“O meu pai quase foi preso, ele era remedieiro, queriam por ele na cadeia. Se não fosse os amigos ele tinha sido preso’’, conta.

Desmatamento

Outro problema enfrentado pela comunidade é o desmatamento das áreas onde eram extraídas plantas medicinais, por ela chamadas ‘remédio’. Ainda que as benzedeiras realizem um trabalho de preservação das variedades locais, cultivando grande diversidade de plantas medicinais nas hortas de suas casas, “tem muitas plantas que é da mata, é coisa nativa, que há muitos anos existem’’ e que não podem ser cultivadas pelas benzedeiras.

“Agora estão desmontando, tem poucos lugares. Tiraram quase tudo, não tem mais remédio, foi virado tudo em lavoura, está bem custoso os remédios’’, lamenta Agda.

Segundo ela, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) “falou que nós podemos proibir, por placa nas árvores de remédio, mas a gente não tem como fazer isso’’, já que temem represália por parte dos proprietários locais.

Entretanto, “tem lugar que Deus deixou, nas barrocas, subidonas, onde não entra maquinário. Nesses lugares não tem como exterminar’’. São esses os locais de onde as benzedeiras extraem os remédios que não conseguem cultivar em casa. Também lembra que há todo um procedimento que deve ser observado quando da extração do remédio para que a planta não seja danificada.

Além disso, “as benzedeiras se combinam, o que uma não tem outra tem… você fica sabendo que fulana tem um remédio, aí você vai lá que ela te arruma’’.

Dona Agda ensina, na sua simplicidade, que o remédio “é sagrado, é coisa que Deus deixou’’, por isso não podemos destruí-los, temos de preservá-los como dádivas que são.

A ausência de incentivo por parte do Estado, entretanto, tem dificultado a organização e os encontros do movimento. Se antes a prefeitura fornecia transporte e alimentação para os encontros, a atual gestão dispensa qualquer tipo de apoio.

Os artigos 8j e 10c da Convenção da Diversidade Biológica (acordo internacional firmado em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, assinado pelo Brasil no mesmo ano) impõem, às partes, a obrigação de incentivar e garantir as condições necessárias à preservação das práticas tradicionais associadas à preservação da biodiversidade, como o caso dos ofícios tradicionais de cura.

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