quarta-feira, 14 de maio de 2014

O mito da independência energética dos Estados Unidos, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Capitalism is torpedoing our prosperity, killing our economies, threatening our children. It must be re-engineered, root and branch” (Nafeez Ahmed – 9 April 2014)
[EcoDebate] Os defensores do excepcionalismo americano e a indústria petrolífera propagam a ideia de que os Estados Unidos vão ser a nova potência energética do século XXI (“Saudi America”) e vão ficar livres da importação de petróleo do Oriente Médio. Consequentemente, ficariam livres dos problemas políticos da instável região e poderiam voltar a ser a única superpotência mundial. Diante da crise da Ucrânia, os setores nacionalistas e a indústria do gás de xisto defendem a exportação de gás para a ex-República Soviética, como se os EUA estivessem com enorme disponibilidade de combustíveis fósseis.

Porém, dados da Administração de Informação de Energia (U.S. Energy Information Administration – EIA) mostram que as importações de energia realmente diminuíram nos últimos anos, desde o pico de importação de 2005, mas o saldo negativo deve ficar acima de 30% até 2040.

A importação líquida de petróleo cru estava em torno de 10 milhões de barris por dia (mbd) até 2007 e caiu para cerca de 7 milhões de barris dia em 2013. Só para ter uma ideia a produção brasileira foi de cerca de 2 milhões de barris dia em 2013. Ou seja, os EUA ainda importam mais de 3 vezes toda a produção brasileira de petróleo cru. Portanto, a importação está diminuindo, mas está longe de chegar à independência energética
Para os próximos anos, espera-se uma diminuição na produção relativa de energia nuclear, carvão mineral e petróleo cru. O que deve ter crescimento na matriz energética são as energias renováveis (solar, eólica, etc) e o gás natural.
Mas o otimismo da EIA pode não se concretizar, pois o ritmo de produção de gás em 2013 diminuiu muito e existem diversas análises mostram os limites da produção do gás de xisto. O geólogo americano, Art Berman, especialista em combustíveis fósseis, disse: “Eu vejo o xisto mais como uma festa de despedida do que uma revolução”. “É o último suspiro” (dos combustíveis fósseis). Steve Andrews diz que o gás e o petróleo de xisto podem ser o ouro de tolo do mundo da energia.

A produção de gás de xisto é altamente danosa para o meio ambiente e tende a aumentar o stress hídrico. O processo de fraqueamento (fracking), exige a utilização de grande quantidade de água e, em geral, provoca a degradação dos lençóis freáticos. O processo de extração do gás de xisto não é totalmente conhecido, uma vez que as empresas tratam seus detalhes como segredo industrial. Por exemplo, junto com a água pressurizada, também é bombeada uma série de substâncias químicas cuja composição exata não é divulgada – ela incluiria, por exemplo, ácidos como os usados em lavagem de piscinas, anticorrosivos, redutores de atrito e agentes químicos que facilitam a saída dos fluidos. Além disso, outros pontos ainda pouco dimensionados podem causar grandes danos ambientais, além da enorme quantidade de água necessária para a exploração do gás.
Na verdade, os Estados Unidos e o mundo vão ter que enfrentar o Pico do Petróleo e o aumento do preço da energia nos próximos anos. Quanto maior for a elevação do preço dos combustíveis fósseis maior será a crise econômica mundial e maiores serão as manifestações populares contra o consequente aumento do desemprego junto com a elevação dos preços dos alimentos. O sonho da independência energética pode se transformar no pesadelo da escassez de energia barata e um aprofundamento da estagnação secular que deve prevalecer no século XXI.

Referências:
Michael Levi. Think Again: The American Energy Boom, Foreign Policy, June 18, 2012

Asjylyn Loder. Boom do xisto pode ter vida curta. Valor Econômico, 14/10/2013

Tim Morgan. Perfect storm energy, finance and the end of growth, Tullett Prebon, London, 2013

U.S. Energy Information Administration | Annual Energy Outlook 2014 Early Release Overview

Gail Tverberg. The Absurdity of US Natural Gas Exports, March 31, 2014




Ron Patterson. Just How Good Are The EIA’s Predictions? April 7, 2014


John Kaufmann. The Energy Independence Illusion, Apr 29, 2014

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, Doutor em demografia e professor titular do mestrado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

EcoDebate, 14/05/2014

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