Campinas, 13 de abril de 2015 a 26 de abril de 2015 – ANO 2015 – Nº 622
Estudo comprova que moringa tem grande potencial como coagulante primário
Texto: Carmo Gallo Netto
Fotos: Antônio Scarpinetti
Edição de Imagens: Fábio Reis
A Moringa oleifera (denominação científica) é uma árvore originária da Índia, que atinge cinco a seis metros de altura, tem flores brancas de extremidades amarelas e produz uma vagem com cerca de 40 cm de comprimento. Os inúmeros estudos relacionados a ela obedecem a duas vertentes principais: suas propriedades alimentícias e terapêuticas e sua utilização no tratamento de águas superficiais inadequadas para consumo ou de águas residuárias provenientes de atividades industriais.
Já na antiguidade a moringa teria sido utilizada como alimento e remédio. Escritos sânscritos a mencionariam como planta medicinal e textos hindus fariam referência aos seus usos. Romanos, gregos e egípcios a utilizariam pelas propriedades terapêuticas e também para proteger a pele e purificar a água de beber. Em Êxodo 15, 22-25 haveria referência a esta circunstância: “Moisés fez partir os israelitas do mar Vermelho e os dirigiu para o deserto de Sur. Caminharam três dias no deserto, sem encontrar água. Chegaram a Mara, onde não puderam beber de sua água, porque era amarga, de onde o nome da Mara que deram a esse lugar. Então o povo murmurou contra Moisés: ‘Que havemos de beber?’ Moisés clamou ao Senhor, e o Senhor indicou-lhe um madeiro que ele jogou na água. E esta se tornou doce. Foi o lugar que o Senhor deu ao povo preceitos e leis, e ali o provou”.
Estudos acadêmicos mais recentes revelam grandes concentrações em suas folhas e sementes de vitamina C, cálcio, ferro e proteínas, além da presença de vitaminas A, B, E e sais minerais de cromo, cobre, magnésio, manganês, potássio, zinco, selênio e fósforo. Ela é considerada uma riqueza da natureza e esperança de combate à desnutrição no mundo, e por isso chamada árvore da vida. Campanhas para o seu plantio e uso têm recebido apoio da ONU/Unicef. No comércio existem cápsulas produzidas a partir de suas folhas, casca, raízes, sementes e também mel oriundo de suas flores. Existe ainda uma ampla culinária de doces e salgados que a utilização em suas composições.
Outra vertente de estudos está relacionada à utilização da moringa oleífera (grafia em português) na potabilidade de águas superficiais não adequadas ao consumo devido a causas naturais ou antrópicas e à possibilidade de tratamento de águas residuárias provenientes de atividades industriais, como laticínios e curtumes, com vistas ao seu reúso ou descarte, de forma a proteger a saúde humana e preservar o meio ambiente.
Nessa direção se desenvolveu a pesquisa do engenheiro civil Heber Martins de Paula, professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Goiás, Regional Catalão, em tese orientada pela professora Marina Sangoi de Oliveira Ilha, no Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp.
O estudo concentrou-se no uso de suspensões preparadas a partir de sementes de moringa oleífera associada a coagulantes químicos no tratamento da água residuária de usinas de concreto. O pesquisador explica que a operação de usinas de concreto gera água residuária que necessita de tratamento antes da disposição ou reúso. O processo tradicional de coagulação/floculação com a utilização de coagulantes químicos associados à decantação pode gerar resíduos nocivos à saúde humana. Em vista disso, o trabalho teve como objetivo avaliar a eficiência da moringa como coagulante natural no tratamento da água residual do concreto produzido em usinas.
CONSTATAÇÕES
A partir de ampla revisão da literatura nacional e internacional e das observações do que ocorre em usinas de concreto instaladas no Brasil, Heber constatou que cerca de 50% da água utilizada nas usinas de concreto é destinada a lavagem de betoneiras e de pátios. Uma usina de pequeno porte utiliza em torno de 540 m3 de água mensalmente, contabilizada a produção do concreto e as operações que demandam água como a lavagem de veículos, o que corresponde a dez residências com quatro pessoas.
Ele considera que não é recomendável que essas águas residuárias sejam despejadas diretamente no solo ou em redes públicas sem tratamento face a elevada alcalinidade, pH , e grande teor de sólidos suspensos e dissolvidos, em que predomina o carbonato de cálcio. Além disso, quando submetidas a tratamento adequado, essas águas podem ser reutilizadas na produção ou na lavagem de pátios ou veículos na própria usina, contribuindo para a conservação desse importante insumo que é a água.
O autor esclarece que nos processos de tratamento da água residuária proveniente das usinas de concreto empregam-se usualmente apenas câmaras de decantação e que a inserção do processo de coagulação, que agrega as partículas dissolvidas e suspensas formando flocos sedimentáveis, pode melhorar consideravelmente a qualidade da água tratada.
O coagulante mais usado, nos tratamentos convencionais, é o sulfato de alumínio, que produz resíduos nocivos à saúde, que em contato com a pele, os olhos e as vias respiratórias podem causar irritação local e aparecimento de sintomas endêmicos. Para minimizar esses problemas tem sido indicado o tratamento de águas superficiais resíduas com coagulantes naturais como a moringa oleífera. A introdução do conceito de “usinas de concreto verdes” permitirá o reúso da água e da maior parte dos resíduos gerados.
