quinta-feira, 26 de junho de 2014

Meio Biológico e gestão ambiental, artigo de Roberto Naime

[EcoDebate] O meio biológico consiste no conjunto de plantas e animais e nas suas inter-relações envolvendo troca de matéria e energia. São os ecossistemas naturais, a fauna e a flora. No meio biológico, várias espécies de ambos os grupos podem ser indicadoras de qualidade ambiental. Outras espécies têm valor científico e econômico, ou são raras ou ameaçadas de extinção e necessitam de proteção em áreas de preservação permanente.

A compreensão do meio biológico e do complexo de suas relações entre si e com o meio físico e antrópico é fundamental para a contextualização da gestão ambiental.

A gestão ambiental deve ser entendida como o conjunto de medidas que objetiva reduzir e controlar os impactos causados por atividades e intervenções humanas sobre o meio ambiente, através de medidas e procedimentos que precisam ser definidos e aplicados de forma adequada para que o gerenciamento ambiental seja eficiente e para que o processo de administração ambiental possa assegurar melhoria de qualidade de vida das populações. A gestão ambiental não deixa de ser um processo hierarquizado.

Conforme Odum (1988), “Hierarquia” significa um arranjo numa série graduada, e “sistema” consiste em “componentes interdependentes que interagem regularmente e formam um todo unificado”. Sob o enfoque da biologia, pode-se dizer que a ecologia é a ciência que trata de todos os níveis do sistema de relações acima do organismo individual.

Bioma é um termo muito usado para denominar um grande biossistema regional ou subcontinental, caracterizado por um tipo principal de vegetação ou outro aspecto identificador da paisagem.

Um sistema biológico que se aproxima da autossuficiência é denominado biosfera ou ecosfera, e frequentemente se orienta por um estado contínuo de equilíbrio auto-ajustador que consegue se manter imune a perturbações menores, com níveis autorregulados de entrada e saída de matéria e energia (“steady state”).

Outro conceito fundamental que a biologia traz para a análise ambiental sistêmica é o “Princípio das Propriedades Emergentes” que significa uma consequência importante da organização hierarquia, determinando que à medida que os componentes se combinam são produzidas novas propriedades que antes não existiam. As propriedades emergentes, por definição, são propriedades coletivas que emergem ou aparecem como resultantes da interação entre componentes.

O princípio da emergência diz que o todo é superior à soma das partes. É o que mostra o fenômeno das propriedades emergentes. Um exemplo são as ligas metálicas, que têm propriedades que não existiam em cada um de seus componentes isolados. Outro exemplo é o que ocorre quando um grupo se reúne para discutir um determinado assunto ou problema. Do diálogo que se estabelece costumam surgir ideias novas, que antes não haviam ocorrido aos participantes.

A aplicação deste princípio na análise ambiental é responsável por grande parte dos impactos identificados pelas relações entre diversas atividades em conjunto, que separadamente não produziriam impactos, mas associadas produzem alterações significativas ou relevantes.

A biologia favorece a aplicação de modelos para diagnóstico e prognóstico de situações. Um modelo é uma formulação que imita um fenômeno real, e pela qual se podem fazer projeções consistentes. Da biologia clássica (Odum, 1988) emerge o conceito de ecossistema, como a inter-relação entre organismos vivos e não-vivos que interagem entre si.

Ecossistema é qualquer unidade que abranja todos os organismos que funcionam em conjunto em uma determinada área do espaço físico, e que interajam com o ambiente, com fluxos de matéria e energia que produzam estruturas bióticas definidas e ciclagem de materiais entre as partes vivas e não-vivas.

O ecossistema é a unidade funcional básica da ecologia, estando parametrizada pelos níveis de organização e relações sistêmicas, para definir a emergência das propriedades. Os ecossistemas têm estrutura, e podem ser abordados de forma “holológica” (por inteiro) ou “merológica” (em partes).

Dentro da biologia, é expressiva a corrente que defende o controle biológico do ambiente geoquímica, também conhecida como “Hipótese Gaia”. Este enunciado sustenta que os organismos vivos, principalmente os microrganismos, evoluíram junto com o ambiente físico, formando um sistema complexo de controle que mantém as condições da Terra favoráveis à vida (Lovelock, 1979).

A dimensão biológica da abordagem ambiental, em alguns aspectos ressalta os fatores limitantes da vida e as necessidades de preservação ambiental e suas inter-relações.

O conceito de fator limitante pode ser bem compreendido a partir da Lei dos Mínimos de Liebig. A ideia de que os organismos não são mais fortes do que o elo mais fraco de suas cadeias ecológicas foi expressa por Justus Liebig em 1840, que foi pioneiro na pesquisa com fertilizantes inorgânicos na agricultura (Odum, 1988).

A presença de um organismo ou grupo de indivíduos e o sucesso de suas ações dependem da adaptação de condições próprias, aos limites determinados por fatores como temperatura, salinidade, insolação, exposição, presença de nutrientes e outros atributos do meio físico, que determinam as possibilidades dos seres vivos.

Este conceito se aprofunda com a ideia dos Limites de Tolerância, onde excessos ou ausências de determinados fatores, como os já citados, impede a evolução da vida. Então qualquer condição, que se aproxime ou exceda o limite de tolerância para o organismo ou grupo, poder ser considerado um fator limitante.

Para avaliação dos impactos ambientais, são utilizados bioindicadores que são organismos ou comunidades, cujas funções vitais se correlacionam tão estreitamente com determinados fatores ambientais, que podem ser empregados como indicadores na avaliação de uma dada área.

Esta definição inclui conscientemente a indicação de comportamentos naturais, como por exemplo, na agricultura, onde podemos inferir sobre características de uma região apenas pela presença ou ausência de determinadas espécies vegetais.

O termo biomonitoramento, ou monitoramento biológico pode ser definido como o uso sistemático de respostas biológicas para avaliar mudanças ambientais com o objetivo de utilizar esta informação em um programa de controle de qualidade.

Os índices bióticos também têm sido uma importante ferramenta em estudos de monitoramento de condições ecológicas, em geral considerando a composição taxonômica e dominância de alguns grupos tolerantes a poluição.

No Brasil, algumas iniciativas no uso de bioindicadores têm sido propostas para bacias hidrográficas, que sofrem a influência do lançamento de esgotos domésticos e efluentes industriais, na maioria das vezes utilizando técnicas de estatísticas multivariadas.

Muito ainda poderia ser discutido, mas o conjunto de conceitos expressos e amplamente discutidos e abordados, permite uma clara noção da importância determinada pela dimensão do meio biológico no contexto das análises ambientais sistematizadas.

LOVELOCK, J. E. Gaia: A new look at life on earth. New York: Oxford University Press, 1979.
ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

EcoDebate, 26/06/2014

Link:

Nenhum comentário:

Postar um comentário