quarta-feira, 23 de abril de 2014

Meditação, reiki e fitoterapia estão ganhando o aval da ciência!

Publicado em 12/03/2014

Às margens do km-8 da br-153, na região de Goiânia, onde as árvores baixas e de galhos retorcidos do Cerrado despontam, encontra-se um prédio de um piso, o antigo Hospital JK, hoje rebatizado como Hospital de Medicina Alternativa (HMA). Como o nome entrega, ele é o único do gênero no País voltado exclusivamente para as agulhadas analgésicas da acupuntura, as ervas da fitoterapia e as gotas da homeopatia, mas oferece também auxílio nutricional e psicológico. O embrião dessa iniciativa foi um curso de ayurveda, a medicina tradicional indiana.

Ministrado em 1986 na capital goiana por médicos da Índia especializados nessa terapêutica milenar, teve como alunos médicos, especialistas em farmácia e botânica. Ali dava-se o primeiro passo para a inclusão do uso de plantas medicinais na rede pública estadual. Quase 30 anos depois, no início de março de 2013, encontraram-se numa sala abafada do hma representantes do Ministério da Saúde, de universidades e outras instituições para discutir a versão local para a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde. Ela está em vigor desde 2006 e institucionalizou no SUS métodos como acupuntura e fitoterapia. “A pnpic serve de base e dá diretrizes para os Estados e municípios que, com ou sem regulamentações, podem incluir ações para ampliar o acesso a essas práticas e atender às demandas regionais”, explica Felipe Cavalcanti, da Coordenação Geral de Áreas Técnicas do Ministério da Saúde. No País todo, são 4.139 estabelecimentos que oferecem práticas integrativas e complementares no SUS – para ter uma ideia, foram realizadas 850 mil sessões de acupuntura em 2012, um crescimento de 272% em relação a 2010. Mas elas não se restringem à saúde pública. Grandes hospitais privados também passaram a adotar essa visão de tratamento, sem falar em centros universitários – aqui e no exterior. Pesquisas com equipamentos de ponta comprovam seus efeitos benéficos. O que antes era conhecido como alternativa torna-se uma opção cada vez mais entrelaçada às terapias tradicionais da medicina alopática.

O termo alternativa, aliás, caiu em desuso. O Centro Nacional para Medicina Alternativa e Complementar (nccam), braço dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, define medicina complementar como aquela que é usada juntamente com a convencional. Os métodos alternativos seriam utilizados no lugar dos alopáticos. Por fim, a abordagem integrativa combina tratamentos da medicina complementar e da tradicional para os quais há evidências de qualidade sobre segurança e eficácia. É essa nomenclatura, com alguma variação aqui e acolá, que vem sendo adotada atualmente.

O hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, conta, por exemplo, com um Grupo de Medicina Integrativa. Os especialistas entram no quarto dos pacientes, se apresentam e mostram a grade de atividades.

Há de ioga a acupuntura, além de outras modalidades, que não são ministradas para tratar algo específico. “Nosso olhar é global”, diz o médico Paulo de Tarso Lima, coordenador do grupo. Ele desenha uma mandala num papel e continua: “O paciente está aqui no centro. Perguntamos o que ele quer fazer, onde ele está naquele momento e ensinamos o autocuidado, a lidar com a demanda de energia”. Em outras palavras, é uma maneira de a pessoa colaborar para restabelecer seu bem-estar e cura, que, como diz Lima, é inata. Trata-se de algo que pode se dar por meio da redução da tensão diária ou de uma dieta equilibrada. Ou mesmo do contato com um animal de estimação, cuja entrada o hospital tem liberado desde que o bicho esteja saudável. Para o especialista, não é o acupunturista o responsável por minorar um quadro de ansiedade. “Ele tem a formação técnica para estimular o sistema parassimpático, diminuindo as taxas de hormônios do estresse, o que ajuda no controle da doença. Mas quem está fazendo isso de fato é o paciente,” diz ele. “Todas as grandes universidades americanas têm grupos de medicina integrativa”, conta. No Brasil, a Universidade Estadual de Campinas tem um Laboratório de Práticas Alternativas, Complementares e Integrativas em Saúde com disciplinas para a graduação e pós desde 2008.

