terça-feira, 3 de abril de 2018

Maconha medicinal no Brasil? Pode? - 2 (jornalufgonline.ufg.br)

Data: 27.09.2017

A medicina está preparada para prescrever?

Renata Mazaro – Precisamos lembrar que a maconha induz dependência e tem um sério problema de interação com o álcool, mas não devemos encarar isso como uma bandeira negativa porque vários outros medicamentos, que hoje são vendidos indiscriminadamente, fazem a mesma coisa. A associação da maconha com outras drogas é um problema para o usuário quando ele pede a maconha como medicinal, porque a gente não consegue separar até que ponto o efeito adverso é por conta da maconha medicinal ou dos usos associados de substâncias lícitas e ilícitas. Então, temos de conhecer mais sobre a maconha e abrir essa discussão para a sociedade. O médico precisa sempre estar em contato com o paciente para ter essa habilidade. Muitas vezes o médico não quer prescrever porque não conhece a droga naquele paciente. O que acontece é que a família do paciente vê a reportagem e fica insistindo, e o médico, que muitas vezes não tem aquele conhecimento, vai ficar na defensiva, para se resguardar. E essa é outra discussão: a formação médica no Brasil tem de incluir fitoterapia no currículo porque os representantes farmacêuticos oferecem os fitoterápicos como se fossem drogas naturais e que não fazem mal, a mesma situação dos derivados da maconha. Não vai existir um pacote mágico da maconha, vão existir substâncias com efeitos positivos e negativos. Por isso temos de investir em pesquisa para garantir eficácia e segurança para quem precisa desses medicamentos.

Ricardo Mendonça – A maconha não deve ser prescrita pelo médico indiscriminadamente. Ele irá investigar esse paciente, se ele tem algum problema psicótico anterior, pregresso ou familiar, para que a maconha seja indicada quando for a melhor forma de tratamento, mas o médico é o responsável. A grande preocupação que a gente tem hoje acerca dessa utilização é a de não haver um desvio da finalidade do uso, tanto por prescrição quanto por autorização do poder judiciário. A discussão ampla da legislação deve ser observada justamente por envolver tantos fatores. É preciso que a população saiba que o Brasil possui agências de regulação de medicação rigorosíssimas, criteriosas e que se destacam entre as melhores do mundo. Então, quando esses medicamentos chegam à sociedade é porque são eficazes e seguros.

A discussão sobre a legalização da maconha para uso medicinal deve realmente ser separada do uso recreativo? Ou a discussão deve ser unificada?

Renata Mazaro – Creio que essa discussão deve ser separada, por características do próprio uso. Primeiro, pela urgência, porque as famílias se sentem, por conta da própria legislação, fora da lei. Tem muitos relatos de pessoas que dizem “estou recebendo esse óleo dessa organização, mas eles estão se arriscando pelo meu filho”. Algumas famílias estão se organizando para garantir que outras famílias que não conseguem a planta e não têm a liminar para plantar também tenham acesso, mas elas se sentem fora da lei, quando só querem tratar alguém da família numa situação de desespero. Para uso recreacional, liberar a maconha é sempre liberar a matéria-prima. O que eu vou garantir de matéria-prima para aquele usuário? Hoje o Brasil não tem como fiscalizar a qualidade dessa maconha que vai chegar para o usuário. E quanto isso vai custar? Então essa é outra discussão. Além disso, para um médico é muito mais fácil prescrever o canabidiol, que é uma molécula só, do que a maconha, que é um fitocomplexo. Se formos trazer as duas discussões para a sociedade, e eu acho que temos de trazer, devem ser discussões separadas. E eu começaria no medicinal por conta do desespero a que essas famílias estão expostas.

