A forte incidência da malária tanto em Portugal continental como nos territórios ultramarinos, na década de 60 do século XIX esteve na origem da decisão de introduzir a cultura da quina[3] em Angola, Cabo Verde, Moçambique e S. Tomé (Fernandes, 1982). Para isso, Júlio Henriques investigou qual das espécies produziria casca com maiores níveis de quinino e qual o território mais adequado à cultura destas plantas (Fernandes, 1991). Para tal, solicitou a diversas instituições, principalmente ao Jardim Botânico de Büitenzorg em Java, sementes de diferentes espécies do género Cinchona que semeava e mantinha nas estufas do Jardim Botânico de Coimbra. Com a colaboração dos Serviços de Agricultura, dos Governadores e de fazendeiros de várias províncias africanas, foram seleccionados locais e realizados diversos ensaios (Fernandes, 1982). Depois dos ensaios e da análise da quantidade de quinino produzida, a ilha de S. Tomé foi considerada a região mais propícia a essa cultura (Paiva, 2005). Alguns anos após o inicio da cultura da quina em S. Tomé, já se produzia quinino em quantidade suficiente, não só para satisfazer as necessidades dos territórios portugueses, mas também para ser exportado (Fernandes, 1982).
Esta história de sucesso constitui apenas um exemplo do enorme interesse que Júlio Henriques sempre manifestou, desde o início das suas funções na direcção do Jardim Botânico em 1874, pelo desenvolvimento agrícola dos territórios ultramarinos. À semelhança do processo empreendido com as plantas da quina, Júlio Henriques obtinha sementes e plantas de espécies com interesse económico junto de entidades diversas (jardins botânicos de diversos países, hortos, etc.) que cultivava no Jardim Botânico. Após a selecção do território africano com o clima mais próximo ao da região de origem das espécies, remetia as plantas para os territórios seleccionados. Geralmente as remessas eram feitas para os Governadores das diversas províncias africanas que tomavam a seu cargo a distribuição das plantas (e/ou sementes) pelos agricultores e fazendeiros da região. Os documentos epistolares do Professor Júlio Henriques demonstram a existência de uma frequente troca de informações no decorrer dos ensaios: os agricultores e os governadores remetiam para Coimbra dados (por vezes sob a forma de relatórios muito detalhados) e amostras das plantas ou dos materiais obtidos (ex: cascas de quina, borracha, fibras, etc.); na sequência da análise dos materiais recebidos, Júlio Henriques enviava instruções detalhadas sobre a melhor forma de cultivo das plantas e os métodos mais adequados para a exploração dos seus produtos. De forma simples e precisa, Júlio Henriques respondia às dúvidas que os agricultores colocavam e opinava acerca das culturas que eles se propunham ensaiar.
O interesse e o empenho de Júlio Henriques nas questões relacionadas com o desenvolvimento agrícola tropical traduzem-se nas inúmeras obras escreveu, assim como no seu espólio epistolar. Estes trabalhos aparecem sob a forma de artigos ou livros de divulgação para agricultores, com instruções acerca de uma cultura em particular ou sobre diversas culturas com interesse económico, ou como artigos de âmbito mais geral, onde compara o desenvolvimento da agricultura tropical em Portugal com países como a Inglaterra, França, Holanda ou Alemanha.
Como referido, a quina foi uma das culturas às quais Júlio Henriques dedicou maior atenção e os diversos trabalhos publicados visavam apoiar os agricultores que apostavam na cultura destas plantas. São exemplos disso, o livro “Instruções praticas para a cultura das plantas que dão a quina”, publicado pela Imprensa da UC em 1880, o artigo “A cultura das plantas que dão a quina nas possessões portuguezas”, publicado na revista O Instituto em 1876 e os artigos “A cultura das quinas na Africa Portugueza” (1878), “A sementeira da Cinchona” (1880) e “A propósito da cultura das plantas que dão a quina” (1882), publicados no Jornal de Horticultura Prática.
As plantas produtoras de borracha e de gutta-percha[4] mereceram também o interesse de Júlio Henriques, como se pode verificar através do livro “Plantas da borracha e da gutta-percha” publicado pela Imprensa da UC em 1901 e dos artigos “Das plantas productoras da borracha” publicado na revista Portugal em África em 1896, “Cacaoeiro e maniçoba” (1905) e “Maniçobas” (1908) publicados na Revista Portugueza Colonial e Maritima e na memória apresentada ao Congresso Colonial Nacional e posteriormente publicada como separata do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa em 1902, “Estudo comparado das especies vegetaes productoras de borracha”. Por sua vez, a cultura das espécies produtoras do anil foi abordada nos artigos “Instrucções sobre a cultura das especies aniliferas em Angola” publicado na revista As Colonias Portuguezas em 1889 e “Cultura das plantas do anil e processos de preparação d’esta materia corante” publicado na revista Portugal em África em 1897. A cultura das plantas que dão a coca foi abordada no artigo “Da coca e da sua cultura” publicado na revista As Colonias Portuguezas em 1890.
A questão da agricultura tropical foi abordada, de forma abrangente, em diversas publicações: no livro “Instruções praticas para culturas coloniaes” publicado pela Imprensa da UC em 1884, na memória “Agricultura colonial. Meios de a fazer progredir” apresentada ao Congresso Colonial Nacional em 1901 e posteriormente publicada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, no artigo “O ensino da agricultura tropical”, publicado na revista Portugal Agricola em 1905 e nos artigos publicados sucessivamente, entre os volumes 1 (1898) e 8 (1901), na Revista Portugueza Colonial e Maritima, que foram posteriormente compilados e publicados no livro “Agricultura Colonial”, que constitui separata da mesma revista. Nesta última obra, Júlio Henriques apresenta 95 culturas com elevadas probabilidades de sucesso em África. A parte I do livro aborda questões como o clima, a terra cultivável, as praticas agrícolas, a vida da planta e as florestas e a parte II descreve as “plantas próprias para culturas nas regiões tropicais”. As culturas estão agrupadas em: 1) plantas alimentares (a) pelos frutos, b) pelos tubérculos, c) pelas sementes e d) pelas folhas e caule); 2) plantas oleaginosas; 3) plantas medicinais; 4) plantas de especiarias; 5) plantas tintoriais; 6) plantas aromáticas; 7) plantas produtoras de taninos; 8) plantas produtoras de materiais têxteis; 9) plantas produtoras de madeira; 10) plantas narcóticas; 11) plantas de cautchuc; 12) plantas da gutta-percha; 13) plantas para forragem (teosinté); 14) bambus e 15) sabonetes ou saboeiros. Algumas culturas são descritas em grande pormenor, como a quina, o chá, o cacau, o café, a cana-de-açúcar, o tabaco, a borracha, as palmeiras e as baunilhas, enquanto de outras apresenta apenas uma breve descrição.
[3] Quina – designação global para as árvores do género Cinchona (C. calisaya, C. succiruba, C. cordifolia, C. micrantha, C. officinalis, C. lancifolia, C. macrophylla, C. pitagensis e C. ledgeriana), oriundas das altas montanhas dos Andes, da Bolívia, do Peru, do Equador, da Colômbia e da Venezuela e de cuja casca se extrai o quinino, composto utilizado no combate à malária (Fernandes, 1982; 1991).
[4] Substância semelhante à borracha, resultante da coagulação do látex de algumas árvores da família das Sapotáceas. Não apresenta a propriedade elástica da borracha (Henriques, 1901c)).
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