O jornal Folha de São Paulo de 3 de abril de 2014 publicou a matéria Justiça autoriza importação de remédio derivado de maconha para criança com epilepsia (veja a versão on-line aqui), na qual comenta sobre um paciente que conseguiu uma liminar para usar e importar medicamento derivado da maconha. Veja abaixo, comentário do presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo, Dr. Mario Roberto Hirschheimer, e da Dra. Livia Cunha Elkis, do Departamento Científico de Neurologia da SPSP.
A propósito do uso da maconha
A planta Cannabis sativa (nome científico da maconha) contém em torno de 80 canabinoides, dos quais dois são os mais abundantes: o delta 9 tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol. Esse último sem ação psicoativa e com provável efeito promissor para várias doenças neurológicas.
Uma Revisão Sistemática da Literatura Médica realizada pelo Centro Cochrane, publicada em junho de 2012, incluiu quatro ensaios clínicos randomizados controlados do uso medicinal da Cannabis sativa e mostrou que tais estudos não permitem tirar conclusões a respeito da eficácia e segurança do seu uso no tratamento da epilepsia em crianças e adolescentes.
A pergunta que podemos fazer: é válido os pais exporem seus filhos a fármacos ainda não aprovados? O que podemos afirmar é que, no momento, não há evidências científicas de que o canabidiol é um medicamento eficaz e seguro para a epilepsia ou outras doenças neurológicas. O maior problema se refere a percepção do efeito colateral em crianças pequenas, que podem ter associado atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, complicando a percepção da família ou do médico. Uma criança de 7-8 anos pode informar uma cefaleia, mas não descreve precisamente suas características como dor em queimação ou dor pulsátil. Será que uma criança de 1-2 anos pode informar uma ansiedade discreta ou moderada e nós, médicos, ou os seus pais, vamos entender esse sintoma subjetivo, e então avaliar a retirada da medicação?
Outro fator a ser considerado é o desenvolvimento da estrutura cerebral da criança. O balanço da excitabilidade dos neurotransmissores nos primeiros 4-5 anos de vida segue um padrão diferente dos adultos, e vai se modificando a medida que certas vias vão se mielinizando. Nós, médicos, precisamos saber mais sobre isto antes do uso do CDB, já que a ação deste é direta nos neurotransmissores e, em adultos, a maconha foi descrita como desencadeante de psicose.
A única forma de se estudar um composto é seguir as normas já estabelecidas, que sabemos que são boas. Em primeiro lugar, vamos estudar em adultos, que podem nos informar melhor os efeitos colaterais. Não podemos expor nossas crianças ao empirismo, vamos tentar fazer um esforço global e estudar esse composto de forma mais acelerada. A preocupação da SPSP referente ao caso publicado na matéria da Folha de São Paulo é que muitos pais recorram a este tratamento sem orientações específicas e acabem por prejudicar ainda mais a situação de seus filhos.
Dra. Livia Cunha Elkis
Departamento Científico de Neurologia da SPSP
Dr. Mario Roberto Hirschheimer
Presidente da SPSP
Publicado em 11/04/2014.
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