A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o tabagismo uma doença pediátrica, pois 90% dos fumantes começam a fumar antes dos 19 anos e quanto mais cedo iniciam o uso do tabaco, mais rápido se tornam dependentes. Uma das estratégias praticadas pela indústria para atrair os jovens é a utilização de aditivos que conferem aroma e sabor aos produtos derivados do tabaco, com o intuito de torná-los mais atraentes e palatáveis. Neste contexto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu o uso desses aditivos, com o objetivo de reduzir a experimentação e iniciação por crianças e jovens. Para compreender e relatar o processo de proibição dos aditivos nos produtos derivados do tabaco no Brasil, as pesquisadoras do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab) da Escola Nacional de Saúde Pùblica (Ensp/Fiocruz), Vera da Costa e Silva, Silvana Rubano Turci e Valeska Carvalho Figueiredo, desenvolveram um artigo que aponta que indústria do tabaco tem procurado ao máximo adiar a entrada em vigor da resolução da Anvisa que proíbe os aditivos no país.
Estudos mostram que o percentual de fumantes adultos (18 anos ou mais) na população brasileira diminuiu 63% entre 1989 e 2003
Segundo dados da OMS, o tabagismo causa cerca de 6 milhões de mortes a cada ano e é a principal causa de morte prematura evitável no mundo. A estimativa é que existem mais de um bilhão de fumantes no mundo, sendo 80% residentes de países de baixa ou média renda. No Brasil, os custos do tratamento da doenças tabaco-relacionadas chegam a R$ 21 bilhões por ano. Proibir os aditivos – por meio da Resolução da Diretoria Colegiada nº 14, de 2012 – é uma importante medida de saúde pública, em consonância com os artigos 9 e 10 e Guias Parciais de Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da OMS (CQCT/OMS), tratado ratificado pelo Brasil em 2005 e atualmente coordenado pela pesquisadora do Cetab Vera da Costa e Silva.
O artigo A regulação de aditivos que conferem sabor e aroma aos produtos derivados do tabaco no Brasil apresenta uma análise do processo regulatório no país, elencando os principais eventos relacionados e sugerindo uma interferência direta da indústria fumageira e de grupos de interesse na tomada de decisão e na implementação da Resolução 14/2012. Segundo as autoras do estudo, com base em evidências científicas e por meio de firmes decisões políticas, há quase três décadas o Brasil vem implementando um conjunto de medidas de controle do tabaco efetivas e abrangentes. Entre essas políticas destacam-se: a proibição da publicidade de produtos derivados de tabaco; a obrigatoriedade de impressão de imagens e frases de advertência sobre os malefícios para a saúde nas embalagens dos produtos; a proibição de descritores enganosos como light/ultralight nas embalagens dos produtos; a proibição de venda a menores de 18 anos; entre muitas outras políticas.
Essas medidas fazem parte das obrigações legais do Brasil como Estado-Parte da CQCT-OMS e vem obtendo forte impacto na redução da prevalência. Estudos mostram que o percentual de fumantes adultos (18 anos ou mais) na população brasileira diminuiu 63% entre 1989 e 2003. Apontam também um declínio de 41%, entre 1989 e 2008, na população de 15 anos ou mais. Segundo dados do Inquérito telefônico realizado pelo Ministério da Saúde por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde sobre fatores de risco para doenças crônicas (Vigitel), a frequência de fumantes no conjunto das capitais brasileiras vem declinando e, em 2011, chegou a 14,8%, sendo maior entre os homens (18,1%) do que entre as mulheres (12%). Além disso, há uma redução de 20% na mortalidade por doenças respiratórias crônicas e cardiovasculares no país. A redução de tantos percentuais é atribuída à bem sucedida implementação de políticas públicas de saúde, principalmente as que estimulam a redução do consumo de derivados do tabaco e a ampliação de acesso a serviços da atenção básica em saúde.
Apesar dos resultados positivos, a iniciação do tabagismo entre adolescentes e adultos jovens ainda se mostra preocupante. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2009 e 2012, entre mais de 600.000 escolares das capitais brasileiras e, mais recentemente, incluindo municípios menores, cerca de 22% dos adolescentes de 13 a 15 anos das capitais do país experimentaram fumar e 6% fumaram nos últimos 30 dias. A adição de sabores e aromas aos cigarros tem sido considerada como uma resposta da indústria do fumo visando, entre outros objetivos, reagir às iniciativas governamentais e não governamentais que levam à redução da prevalência do tabagismo, como tem ocorrido no Brasil.
O processo de regulamentação e a indústria fumageira
Para reduzir ainda mais o consumo de derivados de tabaco, principalmente a experimentação entre jovens, a Anvisa publicou em março de 2012, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) número 14, proibindo o uso de aditivos que conferem aroma e sabor a esses produtos, como mentol, chocolate, baunilha, caramelo e cravo, entre outros. A adição de açúcar continua permitida. A medida também impede a importação de produtos com esses aditivos. Os fabricantes teriam até 18 meses, a partir da publicação da norma, para retirar do mercado nacional todos os cigarros com sabor. Apesar dos evidentes benefícios que esta regulação trará para a saúde da população brasileira, em especial das futuras gerações, a medida tem sofrido inúmeros questionamentos na justiça por parte da indústria fumageira e de seus aliados.
O artigo A regulação de aditivos que conferem sabor e aroma aos produtos derivados do tabaco no Brasil descreve toda a trajetória da regulamentação dos produtos derivados do tabaco no Brasil, passando pela própria criação da Anvisa, em 1999. Porém, um dos pontos importantes da pesquisa é a de que ao contrário da conclusão de outro estudo sobre o tema, que preconiza que o setor fumageiro é uma fonte geradora de recursos, no artigo assinado pelas pesquisadoras do Cetab aponta-se que esse setor mina os recursos do país ao oferecer à população brasileira um produto nocivo para a saúde cujo consumo gera três vezes mais gastos com assistência médica do que contribui com a arrecadação de impostos.
Para as autoras do estudo, o governo brasileiro, por meio da atuação da Anvisa, deve continuar sendo uma referência mundial na regulação de produtos derivados de tabaco e, assim, continuar a desempenhar seu papel regulador no desenvolvimento de políticas públicas que protejam a saúde das futuras gerações. De acordo com as pesquisadoras, a indústria vem tentando de muitas formas reverter a situação da regulação dos aditivos no país, principalmente no âmbito da RDC 14/2012 exercendo forte pressão para retrocessos em relação a sua validade, prazos de aplicação e conteúdos, com a judicialização da saúde pública levando apenas à defesa de interesses corporativos, com alegações falaciosas de impactos indesejáveis sobre o setor mais fraco da cadeia produtiva, os plantadores de fumo.
“Manter a proibição dos aditivos como um todo e não sucumbir à pressão feita pela indústria fumageira deve ser a grande meta do governo com o suporte das instituições que tem compromisso com a população. A sociedade precisa dar suporte para que a Anvisa resista aos ataques e pressões contínuos e para que os Poderes Legislativo e Judiciário, com o suporte do Executivo, em especial do setor Saúde, sejam sensíveis à real necessidade de regulamentação de produtos do tabaco no Brasil, mantendo o mandato da Anvisa e permitindo que a RDC 14/2012 venha a ser cumprida e implementada em sua totalidade, conforme previsto em sua versão original”, concluíram as pesquisadoras do Cetab.
Fonte: Agência Fiocruz de Notícias
EcoDebate, 18/07/2014
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