terça-feira, 22 de abril de 2014

A tempestade perfeita: crise da comida, água, emprego, energia e clima, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“A pirâmide global da riqueza pode afundar por falta de sustentação ecológica ou pode implodir por falta de justiça redistributiva em sua arquitetura social” (JED ALVES, 26/06/2013).

[EcoDebate] No dia 22 de abril, além do aniversário da chegada de Cabral e data de início da exploração portuguesa do Brasil, se comemora o Dia da Terra. Na verdade há pouco a se comemorar pois as condições ambientais do Planeta pioram dia a dia. O solo, a água e o ar estão sendo poluídos e degradados pelo progresso da civilização humana. O homo sapiens, com seu padrão econômico, se tornou antagonista do meio ambiente e as atividades antrópicas estão reduzindo a biodiversidade da vida na Terra.

O modelo de desenvolvimento que teve início com as grandes navegações de Cristóvão Colombo, em 1492, mas que tomou forma definitiva nos últimos 250 anos, tornando-se onipresente no mundo globalizado – baseado na exploração crescente dos recursos naturais e no uso intensivo de energia fóssil – pode estar caminhando para um colapso irreversível, segundo Nafeez Ahmed, em artigo do jornal The Guardian (14/03/2014).

O artigo de Ahmed tem como base um estudo recente patrocinado pelo Goddard Space Flight Center, da Nasa, que considera a perspectiva de que a civilização industrial global pode entrar em colapso nas próximas décadas devido à exploração insustentável de recursos naturais e à má distribuição de riqueza e ao desigual acesso aos bens de consumo modernos.

De acordo com os registros históricos, até mesmo avançadas civilizações com alto nível de complexidade são suscetíveis a entrar em colapso, levantando questões sobre a sustentabilidade da civilização moderna: “A queda do Império Romano e dos avançados Impérios Han, Maurya e Gupta , assim como dos Impérios Mesopotâmicos, mostram que civilizações sofisticadas, complexas e criativas podem também serem frágeis e inconstantes”.

O estudo publicado no journal Ecological Economics identificou alguns fatores inter-relacionados mais relevantes que podem explicar o declínio civilizacional e que podem ajudar a determinar o risco de colapso atual, a saber: População, Clima, Água, Agricultura e Energia. Esses fatores podem levar ao colapso quando convergem para gerar duas características cruciais: a tensão colocada sobre a capacidade de carga do Planeta e a estratificação econômica da sociedade com o aumento da desigualdade entre a elite e a “ralé” (na expressão de Jessé de Souza). A conjugação do colapso ambiental e social têm desempenhado um papel central no processo de colapso em todas as civilizações avançadas nos últimos cinco mil anos.

O estudo desafia aqueles que argumentam que a tecnologia vai resolver esses desafios aumentando a eficiência econômica. A mudança tecnológica pode aumentar a eficiência da utilização de recursos, mas também tende a aumentar tanto o consumo de recursos per capita e a escala de extração de recursos, de modo que, os aumentos no consumo muitas vezes compensam o aumento da eficiência do uso de recursos. Isso é o que se chama de Paradoxo de Jevons.

Na medida em que a taxa de esgotamento dos recursos segue seu rumo, as elites continuam consumindo e mantendo seus privilégios, enquanto a ralé sofre com a falta d’água, o aumento do preço dos alimentos e o desemprego. O esgotamento dos recursos naturais (pico da água, do petróleo, etc..) e as mudanças climáticas delineiam os limites do modelo de desenvolvimento, mas o colapso pode começar pelas classes trabalhadoras e pobres e só atingem a elite depois de um certo tempo. Os monopólios de riqueza da elite significam que ela está protegida contra a maioria dos primeiros efeitos negativos do colapso ambiental e só sentiriam as consequências muito mais tarde do que a ralé.

Segundo Alves (26/06/2013): “O crescimento econômico é igual ao incremento da força de trabalho multiplicado pelo aumento da produtividade das pessoas ocupadas. Se há, ao mesmo tempo, declínio da população (especialmente da PIA: população em idade ativa), crescimento do desemprego, estagnação das inovações tecnológicas e esgotamento dos recursos naturais, então o crescimento econômico se torna impossível. Este quadro é agravado pelo endividamento público e privado e pelos custos do envelhecimento populacional sem aproveitamento do segundo bônus demográfico”.

Algumas pessoas e estudiosos tentam dar o alerta de que o sistema está se movendo em direção a um colapso iminente e defendem mudanças estruturais na sociedade, na população e na economia. Porém, em geral, são chamados de catastrofistas e neomalthusianos. A elite e o pensamento convencional sempre apresentam argumentos para mostrar que o modelo de produção e consumo pode ser aperfeiçoado e ampliado. Na reunião da Comissão sobre População e Desenvolvimento (CPD) da ONU, ocorrida de 7 a 11 de abril de 2014, o desenvolvimento foi reafirmado como um direito dos povos – um bem em si mesmo – e não ficaram claros os limites ambientais das atividades antrópicas e nem foram considerados os direitos da Terra e das demais espécies do Planeta.

Evidentemente o colapso ambiental pode ser evitado se a taxa per capita de esgotamento dos ecossistemas for reduzida a um nível sustentável e houver redução da desigualdade econômica e social. Para tanto, o estudo publicado no journal Ecological Economics mostra que é preciso reduzir drasticamente o consumo de recursos e a geração de lixo e resíduos sólidos – fazendo a transição para recursos renováveis ??e mais desmaterializados – além de reduzir o tamanho da população, diminuindo o impacto antrópico sobre o meio ambiente.

Segundo Nafeez Ahmed, o modelo “business as usual” não é sustentável e mudanças estruturais imediatas são necessárias para a defesa do meio ambiente e a redução das desigualdades sociais. A conjugação das crises da água, da comida, do emprego, da energia e do clima significa que o mundo pode mudar para pior e que os últimos 250 anos de “progresso” humano podem estar chegando ao fim com o início de uma fase de regresso social.

O Dia Internacional da Mãe Terra – conforme denominação assumida pela Organização das Nações Unidas (ONU) a partir de 2009 – deveria servir para marcar a responsabilidade coletiva na promoção da harmonia entre todos os seres vivos do Planeta. Porém, se os crimes do especismo e do ecocídio não forem erradicados, a vida na Terra pode caminhar para um colapso irreversível. Adicionalmente, se houver ampliação das desigualdades sociais a sociedade pode caminhar para a desintegração de seu tecido constitutivo. Uma grande crise ambiental e social poderia ser uma tempestade perfeita que o mundo todo gostaria de evitar.

Referência:
Nafeez Ahmed. Nasa-funded study: industrial civilisation headed for ‘irreversible collapse’? The Guardian, 14 March 2014

ALVES, JED. A pirâmide global da riqueza. EcoDebate, RJ, 26/06/2013

ALVES, JED. O decrescimento econômico e populacional: uma realidade provável? EcoDebate, RJ, 26/06/2013

Nafeez Ahmed. The global Transition tipping point has arrived – vive la revolution, 18 March 2014

Safa Motesharrei et al. Human and Nature Dynamics (HANDY): Modeling Inequality and Use of Resources in the Collapse or Sustainability of Societies, journal Ecological Economics, March 19, 2014

Como o ser humano destrói o planeta

Ser humano espécie invasora e praga sobre a Terra?

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, Doutor em demografia e professor titular do mestrado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

EcoDebate, 22/04/2014

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