Data: 30.08.2017
No espaço acadêmico, a permacultura estimula a visão holística do conhecimento
No espaço acadêmico, a permacultura estimula a visão holística do conhecimento
Texto: Carolina Melo
Fotos: Carlos Siqueira e Ecocentro IPEC
No corre-corre do cotidiano, o tempo de reflexão sobre as consequências de nossas ações individuais, rotineiras, é cada vez mais suprimido. Produzimos lixo, contaminamos o ar, o solo e a água e na maioria das vezes nem nos damos conta do impacto que geramos. Mas é possível um olhar mais sensível para a própria vida, partilhada com o outro e a natureza, capaz de promover a mudança e gerar ações mais responsáveis em práticas diárias tanto na cidade, como no campo. É o que acredita o princípio da permacultura, que valoriza a ocupação dos espaços e a convivência com o verde, os animais e as pessoas de forma harmônica.
As ações permaculturais têm por finalidade a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio com a natureza, por meio de três princípios éticos. São eles: cuidar da terra, cuidar das pessoas e compartilhar excedentes. “Traduzida como a cultura da permanência, a permacultura tem o quadro ético que pressupõe assumir a responsabilidade pela própria existência”, afirma a professora da Unidade Acadêmica Especial de Estudos Geográficos da Regional Jataí da UFG, Mariana Crepaldi de Paula. Na prática, a permacultura utiliza técnicas não impactantes na construção de casas e espaços de convivência, na gestão da agricultura, e na utilização e aproveitamento da água. Funcionalmente replica algumas iniciativas, tais como os sistemas agroflorestais sucessionais sintrópicos e as hortas de mandala. O primeiro é um método de plantio em que espécies arbóreas são plantadas junto a culturas agrícolas. Por sua vez, a horta, com canteiros dispostos em círculos e um galinheiro ou um reservatório de água no centro, permite o reaproveitamento e a circulação do material orgânico.
A bioconstrução é outra aplicação da permacultura. Materiais como o barro, madeira, palha, areia e bambu são utilizados para erguer habitações. Banheiros secos, construções com ferrocimento, de taipa e taipa de pilão, fossas com canteiro biosséptico – a fossa de bananeira –, e sistemas de aproveitamento da água da chuva também estão entre algumas soluções de ocupação do espaço rural e urbano propostas pelo princípio. Basicamente, são ações que utilizam matérias-primas forneci- das pelo próprio ambiente, a partir do princípio do reuso e da reciclagem e captação e armazenamento de energia. “A definição de sistema sustentável é aquela que acumula ou gera mais energia do que aquela que foi necessária para mantê-la e é dentro desta definição que procuramos propor soluções”, explica a professora Mariana Crepaldi.
Forno construído com barro e materiais locais
Incluído no espaço acadêmico, o princípio estimula a integração dos conhecimentos, cada vez mais especializados, dentro da universidade. “Essa integração é uma demanda histórica tanto da comunidade quanto dos alunos, pois o elevado grau de especialização do conhecimento acadêmico leva, de certa forma, a uma perda de conhecimento”, observa Mariana. Além disso, de acordo com a docente, há uma preocupação em se aprofundar no estudo de conceitos que são usados indiscriminadamente pela comunidade acadêmica. “Como a sustentabilidade, que sem uma reflexão crítica pode ser esvaziada ou ter sentidos discordantes”, exemplifica.
Na avaliação do acadêmico de Geo- grafia, Matheus Jucá, que atua na área de Agroecologia e energia solar fotovoltaica, a permacultura vem influir na mudança de paradigma do pensamento científico a partir de uma visão holística. “Levanta a reflexão para uma possível revisão metodológica do conhecimento científico, especialmente nas áreas de Arquitetura, Engenharia Civil e Agricultura. Dialoga com autores da abordagem sistêmica e da complexidade, como Edgar Moran e Fritjof Capra”, acredita.