Na literatura a maioria dos estudos relata o uso da moringa oleífera para tratamento de águas superficiais e poucos trabalhos consideram o seu emprego para tratamento de águas residuárias, em que os resultados já obtidos se revelam auspiciosos para a remoção de sólidos suspensos, redução da turbidez e a retomada de seu aspecto incolor. O melhor potencial de coagulação/floculação, em relação às várias partes da planta, é conseguido com a utilização de suas sementes descascadas. Esse efeito decorre da presença entre seus componentes ativos de uma proteína capaz de promover a coagulação.
Ao considerar a importância do trabalho, o autor destaca que em boa parte das usinas de concreto brasileiras não existe um sistema de gestão da água residuária que minimize o desperdício e o impacto ambiental. Elas se valem de câmaras de decantação em que as partículas sólidas se depositam por gravidade, sem qualquer tratamento. Parte dessa água é reusada na lavagem de caminhões e parte dispersa no solo embora, mesmo no último estágio do processo de decantação, ainda apresente qualidade inadequada para despejo em galerias de águas pluviais e reutilização em sistemas prediais. O estudo desenvolvido mostra que é possível reutilizar parte da água residuária, no próprio sistema, em usos que prescindam de água potável, como bacias sanitárias, lavagem de veículos e a própria produção de concreto. O trabalho se mostra ainda pertinente em decorrência do considerável aumento nos últimos anos do consumo de cimento e automático aumento e ampliação das usinas produtoras de concreto.
A pesquisa foi contemplada com o primeiro lugar, em 2014, na 20ª edição do Prêmio CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil) da Inovação e Sustentatibilidade – Concurso Facão Bauer, na Categoria Pesquisa, da qual participaram mais de 80 candidatos. A iniciativa da CBIC, considerada uma das principais premiações da construção civil no Brasil, tem como objetivo incentivar pesquisas de produtos e sistemas inovadores que contribuam para a modernização do processo construtivo.
A PESQUISA
A pesquisa se deu em cinco etapas. A primeira, que se ateve à caracterização da qualidade da água residuária coletada em uma usina de concreto em Catalão, Goiás, que permitiu, por exemplo, a verificação do seu nível de turbidez, alcalinidade, pH etc. Na segunda etapa, já realizada em laboratório, foi avaliada a eficiência do uso combinado do sulfato de alumínio e moringa oleífera, em várias proporções, ambos adicionados em pó na água residuária do concreto coletada em campo. Durante esse procedimento o pesquisador constatou que havia necessidade de certa quantidade mínima de sulfato de alumínio para redução do pH de forma a garantir um processo de coagulação eficiente. A remoção máxima obtida foi de 96%, e se verificou quando a mistura adicionada era composta de 80% de sulfato de alumínio e 20% de moringa.
Já na terceira fase, também em laboratório, o pesquisador utilizou a moringa combinada aos pares com os coagulantes sulfato de alumínio e cloreto de ferro, todos em suspensões aquosas (com concentração da solução de 5% massa/volume), pensando inclusive na praticidade de aplicação em campo. Os resultados indicaram que os coagulantes na forma solúvel, principalmente ao associar o sulfato de alumínio e a moringa, foram mais eficientes na remoção da turbidez; isso pode ser atribuído a melhor extração da proteína da moringa.
Já no tratamento combinando o cloreto férrico e a moringa, a água tratada apresentou certa concentração de cloreto que poderia inviabilizar sua reutilização na produção de concreto por questões de corrosão nas armaduras. Na quarta etapa Heber procurou otimizar o processo e eliminar o problema.
Para a otimização das dosagens de moringa e dos dois coagulantes químicos ele adotou o Delineamento de Composto Central Rotacional (DCCR), com vistas a ampliar a avalição do espaço experimental e reduzir o número de experimentos. As faixas ótimas de dosagem dos coagulantes foram definidas através da Metodologia de Superfície de Resposta associada à ferramenta de Desejabilidade global. Com o emprego dessas técnicas ele chegou à proporção ótima em que deveriam ser adicionados os três coagulantes. A moringa oleífera passou a constituir 46,5% da mistura e o índice de remoção atingiu 99,9%.
Por fim, o pesquisador realizou a avalição da eficiência do tratamento proposto, considerando as dosagens ótimas determinadas anteriormente, em amostras coletadas no início e no final da semana de produção da usina, por um período de um mês.
BENEFÍCIOS
Para Heber o trabalho mostra que a moringa tem grande aplicabilidade como coagulante primário ou auxiliar no tratamento das águas residuárias de usinas de concreto. A sua associação aos coagulantes químicos potencializa a remoção de turbidez, apresenta um efeito sinérgico superior à utilização do pó ou do extrato de sementes de moringa como único coagulante.
Além disso, a inclusão de um coagulante natural contribui para o desenvolvimento de um ciclo sustentável na produção do concreto, reduzindo o consumo de água e minimizando os resíduos gerados. Os resultados apontam ainda para a possibilidade de reúso da água tratada em diferentes atividades, como lavagem de veículos, rega de jardins, descargas de bacias sanitárias e na própria produção de concreto.
Publicação
Tese: “Uso de suspensões preparadas com sementes de Moringa oleifera associada a coagulantes químicos no tratamento da água residuária de usinas de concreto”
Autor: Heber Martins de Paula
Orientadora: Marina Sangoi de Oliveira Ilha
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)
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