Ricardo Mendonça – O brasileiro é movido a paixões, então a discussão conjunta seria muito complicada. Acredito que se a discussão medicinal estiver a frente desmistificará as impressões negativas que o país tem sobre a maconha. Essa regulamentação deve vir por lei e não por decisão judicial. Vejo com muito receio o que será uma decisão futura, com conceitos abertos, que dê margem para o desvio da finalidade que é o uso medicinal, mas acho que a legislação deve avançar e é a partir daí que vamos abrir a cabeça da sociedade com relação a esse assunto. O Brasil só não avançou mais nesse assunto ainda pela dificuldade de acesso ao setor de pesquisa. E é mais fácil fiscalizar liberando para alguns institutos de pesquisa do que indiscriminadamente.

Derick Rezende – Também acredito que a medicinal deve vir a frente, pela urgência, para garantir não só o acesso como também a qualidade. Uma coisa que aconteceu recentemente e é muito triste: foi uma luta para conseguir liberar o Sativex no Brasil e ele chegou às farmácias custando quase R$2,5 mil reais. É um produto a base de uma planta que foi liberado, mas não garantiu o acesso. Se acompanharmos no mundo o histórico dos estados e países que liberaram a maconha, a questão medicinal veio primeiro, principalmente por essa urgência. Depois dessa urgência atendida, quando as pessoas começam a ver que a planta não é o diabo ou uma coisa assim, a população também vai se educando para aceitar aquilo. Naturalmente, os países que já conseguiram avanços na questão medicinal também estão votando o uso recreativo e social, porque a população já foi informada e já consegue lidar com tranquilidade com essa liberdade. A própria Holanda, que foi o país pioneiro no mundo a liberar o uso recreativo, já está repensando para criar uma cultura de medicação. E onde deu certo, o recreativo já está sendo discutido e legalizado de uma maneira madura para todos.
Teremos sucesso na pesquisa de novos medicamentos?

Ricardo Mendonça – A Anvisa agora está buscando regulamentar o acesso da maconha para pesquisas medicinais. Vários estudos estão sendo feitos para que ela aconteça com muita maturidade e, assim, os avanços virão. Aí estaremos em um novo patamar para descobertas de novas tecnologias com a finalidade de dar à população amplo acesso a elas. Não adianta eu ter medicamentos a base de maconha se eles chegam na farmácia a preços absurdos. Não adianta para o Brasil um desgaste político e social tão grande se esse medicamento não chega a todos.

Derick Rezende – Percebo um caminho interessante, mas dentro do próprio SUS existe a lei de práticas integrativas, em que eles reconhecem as medicinas tradicionais, principalmente a chinesa. Então, o fato de a maconha ter sido colocada na lista de plantas medicinais e já existir essa abertura das práticas complementares da fitoterapia, leva a crer que estamos pavimentando um caminho muito saudável, diferente do resto do mundo. Com todas as pessoas que são “amigas da causa” engajadas, observando também os exemplos de fora, acho que o futuro do Brasil é bem promissor. Isso sem falar do nosso clima, que é ideal, e baratearia o cultivo, porque não precisaríamos gastar com estufas e iluminação especial como os grandes laboratórios europeus, que agregam muito preço por conta disso. Aqui, acredito, vamos conseguir fazer o modelo mais social do mundo.

Renata Mazaro – Temos de trazer isso para dentro dos cursos de Medicina, para eles saberem prescrever. O prescritor no SUS é o médico e essa saída é muito interessante. É uma instrumentalização legal que vamos ter e pode ser utilizada. Precisamos de políticas públicas que invistam em cultivo de qualidade para termos uma matéria-prima com menor valor agregado. Temos de começar a fazer essa análise e trazer a fitoterapia mais intensamente para a educação do prescritor, para criar uma cultura do uso seguro e benéfico. Temos de garantir mais pesquisas, aumentar a comprovação científica, a fim de garantir à população a segurança para utilizar essa planta de forma adequada e ser autossuficiente. E no Brasil temos as farmácias vivas que podem ser aliadas nesse processo.

Fonte : Ascom UFG

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