9 de abril de 2014
A música move o mundo e mexe com sentido de todos. E para quem não sente tudo no mundo? Professores, estudiosos e deficientes discutem a música como um meio para socializar e compreender a vida à sua volta.
Na música que ouvimos no aparelho de som, silêncio é a pausa, o ritmo, e o fôlego necessário para que o expectador digerir o que acabou de ouvir. Na música da cidade, do caos cotidiano, ele é o respiro, nossa reflexão interior e nossa meditação diária.
O silêncio pode, também, ser uma quebra ou uma ausência na sinfonia dos cinco sentidos humanos. Por esse ângulo, as deficiências visuais, auditivas, cognitivas e motoras, podem modificar a relação dos indivíduos com a música e sua interação com ela.
Renato Santos acredita na percepção sensorial como caminho da aprendizagem musical dos deficientes (foto: Mariana Torres)
Em um sobrado aconchegante, um professor de música explica, com entusiasmo, que “música é um universo, não é só tocar um instrumento”. O homem de 35 anos, chamado Renato Santos, é pedagogo e professor de música para alunos com necessidades especiais, na Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (APAE) de Bauru, e enfatiza que “tocar um instrumento e ensinarteoria da música” não é, nem de longe, a totalidade do universo musical.
Ele explica que musicalização também é música: uma sala de aula em que os alunos são estimulados com chocalhos, percussão, ritmos e melodias, sem se preocupar com a estética musical, formam um outro âmbito do mundo musical. “Música sempre provoca uma sensação”, explica, e a principal diferença entre um portador de deficiência e um não-portador, na relação indivíduo-música, é da forma como a pessoa sente a música. Em pessoas com restrições de qualquer natureza, essa relação é muito mais ampliada.
A educadora artística Josiane Donatone, da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (FGF), em artigo intitulado “A contribuição da música na educação especial”, de 2011, explica que o indivíduo envolvido no universo musical pode desenvolver “a expressão, o equilíbrio físico-mental, a auto-estima, o auto-conhecimento e sobretudo a sensibilidade para se aperceber como ser que é e está no mundo”. Josiane diz, ainda, que os estímulos musicais auxiliam o indivíduo a “reconstruir a sua identidade e superar mais facilmente as barreiras que a sua patologia impõe”.
Nessa mesma linha de raciocínio, e ainda no mesmo sobrado simpático, Renato pede que a equipe de reportagem imagine uma sala de aula, com uma música fluindo na caixa de som, quatro alunos com necessidades diferentes, e professores dançando pela sala, passeando entre os alunos. Um aluno com dificuldades motoras, nos membros superiores e inferiores, é convidado a sentir a diferença entrepresença e ausência de som. ”Depois de dançarmos, eu pausava a música, para que o silêncio fosse percebido e para que víssemos a reação dos alunos”, explica Renato. Esse aluno, com a quebra na música, passou a mexer todo o corpo, mostrando que gostou da brincadeira, e que percebeu a ausência daquele estímulo melódico. “Uma pessoa batendo na parede, que seja, produz um som e isso provoca uma sensação em quem está ouvindo”, tenha esse indivíduo alguma necessidade especial ou não, diz. “Música é, antes de tudo, som, pulsação”, conclui o professor.
Em sua escola de música Renato cria situação que simula a percepção do deficiente para entende-la (foto: Mariana Torres)
E como é para o deficiente?
A jornalista e vocalista da banda Classicover, Iara Pasqualini, perdeu a visão por conta de uma gestação prematura, e conta que sempre se interessou por discos e por canto. “Eu tentei aprender piano e guitarra pois sonhava em ser cantora, e achava que era importante saber um instrumento, mas não levo jeito para tocar”, diz.
Iara conta que “a maior dificuldade que a maioria dos deficientes visuais têm com relação à música é encontrar partituras em braile”, e o depoimento da cantora se une com o de Renato, ao dizer que o ensinamento teórico de música não dá conta da complexidade dentro desse universo. ”Eu não aprendi a ler partitura, não aprendi teoria musical, um pouco por existir essa dificuldade, mas principalmente porque nunca me interessei em aprender teoria, por cantar um estilo mais popular”, explica.
Atualmente, Iara faz aulas de teatro e participa de um musical. Superou a barreira dos sentidos em toda a sua trajetória. “A falta de visão nunca me atrapalhou no aprendizado da música”.
Colaboração: Isadora de Moura e Mariana Torres
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