Em fevereiro, o Einstein deu início a um programa de pós-graduação voltado para o tema. São 40 alunos, entre médicos e outros profissionais de saúde. Ali também se faz pesquisa. Em parceria com o md Anderson Cancer Center, nos Estados Unidos, os especialistas vão avaliar por meio de imagens cerebrais os efeitos da meditação tibetana em pacientes de câncer de mama com alterações cognitivas provocadas pela quimioterapia. Dali também saiu um estudo que ganhou as páginas da revista científica NeuroImagine. E o assunto foi meditação também. O trabalho comprovou que ela é capaz de nos deixar mais concentrados e menos suscetíveis aos impulsos, sobretudo os emocionais. O estudo é da pesquisadora Elisa H. Kozasa, uma adepta da técnica – medita durante meia hora cinco vezes por semana. “Os meditadores regulares tiveram de recrutar menos áreas do cérebro para realizar uma tarefa que requer atenção”, explica. Dito de outro forma, é como se a massa cinzenta trabalhasse com maior eficiência, como um carro que viaja quilômetros sem necessidade de litros e mais litros de combustível. “Somos bombardeados por uma série de estímulos e perdemos a habilidade de focar no aqui e agora”, diz Elisa. E foco é justamente o que a meditação demanda.

Do outro lado da cidade de São Paulo, na região da Avenida Paulista, o Hospital Sírio-Libanês é mais um centro médico a abraçar a medicina integrativa. Depois de percorrer corredores labirínticos do prédio, chega-se à sala de Plínio Cutait, o coordenador do Núcleo de Cuidados Integrativos do Sírio. Filho, irmão e pai de médico, ele chegou a cursar até o quarto ano do curso de medicina da Universidade de São Paulo, mas acabou enveredando pela música e foi pianista por mais de uma década.
Cutait é mestre de reiki, técnica de origem japonesa de imposição das mãos que, acredita-se, permite acessar a energia do universo, e que entrou em sua vida no final dos anos 80. “O reiki mexe com espiritualidade, mistério, energia, mas sem estar ligado a uma crença”, diz.

O serviço do Sírio-Libanês existe há mais de quatro anos e conta com uma equipe de seis especialistas, sendo que três deles são médicos – um é responsável por ministrar ioga, outro meditação e o terceiro, acupuntura. “Foi uma demanda dos pacientes. As pessoas não estão interessadas em reiki, ioga. Elas querem ser tratadas com mais humanização”, diz Cutait. “De 50% a 80% das pessoas com câncer pedem essa abordagem. A medicina convencional, com grau de tecnologia, se baseia em curar a doença e afasta o médico do cuidar da pessoa”, comenta. “Ioga não é só antiestresse. Ela também está ligada à saúde como um todo”, afirma. Sob o ponto de vista dessa prática, a mente humana é uma espécie de contração da mente divina, portanto é criadora. Gera limites e também liberdade. “A mente afeta o corpo, e o corpo afeta a mente”, diz o mestre de reiki. “Essas abordagens são baseadas em tradições milenares. A meditação não é só para baixar a pressão. Ela pode ser transformadora em todos os sentidos”, acredita. A saber: nos Estados Unidos, 42% dos hospitais já dispõem de práticas integrativas.

O Programa Farmácias Vivas, da Universidade Federal do Ceará (ufc), é outro bom exemplo do uso das práticas integrativas. O programa cataloga e averigua o potencial das plantas medicinais. Teve início em 1983 e é obra do professor Francisco de Abreu Matos (1924-2008), considerado uma das maiores autoridades no ramo e cujo lema era “planta medicinal do povo para o povo”. “Trata-se de um programa de assistência social farmacêutica, que tem como objetivo levar às comunidades os meios para preparar e utilizar medicamentos preparados com as plantas disponíveis localmente, de forma artesanal ou mesmo técnica”, explica Mary Anne Medeiros Bandeira, coordenadora do projeto da UFC. Tudo com garantia de eficácia, segurança e qualidade. Os especialistas levantam as espécies usadas pela população e as avaliam. Eles ainda orientam a instalação das farmácias vivas, fazem o treinamento do pessoal e ensinam como manusear e usar corretamente as ervas. O horto do projeto tem 139 plantas. Ele já foi replicado em Estados como Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia, Pará e no Distrito Federal.

Estudar as plantas medicinais é uma forma de garantir a preservação dos biomas nacionais e possibilitar um desenvolvimento sustentável. “Certamente esse é o melhor caminho”, diz João Batista Calixto, professor de farmacologia da Universidade Federal de Santa Catarina. “É muito difícil preservar aquilo que não se conhece. Com as tecnologias disponíveis atualmente, é possível utilizar de maneira sustentável a biodiversidade brasileira, que poderia ser fonte de muita riqueza”, diz. Calixto participou das pesquisas que resultaram no primeiro fitomedicamento 100% verde-amarelo, um anti-inflamatório à base de uma planta, a erva-baleeira. Cerca de dez espécies foram analisadas. Até a chegada do fitoterápico com a erva-baleeira às farmácias, foram gastos 7 milhões de dólares. “Atualmente, pelo menos dois projetos oriundos dessa lista de plantas estão em fase avançada de estudos clínicos, e é esperado para os próximos anos o lançamento desses produtos”, relata Calixto. O remédio é mesmo integrar.


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