sexta-feira, 17 de junho de 2016

Dieta sem glúten e suas evidências científicas, artigo de Renata Furlan Viebig


[EcoDebate] A Doença Celíaca (DC) é uma enfermidade autoimune desencadeada pela ingestão de cereais que contêm glúten, especialmente o trigo e seus subprodutos, além de aveia, centeio, cevada e malte, por indivíduos geneticamente predispostos. Para que a doença se expresse, além do consumo do glúten e da suscetibilidade genética, é também necessária a presença de fatores imunológicos e ambientais.

Mundialmente, a DC é considerada problema de saúde pública devido à sua prevalência e à frequência de sintomas que impedem que o indivíduo tenha um cotidiano normal. A DC não tratada pode levar complicações graves, principalmente osteoporose e doenças malignas do trato gastrointestinal.

A exclusão do glúten da dieta destes pacientes não cura a DC, mas a mantém em remissão clínica, ou seja, há melhora de sinais e sintomas e a doença para de progredir. A substituição dos alimentos com glúten na dieta pode ser realizada utilizando-se milho, fubá, arroz, batata, mandioca, polvilho, soja, quinua e suas farinhas, porém, o número de produtos prontos oferecidos para a população celíaca ainda é pequeno, principalmente fora dos grandes centros urbanos, o que dificulta o seguimento da dieta.

Além disso, rotulagem incorreta e possíveis contaminações por glúten durante o processo de fabricação de alimentos (manuseio, processamento em maquinário e equipamentos, transporte e estocagem incorretos) podem aumentar as chances de transgressões alimentares involuntárias.

Pacientes com DC podem desenvolver quadros graves mesmo quando em contato de traços de glúten em alimentos e assim, garantir uma dieta absolutamente isenta de glúten é praticamente impossível, considerando-se a ocorrência de, ao menos, um grau mínimo de contaminação na alimentação diária.

Dessa forma, o paciente deve sempre conhecer os ingredientes que compõem as preparações alimentares e fazer leitura minuciosa dos ingredientes listados nos rótulos de produtos industrializados. Isto se agrava quando se trata do público infanto-juvenil, uma vez que ainda não estão alfabetizados.

Quando consomem glúten normalmente, os pacientes com DC podem apresentar alterações nas funções do intestino e prejuízo na absorção de nutrientes, ou seja, o consumo de glúten leva estes pacientes à desnutrição e emagrecimento não intencional. Quando estes mesmos pacientes excluem completamente o glúten da dieta, voltam a ganhar peso e se recuperam.

Na contramão do que ocorre com o paciente com DC, recentemente, alguns profissionais da área de saúde e, em especial, a mídia e as redes sociais, têm sugerido que uma dieta isenta de glúten pode levar ao emagrecimento de pacientes sem DC, além de outros possíveis benefícios. Há publicações e livros com títulos bastante chamativos como “Barriga de glúten”, as quais vem sendo comercializadas livremente e a população cobra um posicionamento dos profissionais nutricionistas a respeito destas práticas.

Por outro lado, pesquisas realizadas nos últimos anos mostraram que, além de não ocorrer o emagrecimento na maior parte dos indivíduos em dieta GF, muitos ainda ganharam peso, pois substituem alimentos como pão, macarrão e biscoitos por outros alimentos de maior valor calórico. Além disso, produtos de panificação sem glúten são pobres em fibras e contém mais gorduras e açúcares.

No último dia 25 de março de 2016, a Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição – SBAN publicou sua posição a respeito da adoção de dietas sem glúten ou gluten free (GF), com base em uma análise crítica da literatura disponível. A principal conclusão dos pesquisadores foi de que não há evidências suficientes para supor que indivíduos saudáveis possam extrair qualquer benefício de uma dieta GF.

Além disso, dados das pesquisas avaliadas indicam que mesmo indivíduos com doença celíaca que tenham sobrepeso não perdem peso ao adotar dietas GF e que estudos experimentais recentes mostraram possíveis efeitos deletérios da alimentação GF sobre a microbiota intestinal (antigamente flora intestinal) de indivíduos saudáveis.

Antes mesmo deste posicionamento, em 2014, o Conselho Regional de Nutricionistas da terceira região, que integra o Estado de São Paulo, publicou nota oficial na qual restringe os Nutricionistas a prescreverem dietas sem glúten apenas para pacientes com DC previamente diagnosticada, sob pena de infração do Código de ética profissional e penalidades previstas neste documento.

Renata Furlan Viebig é professora de nutrição da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

in EcoDebate, 17/06/2016
"Dieta sem glúten e suas evidências científicas, artigo de Renata Furlan Viebig," in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 17/06/2016,https://www.ecodebate.com.br/2016/06/17/dieta-sem-gluten-e-suas-evidencias-cientificas-artigo-de-renata-furlan-viebig/.

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