Permacultura na universidade
Na Regional Jataí da Universidade Federal de Goiás o curso de Geografia disponibiliza desde 2011 o Núcleo Livre sobre Permacultura e Sistemas Agroflorestais. Desde então, no mínimo 40 alunos por ano são formados pela disciplina. “O que é uma revolução em conhecimentos sustentáveis nesta microcomunidade”, afirma a professora Mariana. Ela explica que, com a forte presença de agricultores entre os alunos, o ensino da permacultura é associado a sistemas agro- florestais sintrópicos, pois se adapta às necessidades regionais.
Entre as iniciativas da disciplina, já foram construídos na área do Centro Vocacional Tecnológico em Agroecologia (Ciagro), no Câmpus Jatobá da Regional Jataí, um galpão com o telhado e pequena geodésia, uma caixa d´água com ferrocimento e pequenas construções de adobe. Projetos de implantação de sistemas agroflorestais sintrópicos são realizados tanto na área do Ciagro quanto em parceria com agricultores do assentamento Santa Rita, do Retiro Ecológico Barrufada e da Fazenda Tamanduá Bandeira, esses dois últimos de Mineiros, além da Fazenda Olho do Céu em Chapadão do Céu. Em Jataí, foram implantadas duas fossas de bananeiras. “Na cidade, uma quantidade assombrosa de casas não é ligada ao sistema de esgoto da Saneago. A adoção do canteiro biosséptico como sistema de tratamento não permite nenhum vazamento de água contaminada para o lençol freático, não gera excedente ou resíduo, não requer manutenção, tem potencial paisagístico e ainda produz banana”, afirma Mariana Crepaldi.
As sementes de transformação estimuladas pela disciplina são perceptíveis. Segundo a docente, na região há dois produtores de agrofloresta sintrópica, que construíram suas casas com bioconstrução, além de se organizarem com outros parceiros para trabalhar em mutirões e multiplicar o conhecimento. Alunos da disciplina também começaram a compostar o seu lixo e pelo menos dois deles construíram fossas de bananeiras para suas casas. “Um ex-aluno, proprietário de uma firma de construção na cidade, começou a utilizar o canteiro biosséptico em todas as casas que constrói”, conta a professora.
Forno e desidratador solar são tecnologias sociais aplicadas pela Permacultura
Iniciativas em Goiânia
Dentro do Centro de Agroecologia da Escola de Agronomia (EA) da UFG, no Câmpus Samambaia, em Goiânia, docentes e acadêmicos trabalham com técnicas de permacultura em agriculturas de base ecológica. “O objetivo é gerar autonomia do agricultor e dar condições aos alunos para que possam orientar agricultores a buscar essa autonomia”, afirma a professora Gislene Auxiliadora Ferreira. Nas dependências da EA é possível encontrar algumas pequenas bioconstruções, como um forno, uma fornalha e o início da construção de um palco além da produção de uma horta. “Os acadêmicos são estimulados a construir e pensar o seu próprio espaço, utilizando os recursos disponíveis e se responsabilizando pelas suas próprias escolhas”, diz.
No curso de Geografia, o interesse pela temática ocorreu durante uma oficina no Encontro Nacional de Estudantes de Geografia em 2013. Na ocasião foi implantada uma horta sucessional próximo ao prédio do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais (Iesa). A partir de então, o grupo de estudos sobre Permacultura foi instituído pelo Núcleo de Pesquisas e Estudos em Educação Ambiental e Transdisciplinaridade (Nupeat), com participação de estudantes da Geografia, Engenharia Florestal, Biologia e Ciências Sociais, entre outros.
O grupo fez a articulação de uma rede de trabalho que atua em escolas, bairros, propriedades e na própria universidade. Já concretizaram hortas escolares, horta de pneus na Casa do Estudante (CEU), viveiros sazonais durante o período de chuvas para produção e distribuição de mudas nativas e frutíferas, produção em pequena escala de alimentos orgânicos e plantio de árvores nativas e frutíferas em praças e na universidade. “Trabalhamos também com o desenvolvimento de tecnologias sociais, como forno e desidratador solares, uso de microrganismos eficientes na agricultura, captação de água da chuva e bioconstrução”, completa o acadêmico Matheus Jucá.
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